Até o fechamento desta edição, quando já havia transcorrido 48 horas desde que o Conselho de Ética da Câmara dos Deputados aprovou a cassação do deputado federal Glauber Braga (PSOL-RJ), o sítio oficial do Partido Socialismo e Liberdade (PSOL) não havia emitido uma única nota em defesa de seu parlamentar. Coube, portanto, à corrente psolista Movimento Esquerda Socialista (MES), à qual Braga é ligado, se pronunciar sobre o assunto.
Em artigo intitulado Cassação de Glauber Braga pode abrir perigoso precedente antidemocrático, publicado no dia 11 de abril, a revista Movimento, do MES/PSOL, afirma que:
“A aprovação do relatório pela cassação do deputado Glauber Braga (PSOL/RJ) na conturbada reunião do Conselho de Ética da Câmara dos Deputados pode ser uma prévia de ataques contra parlamentares de esquerda em todo país.”
Sim, a eventual cassação de Glauber Braga facilitará a cassação de outros parlamentares de esquerda no futuro próximo. A malandragem do texto está em (1) dizer que os ataques futuros serão especificamente contra a esquerda e em (2) indicar que os ataques iniciarão a partir da cassação de Glauber Braga.
A cassação de um deputado é uma violação dos direitos democráticos do próprio parlamentar e do conjunto da população brasileira. Ao cassar alguém, cassam-se os votos que o elegeram. Neste sentido, o maior problema da cassação de Glauber Braga não é ideológico. Braga não está sendo cassado porque é “de esquerda”. O maior problema está no funcionamento antidemocrático do Estado.
O Estado democrático de direito é aquele em que há limites para a atuação do Estado. Isto é, aquele no qual o Estado é obrigado a delimitar a sua ação de acordo com um conjunto de garantias. Se não há este limite, o Estado é uma ditadura, e ninguém estará protegido contra os seus abusos.
O princípio que protege o mandato de Glauber Braga não existe porque ele é “de esquerda”. Existe porque todos os parlamentares deveriam estar protegidos. A revista Movimento estaria certa se considerasse que uma onda antidemocrática que virá após a cassação de Glauber Braga terá a esquerda como alvo principal. Mas não como alvo único: todos aqueles que entrem em choque com os interesses do Estado serão perseguidos.
Não é por acaso que o MES ignora esse aspecto do problema. Reproduzindo o mesmo pensamento da esquerda pequeno-burguesa de conjunto, o MES ignora que, assim como Glauber Braga está sendo perseguido, a extrema direita também é perseguida pelo Estado. O próprio Glauber Braga endossou recentemente a perseguição contra uma deputada federal, a bolsonarista Carla Zambelli (PL-SP).
Para o MES, é como se somente a esquerda fosse perseguida. É como se vivêssemos em uma maravilhosa “democracia” até o dia em que Braga foi cassado. Isso fica ainda mais claro no trecho abaixo:
“É evidente que o processo de cassação é uma perseguição política direta promovida por Arthur Lyra e o Centrão envolvido no ‘orçamento secreto’ que Glauber tanto denunciou. Ao nomear diretamente os responsáveis pela corrupção generalizada na distribuição de recursos públicos, o deputado recebeu contra si uma resposta conjunta do Centrão interessado em destituir um mandato combativo do PSOL.”
Pode ser que de fato Glauber Braga tenha irritado o então presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL). No entanto, o que realmente tornou sua cassação possível foi o fato de que o regime político foi sendo modificado gradativamente até chegar ao ponto em que cassações de parlamentares fosse algo comum.
O pedido de cassação de Carla Zambelli é parte desse processo de modificação do regime político. Assim como a prisão de Daniel Silveira (ex-PTB-RJ). Assim como a censura a várias lideranças da extrema direita. Assim como a cassação do direitista Deltan Dallagnol (PODE-PR).
A todo momento, o MES/PSOL se recusou a denunciar o avanço da ditadura porque não viu seus interesses serem postos em risco. De tão adaptados ao Estado e à política do imperialismo, a corrente foi incapaz de perceber que o regime estava se fechando contra toda e qualquer dissidência.
O cerco contra os direitos democráticos no último período não teve apenas a extrema direita como alvo. O Partido da Causa Operária (PCO), na medida em que se colocou frontalmente contra a política do imperialismo, foi e está sendo vítima de uma quantidade inacreditável de ataques por parte do Estado. Entre eles, a censura de suas redes sociais em pleno ano eleitoral e a ameaça de cassação de seus registro e de prisão de seus dirigentes.
Ao mesmo tempo, os trabalhadores foram confrontados com uma política antigreve de características nazistas. O direito de greve foi praticamente liquidado no Brasil.
A eventual cassação de Glauber Braga, portanto, não inaugura propriamente um Estado ditatorial. Ela é apenas mais um marco de uma ditadura que se aprofunda a cada dia.
Demonstrando não ter aprendido a lição, mesmo quando um deputado que apoia corre o risco de ser cassado, o MES ainda afirma que:
“Agora, nossa tarefa fundamental é multiplicar a solidariedade à Glauber e denunciar a manobra autoritária do Centrão no parlamento, difundindo os absurdos e casuísmos presentes neste processo de cassação enquanto Chiquinho Brazão, o deputado acusado como mandante do assassinato de Marielle Franco, continua com o processo de cassação parado há mais de 200 dias.”
A política do MES diante da perseguição contra Glauber Braga é responder cassação com outra cassação. Uma política não apenas antidemocrática, como suicida. Afinal, o Estado, no capitalismo, jamais será favorável à esquerda. Ao pedir a cassação de Chiquinho Brazão, a única coisa que o MES conseguirá é reforçar que o Estado tem o poder de revogar o mandato daqueles eleitos pelo povo.