Brasil

Comprou celular usado? Cuidado para não pegar 8 anos de cadeia

Nessa quinta-feira (27), o ministro da Justiça, Ricardo Lewandowski, encaminhou Projeto de Lei (PL) com nova tipificação e aumento de 30% a 50% nas penas para receptação de celular

Nessa quinta-feira (27), o ministro da Justiça, Ricardo Lewandowski, encaminhou um Projeto de Lei (PL) com nova tipificação e aumento de 30% a 50% nas penas para receptação de celulares roubados. Sobre o tema, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva disse, em ato no estado do Ceará, que o Brasil não se tornará uma “república dos ladrões de celulares”.

É estranho que um governo de esquerda com base popular adote uma política de aumento da repressão. No caso do governo Lula, é um desvio total do programa para o qual foi eleito. Na verdade, essa política se aproxima do programa derrotado de seu opositor, Jair Bolsonaro (PL).

O aumento de penas e o uso de forças policiais são medidas antipopulares e negativas para um governo de esquerda. Essa política fortalece a posição da direita, contribuindo para seu crescimento, inclusive eleitoralmente.

Por norma, essa posição ignora a violência como uma questão social, ligada estritamente às desigualdades, tratando-a como um desvio individual. Essa é a tese da direita, e o PT, ao abraçá-la, apenas fortalece os defensores mais ávidos dela, a extrema direita.

Algo que torna esse PL ainda mais repugnante é o fato de não haver nenhum esforço no sentido de evitar a violência, limitando-se exclusivamente a aumentar a repressão. É preciso esclarecer que a legislação atual já é bastante draconiana no peso das punições e ampla nas tipificações; novas tipificações e aumento de penas são desnecessárias.

O aumento de pena por receptação de celular roubado é afrontoso, pois a penalidade atual já é desproporcional ao valor social do eletrônico e à violência do delito. Como se não bastasse a floresta de leis atuais, em que respirar pode ser uma contravenção, o governo pretende criar o novo tipo penal de “furto qualificado por encomenda”, já enquadrado em outras tipificações. Como todo poder extra concedido ao Estado, ele poderá e será usado contra o trabalhador.

Uma das justificativas para a apresentação do PL, com antecipação do prazo original, seria combater o impacto na segurança pública e na economia. O Ministério da Justiça chegou a argumentar que, em 2023, houve notificações em boletins de ocorrência do roubo de quase 1 milhão de telefones, indicando que o número real pode ser superior.

Segundo a Secretaria de Comunicação do Planalto, há uma sensação de insegurança nas maiores cidades do país, afetando a imagem do presidente Lula, mesmo que a segurança, no nível observado, seja constitucionalmente uma responsabilidade dos governadores e de suas gestões estaduais.

“A gente não vai permitir que os bandidos tomem conta do nosso país. A gente não vai permitir que a república de ladrão de celular comece a assustar as pessoas na rua desse país.”

Chama a atenção o fato de que o endurecimento da legislação não incide sobre o furto, mas justamente sobre a receptação. Ocorre que qualquer indivíduo que compre um celular usado passa a estar sujeito a enquadramento penal.

Aplicada essa normativa, uma pessoa que adquiriu um celular sem saber sua procedência pode enfrentar até oito anos de prisão. Os eletrônicos sem procedência têm um preço de venda reduzido e, exatamente por isso, são procurados pela classe trabalhadora.

Na realidade, a ausência de procedência no comércio informal é quase certa, já que poucos consumidores guardam a nota fiscal de um eletrônico após o período de garantia, e, mesmo durante a garantia, são raras as exceções.

Normalmente, quem utiliza um celular por dois ou três anos, troca de aparelho e deseja vender o anterior, não conseguirá oferecer uma procedência adequada. Isso abre espaço para mais arbitrariedades, com dimensões imensuráveis nas mãos dos guardas de esquina.

Além do impacto político e jurídico apontado, há ainda o impacto econômico, como destacado pelo Ministério da Justiça. Supostamente, para combater uma fonte do narcotráfico, um mercado informal será prejudicado, abrindo espaço para a exploração por personalidades jurídicas e a monopolização de mais um setor da economia.

Independentemente da perspectiva, essa política é absurda, não atende em nada aos interesses populares, concede mais poderes de repressão ao Estado e não contribui em nada para a solução do problema colocado. É mais uma capitulação, sem qualquer resistência, às pressões da direita.

A principal consequência dessa normativa será o aumento da população carcerária brasileira. Hoje, o Brasil conta com uma população carcerária de mais de 711 mil presos — a terceira maior do mundo —, mesmo que as vagas no sistema carcerário sejam apenas para metade desse montante.

Dentro dessa população, 30% aguardam julgamento e 70% se declaram negros e pardos, os setores mais oprimidos da classe trabalhadora. Essa, como toda política de repressão, terá como principal reflexo o agravamento dessas estatísticas vergonhosas para nossa sociedade.

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