Polêmica

Carpideiras da USAID ainda lamentam o que deveriam comemorar

Esquerdista reconhece o papel da USAID na ditadura imperialista contra o mundo, mas se perde nas considerações mais absurdas e termina se opondo ao que deveria apoiar

Jornalista e diretor executivo da Rede Conecta de Inteligência Artificial e Educação Científica e Midiática (UFF/CNPq), Reynaldo Aragon publicou um artigo no portal Brasil 247, no último dia 6, intitulado Do império ao caos: como as corporações estão golpeando o Estado americano por dentro, trazendo a tese de que há um golpe de Estado em marcha nos EUA, perpetrado pelo trumpismo e resultado da “disputa entre os setores tradicionais do deep state e a nova elite tecno libertária”. O autor situa nesse confronto o recente episódio da suspensão do funcionamento da USAID. Diz Aragon:

“Nos últimos anos, os EUA têm vivido uma guerra interna pelo controle do Estado, e essa guerra envolve diretamente os interesses das Big Techs, da extrema-direita trumpista e dos setores tradicionalmente ligados ao deep state americano. Esse embate pode ser observado na disputa pelo comando de instituições como a USAID, o FBI, o Departamento de Estado e as diversas agências de inteligência que historicamente operaram como braços do imperialismo americano […] Esse processo avança em diversas frentes e está diretamente conectado à ascensão do tecno libertarianismo como alternativa ao modelo estatal tradicional.”

Em um tom mais apocalíptico e também ilustrativo da orientação política do autor, Aragon acredita que “se esse golpe contra o Estado for bem-sucedido, veremos a ascensão de um novo modelo de poder, baseado no controle total da informação, da segurança e da tecnologia por uma elite empresarial sem qualquer compromisso com a democracia ou a soberania nacional”. Em primeiro lugar, falar que “corporações estão golpeando o Estado” é tese curiosa que levaria ao questionamento sobre quando o Estado norte-americano não foi da burguesia.

Há quase 180 anos, o Manifesto Comunista já falava que o Estado é o balcão de negócios dos capitalistas. Trata-se, portanto, de um truísmo. O problema do posicionamento do artigo, no entanto, reside na defesa descarada dos democratas e, consequentemente, do imperialismo. Ora, qual era o “compromisso com a democracia ou a soberania nacional” quando democratas como Harry Truman autorizaram o bombardeio nuclear de cidades japonesas? Quando outros como John F. Kennedy organizaram o golpe de 1964 contra o Brasil e uma onda de golpes de Estado na América Latina? Quando Joe “Genocida” Biden financiou, na Faixa de Gaza, um dos genocídios mais sanguinários já vistos pela humanidade?

A esquerda comete um erro crasso ao defender posições tão fora da realidade. A conclusão desse argumento defendido por Aragon é que compromissos como a soberania nacional passaram a ser desconsiderados agora, quando, na realidade, nunca foram levados a sério por nenhum governo dos EUA desde o final do século XIX, pelo menos.

Da confusão produzida por essa posição, teríamos a base da esquerda acreditando em fantasias tolas e perigosas, como a de que o ex-presidente “Joe Genocida” não era ele próprio um representante de “corporações” (isto é, empresas capitalistas) ainda mais poderosas do que as representadas por Donald Trump, o que tornava seu governo, por tabela, mais monstruoso. Destas premissas totalmente equivocadas, chegamos ao ponto central do debate, que é o papel da USAID na atual crise aberta pela ofensiva de Trump. Diz o autor:

“A recente ofensiva da USAID contra redes de desinformação ligadas a Musk e Thiel mostra que o governo americano ainda tenta conter esse processo, mas a questão central é que o próprio modelo de governança dos EUA está se tornando disfuncional diante dessa guerra interna.”

Se, no segundo parágrafo, a USAID é apresentada como uma trincheira da direita tradicional (mais diretamente ligada ao imperialismo), aqui, a agência já aparece quase como uma instituição iluminista, dedicada a combater a mentira. Ocorre que, se acima Aragon já indica que não é nada disso, no parágrafo abaixo, ele não deixa dúvidas:

“Tradicionalmente, a USAID tem sido utilizada como um braço do imperialismo dos EUA, operando como fachada para operações de desestabilização, financiamento de grupos políticos alinhados aos interesses americanos e aplicação da doutrina neoliberal em países estratégicos. No entanto, nos últimos anos, uma guerra interna se instaurou dentro da agência, revelando o embate entre o deep state tradicional, que deseja manter a USAID sob controle governamental, e os novos tecnolibertários trumpistas, que buscam capturá-la para seus próprios interesses.”

Reconhecendo-se o papel da USAID como um instrumento da ditadura imperialista contra o mundo, o normal esperado de uma pessoa de esquerda seria comemorar a ofensiva do que o autor chama de “tecno libertarianismo” contra a agência. Independente dos interesses do trumpismo, até porque, do ponto de vista social, “os tecnolibertários trumpistas” nada mais são do que a união dos setores menores da burguesia, que compõe a base social da extrema direita, com os monopólios de tecnologia.

Por mais que passe pela cabeça de Trump ou de alguns membros do seu governo, o presidente republicano não tem condições políticas de levar adiante sequer a mesma política agressiva dos seus opositores, o setor mais poderoso do imperialismo, por sinal, o único a se beneficiar das guerras e dos golpes de Estado promovidos pelos democratas. É justamente para pôr fim aos gastos exorbitantes que essa política traz ao resto do país que Trump foi colocado na Casa Branca, em primeiro lugar.

A falta de compreensão mais aprofundada do fenômeno social que se opera nos EUA termina levando Aragon a posições confusas, que se não forem devidamente criticadas, terminam levando mais confusão para as bases da esquerda, que, nesse momento, devem ter a cabeça no lugar para entender que independente das motivações, a ofensiva trumpista contra a USAID é positiva para o Brasil e o mundo. Tampouco existe uma ditadura das corporações se construindo nos EUA porque, finalmente, nunca foi nada diferente disso, assim como jamais houve nenhum “compromisso com a soberania nacional” na Casa Branca para que ele se perca.

O que existe é um movimento que acaba fortalecendo a soberania dos países oprimidos, expresso no ataque à USAID e, consequentemente, na capacidade do imperialismo em manter sua ditadura contra as nações atrasadas. À revelia do que diga Trump. É, portanto, um movimento que deve ser comemorado e, mais do que isso, aproveitado pela esquerda.

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