Câmara dos Deputados

Cassação de Glauber Braga: ponta do iceberg de uma ditadura feroz

Crime contra a representação popular acontece em meio a uma série de acontecimentos que mostram que não há mais direitos democráticos no País

Nessa quarta-feira (9), o Conselho de Ética da Câmara dos Deputados recomendou ao plenário da Casa a cassação do mandato do deputado Glauber Braga (PSOL-RJ). Com maioria esmagadora, 13 deputados foram a favor da cassação do parlamentar, derrotando os cinco que se mantiveram contrários à medida.

Glauber Braga é acusado de ter quebrado o decoro parlamentar ao expulsar a pontapés um apoiador do Movimento Brasil Livre (MBL) da casa legislativa em abril de 2024.

A recomendação do Conselho de Ética agora será analisada pelo plenário da Câmara dos Deputados, que detém a palavra final sobre a perda de mandato. Segundo a Constituição Federal, existem diferentes formas de cassação de mandato parlamentar, dependendo da natureza da infração cometida. No caso da acusação feita contra Glauber Braga, o artigo 55, inciso II, da Constituição Federal de 1988, estabelece que o deputado poderá perder o mandato “por procedimento incompatível com o decoro parlamentar”. Ainda de acordo com o mesmo artigo, no parágrafo segundo, a perda do mandato deve ser decidida pela maioria absoluta dos membros da Casa, ou seja, pelo voto favorável de pelo menos 257 dos 513 deputados, após um processo com ampla defesa e contraditório.

Além da quebra de decoro, o artigo 55 também prevê outras hipóteses de perda de mandato, como:

  • deixar de comparecer, em cada sessão legislativa, à terça parte das sessões ordinárias da Casa a que pertencer, salvo licença ou missão por esta autorizada;
  • perder ou tiver suspensos os direitos políticos;
  • decreto da Justiça Eleitoral;
  • condenação criminal em sentença transitada em julgado.

Nos casos de condenação criminal definitiva, por exemplo, a perda do mandato é apenas declarada pela Mesa Diretora da Câmara, sem necessidade de deliberação em plenário. Já nas demais situações, como a atual envolvendo Glauber Braga, é exigido o julgamento dos próprios deputados.

Ainda que, tecnicamente, a cassação esteja prevista em Lei, trata-se de um mecanismo profundamente antidemocrático.

A cassação por quebra de decoro parlamentar implica que um deputado poderá perder o seu mandato após um julgamento baseado em uma questão completamente subjetiva. Nem mesmo a Constituição estabelece o que seria o “decoro parlamentar”. É um dispositivo, portanto, que será inevitavelmente acionado por motivos políticos. Se houver uma maioria de deputados contrária a uma bancada de deputados de uma minoria política, estão estabelecidas as condições para a cassação desta bancada por “quebra de decoro”.

Receber uma autoridade estrangeira acusada de “terrorismo” seria quebra de decoro? Criticar uma autoridade pública por não exercer corretamente a sua função seria quebra de decoro? Basta uma breve análise para se chegar à conclusão de que “quebra de decoro” significa não se comportar de acordo com o que a “ética” de sujeitos mui éticos, que são os deputados federais, diz.

Os demais dispositivos são igualmente antidemocráticos, principalmente os que estão vinculados a uma decisão judicial. São antidemocráticos porque estabelecem que uma burocracia tem a autoridade de decidir se um deputado deve ou não legislar. O problema disso é que o deputado é um representante do povo, alguém eleito pelo voto popular. Cassar o mandato de alguém eleito pelo povo é, portanto, cassar os votos do povo. É atentar contra o Estado democrático de direito. Afinal, a Constituição, em seu primeiro artigo, diz que:

“A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:

I – a soberania;

II – a cidadania

III – a dignidade da pessoa humana;

IV – os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa; (Vide Lei nº 13.874, de 2019)

V – o pluralismo político.

Parágrafo único. Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição [grifo nosso].”

Glauber Braga e os demais deputados federais são representantes eleitos. É isso o que garante, pelo menos formalmente, que o poder emane do povo. Se não é assim, significa que o poder emana de uma burocracia. Isto é, que estamos diante de uma ditadura.

A aprovação da cassação de Glauber Braga, ainda que criminosa, não é um raio em céu azul. Até mesmo a forma bastante fluida com a qual aconteceu escancarou que o regime político é muito mais antidemocrático do que possa parecer ser.

Os sinais são emanados a todo o momento. Na própria Câmara dos Deputados, outra parlamentar está em vias de perder o seu mandato por quebra de decoro. Trata-se de Carla Zambelli (PL-SP), que está sendo julgada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) por apontar a arma para um homem no meio da rua. Zambelli sequer teve o “privilégio” de ser julgada por seus pares, que, ao menos, foram eleitos.

Na atual legislatura, um deputado já foi cassado. Trata-se de Deltan Dallagnol (PODE-PR), que teve seu mandato revogado pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) por uma manobra para tentar burlar a Lei da Ficha Limpa.

Em todo o País, vários parlamentares tiveram seus mandatos revogados por decisões arbitrárias da Justiça Eleitoral. Em 2023, o Tribunal Regional Eleitoral do Ceará (TRE-CE) cassou a bancada inteira do Partido Liberal (PL) por uma suposta fraude na “cota de gênero”.

Os tribunais também aumentaram de maneira inacreditável a sua ingerência não apenas sobre as casas legislativas, mas também sobre os próprios partidos políticos, que são entidades privadas. Em 2022, a Justiça interferiu diretamente na diretoria do Partido da Ordem Social (PROS), determinado quem seria o seu presidente. Em 2024, o ministro Alexandre de Moraes, do STF, chegou a proibir que o presidente do PL, Valdemar da Costa Neto, pudesse ter contato com o principal cabo eleitoral de seu partido, Jair Bolsonaro (PL).

Os maiores casos de ingerência, no entanto, certamente estão na questão das contas partidárias. A interferência da Justiça Eleitoral e a imposição de multas absurdas chegou a tal ponto que, para se defender, os deputados foram obrigados a aprovar, no ano de 2024, uma lei de anistia às multas do TSE.

O partido mais atingido pelas imposições burocráticas no que diz respeito à prestação de contas é o Partido da Causa Operária (PCO). O PCO enfrenta, neste momento, um pedido de cassação de seu registro partidário, motivado por uma série de acusações infundadas sobre medidas que, embora inconstitucionais, foram cumpridas pelo Partido. Houve apenas um único partido na história do Brasil que foi cassado – o Partido Comunista do Brasil (PCB), durante a Guerra Fria, por motivos declaradamente políticos.

Enquanto o regime político vai tornando a atividade parlamentar e o próprio funcionamento dos partidos políticos um crime, a burguesia vai também implementando uma política de censura cada vez mais dura. Um caso que veio à tona na última semana revelou que, no Brasil, qualquer coisa que seja dita a qualquer pessoa por qualquer meio pode ser levado a um tribunal.

O caso em questão aconteceu no Mato Grosso, quando uma mulher, após enviar uma mensagem de áudio a pessoas de seu círculo íntimo, contendo críticas e fofocas contra a primeira-dama do estado, foi condenada à prisão.

Para que a Justiça chegasse ao ponto de condenar uma pobre coitada por isso, muita água passou por baixo dessa ponte. Muitas personalidades foram perseguidas, presas e condenadas pelo que falaram ou escreveram. A censura, no entanto, sempre vinha acompanhada de supostas “boas intenções”: a defesa da mulher, a luta contra o antissemitismo, o combate ao racismo etc.

Com as mais aberrantes justificativas, a Justiça brasileira – em especial, o STF – está julgando pessoas e partidos pelo “crime” de opinião. Novamente, somos obrigados a citar o PCO.

O Partido já foi condenado porque um colunista escreveu uma história de ficção sobre João Doria, ex-prefeito de São Paulo. Também foi processado porque criticou o secretário de Segurança do Mato Grosso do Sul por promover um massacre contra os índios do estado. Também foi condenado por dizer que a política do deputado Kim Kataguiri (União Brasil-SP) de tentar impedir que a população da Faixa de Gaza recebesse ajuda humanitária era uma política nazista.

Após a onda de multas, agora o Partido enfrenta processos criminais, que podem resultar em prisão. Por causa da sua defesa do povo palestino, que, conforme a própria Corte Internacional de Justiça (CIJ), sofre um genocídio, os dirigentes do PCO estão sendo acusados de “racismo” e “terrorismo”.

O caso de Glauber Braga é, portanto, só um entre milhares que demonstram que o País vive sob uma ditadura feroz. Esta ditadura, por sua vez, não é por acaso. Ela é uma necessidade do imperialismo, que vive em uma crise muito profunda, para impor a sua política criminosa. Da mesma maneira em que hoje o imperialismo quer calar quem defende o povo palestino, o grande capital planeja transformar o Brasil em uma terra arrasada, como fez com Gaza.

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