No auge das guerras revolucionárias francesas, que se espalhavam pela Europa e pelo Oriente Médio, a expedição de Napoleão Bonaparte ao Egito e Síria emergiu como um capítulo negativo para a expansão da burguesia francesa. Através dessa ofensiva, Napoleão não apenas buscava consolidar o poder da França revolucionária na região, mas também neutralizar a força da rival Inglaterra, especialmente no controle da rota comercial que ligava o Mar Mediterrâneo ao Oceano Índico, e portanto, à Índia e à Ásia. Diante dos muros da cidade de Acre, em 1799, porém, o gênio militar do futuro imperador encontrou uma de suas mais humilhantes derrotas, nas mãos de uma combinação de resistência local palestina e alianças estratégicas de potências externas.
A campanha na Síria começou como uma continuidade da ocupação francesa no Egito. Após consolidar o controle sobre Cairo e o Vale do Nilo, Napoleão decidiu marchar para o norte em direção à Síria otomana. Sua intenção era enfraquecer os otomanos, que continuavam sendo uma ameaça à França e um obstáculo ao controle francês da porção oriental do Mediterrâneo, mar que banha o sul da Europa, Norte da África e o Oriente Médio.
A cidade de Acre, então sob o controle do paxá Ahmad al-Jazzar, conhecido como “o Carniceiro”, tornou-se o principal alvo da ofensiva francesa. Localizada estrategicamente na costa da atual região da Palestina, Acre era uma fortaleza bem fortificada, com significativos recursos defensivos e apoio logístico britânico.
Napoleão, que confiava em sua habilidade para subjugar rapidamente seus oponentes, não esperava a feroz resistência que encontrou. As fontes da época narram que os defensores palestinos e otomanos, liderados por Ahmad al-Jazzar, mostraram uma determinação incomum. As tropas francesas cercaram Acre em 20 de março de 1799, utilizando artilharia pesada para bombardear as muralhas da cidade. Napoleão esperava que sua estratégia de cerco fosse suficiente para forçar a rendição dos defensores.
Contudo, sua artilharia não era suficiente para romper as muralhas fortificadas, que haviam sido recentemente reforçadas pelos engenheiros britânicos sob o comando de Sir Sidney Smith. O apoio britânico foi um elemento-chave: não apenas forneceram armas e suprimentos, mas também bloquearam qualquer tentativa francesa de reforçar suas próprias linhas com recursos do mar.
Um relato contemporâneo descreve: “as paredes de Acre se erguiam como um desafio intransponível diante da arrogância francesa. Cada tentativa de assalto era repelida com perdas brutais.” Os defensores também usaram táticas criativas para frustrar os avanços franceses.
Ahmad al-Jazzar, conhecido tanto por sua crueldade quanto por sua astúcia, comandava pessoalmente as defesas, incentivando seus homens a resistir até o último suspiro. Suas mensagens à população local e aos combatentes ecoavam um apelo nacionalista, conclamando à luta não apenas pela cidade, mas também pela dignidade de um povo ameaçado pelas forças estrangeiras.
A situação tornou-se ainda mais desesperadora para Napoleão quando uma força otomana de ajuda foi avistada marchando em direção a Acre. Para evitar o cerco de seus próprios homens, Napoleão enviou um destacamento para interceptar os reforços otomanos. Embora tenha conseguido derrotá-los na Batalha do Monte Tabor em 16 de abril de 1799, essa vitória revelou-se um paliativo diante das dificuldades crescentes em Acre.
A época quente e as condições insalubres do acampamento francês resultaram em uma epidemia devastadora de peste bubônica entre as tropas. Napoleão, em um gesto que posteriormente se tornaria um mito político, foi retratado visitando os doentes, mas nem mesmo sua presença conseguiu mitigar a desmoralização.
Entre 20 de março e 20 de maio de 1799, o imperador francês tentou repetidamente tomar Acre por meio de ataques diretos e minas subterrâneas destinadas a explodir as muralhas. Cada tentativa foi frustrada, e as baixas aumentavam a cada dia. Sidney Smith, que havia capturado correspondência entre Napoleão e seus subordinados, usou essas informações para uma guerra psicológica, enviando panfletos que minavam a moral francesa. Napoleão, por sua vez, tentou retratar a resistência de Acre como uma questão de tempo. “A tomada desta cidade é inevitável”, escreveu ele em uma de suas proclamações, subestimando a capacidade da resistência palestina.
A decisão de Napoleão de abandonar o cerco, em 21 de maio de 1799, foi um reconhecimento implícito de derrota. Ele ordenou a retirada para o Egito, deixando para trás milhares de soldados mortos ou doentes.
Embora tentasse minimizar a derrota em Acre, descrevendo-a como um “retrocesso temporário”, o impacto foi profundo. O fracasso comprometeu sua reputação de invencibilidade e fortaleceu a resistência local e regional contra as ambições francesas.
Para os palestinos e outros povos da região, a defesa de Acre tornou-se um evento histórico de resistência coletiva contra o colonialismo. A colaboração entre diferentes setores populares – desde os camponeses que forneciam suprimentos até os soldados que defendiam as muralhas – mostrou que a resistência não era apenas uma questão militar, mas também um movimento nacionalista.
Ainda hoje, o episódio é lembrado como símbolo das capacidades de um povo que, mesmo diante de adversidades aparentemente insuperáveis, enfrentando uma força militar tecnicamente superior, é possível reagir e lutar contra a opressão estrangeira. Em Acre, Napoleão encontrou não apenas a resistência de uma cidade, mas o peso de um legado histórico de um povo determinado a se defender.