O deputado Kim Kataguiri (União-SP), aproveitando a onda de censura do judiciário nacional, acionou judicialmente o presidente do Partido da Causa Operária (PCO), Rui Costa Pimenta, por dizer que o parlamentar havia tido uma conduta nazista. Em fevereiro do ano passado, Kataguiri entrou com ação popular na Justiça Federal para interromper o repasse de parte do orçamento federal à Agência das Nações Unidas de Assistência e Obras para os Refugiados da Palestina no Oriente Próximo (UNRWA). O deputado disse ainda que “Lula quer errar em nome do povo brasileiro e apoiar uma instituição escusa que vários países deixaram de apoiar por fortes indícios de envolvimento com o grupo terrorista”. Pimenta, em uma edição de sua tradicional Análise Política da Semana, disse que a tentativa de bloqueio ao auxílio humanitário era uma conduta nazista, ou seja, fez uma crítica política.
Kataguiri afirma, em sua petição, que o PCO e seu presidente defendem “regimes ditatoriais”, como os da Coreia do Norte e o regime estalinista da antiga União Soviética. Ainda afirmou que Rui Pimenta teria defendido que integrantes do antigo Movimento Brasil Livre (MBL) fossem alvos de “ações violentas” e que o PCO teria índole “radical e violenta”.
A juíza, neste caso, disse que “Decerto, a veiculação de reportagem que ultrapasse os limites da divulgação da informação, da expressão de opinião e da livre discussão dos fatos, em violação à honra e à integridade moral de pessoas, deve ser passível de reparação de ordem moral”.
Também disse que “embora a Câmara do TPI tenha feito um juízo de admissibilidade da denúncia contra o Primeiro-Ministro de Israel e Ministro da Defesa de Israel — por obstrução de envio de ajuda humanitária para Palestina ou Gaza — essa decisão não prova que a finalidade do autor, ao propor a ação popular, era a vedação do envio de ajuda humanitária aos palestinos para matá-los de fome (dolo de genocídio)”. Está certo. A ideia de Kataguiri era proteger o recurso público do governo federal e demonstrar, de público, sua humanidade, com certeza.
Quer dizer, é completamente subjetivo o critério utilizado pela juíza, e pelo judiciário, para estabelecer quando existe ou não violação à dita “honra”, se é que haja algum resquício de algo parecido no deputado Kim Kataguiri. E não poderia ser diferente, pois o problema é o crime de opinião, a censura, não tem nada a ver com a honra de quem quer que seja. A censura é, por natureza, arbitrária, não depende de lei alguma.
Afirmou a juíza: “Conforme interpretação literal do texto verbal do réu transcrito acima, está evidente que o réu expressou pensamento opinativo pela qual acusou o autor como “palhaço”, “genocida” e “nazistinha”, sob o fundamento de que a finalidade do autor, ao propor a ação popular, era proibir a entrega de ajuda humanitária aos palestinos para matá-los de fome, o que caracterizaria genocídio e nazismo. […] No que se refere à capacidade mal afamatória, na petição inicial de ID as fls o autor alega que as acusações do réu ao autor como genocida e nazista e palhaço são capazes de ofender sua honra perante a sociedade”.
O que a juíza parece não entender é que uma crítica dessa tem justamente a finalidade de rebaixar a honra do alvo perante a sociedade. A crítica política não é para elevar a honra e o respeito de uma pessoa diante da sociedade, é justamente para rebaixá-la ou demolí-la diante dos fatos.
E conclui que “Portanto, reconheço que o réu cometeu ato ilícito consistente em abuso do direito à liberdade de expressão, ao exceder seus limites impostos pelo seu fim econômico, social, pela boa-fé e pelos bons costumes, nos termos do CC/02, artigo 187, caput”.
Ao acusar uma pessoa de ser nazista, o que está em jogo é a política dessa pessoa. Não é o fato dela vender ou distribuir artefatos nazistas. Essa prática é crime, pela lei brasileira, embora também seja errado colocar uma conduta política como prática penal. Mas acusá-lo de conduta nazista não é crime, é uma analogia, uma comparação, e o fato do deputado Kim Kataguiri acionar a justiça diante da crítica revela o incômodo da colocação.
A juíza Tatiana Dias da Silva Medina determinou que Rui Costa Pimenta deverá indenizar Kim Kataguiri em R$ 10.000,00, embora o deputado tenha pedido R$ 30.000,00. Por qual motivo a alteração ninguém será capaz de entender. A doutíssima juíza é a mesma que condenou Jair Bolsonaro a pagar R$ 15 mil a Maria do Rosário, em 2019. Por outro lado, isentou Martinho da Vila de indenizar o direitista Sérgio Camargo por chamá-lo de “preto de alma branca”.
Chamar alguém de nazista não pode, mas chamar de “preto de alma branca”, pode. Essa segunda crítica ofende tanto a honra do criticado quanto a primeira, ao associá-lo ao negro capacho, o negro que presta serviço aos racistas. O nazista é aquele que deixa uma pessoa morrer de fome, que admira a tortura, a covardia. São, ambas, críticas políticas. Mas a justiça vai avaliar o caso conforme as partes, e, no caso, está o presidente do PCO, que defende o Hamas e os palestinos, e, de outro lado, o defensor do estado de “Israel” e o genocídio na faixa de Gaza.
Não importa o que a juíza pense ou determine. É uma política nazista uma pessoa se negar a ajudar uma população que passa fome. Negar alimento, até mesmo para prisioneiros de guerra, é considerado crime de guerra. Também não importa que honra Kim Kataguiri pensa ter, que suposto direito pessoal dele Rui Costa Pimenta teria violado. Muito embora o judiciário queira restabelecer a censura da ditadura militar, os tempos são outros.
O Hamas e as demais organizações palestinas venceram e “Israel” teve que recuar. Os nazistas recuaram, e, em breve, toda direita mundial vai recuar também, a do Congresso Nacional e o restante dela espalhada nas instituições, como no judiciário.