A Câmara dos Deputados decidiu, em duas votações realizadas entre a noite de quarta-feira (10) e a madrugada desta quinta-feira (11), afastar a cassação dos mandatos de Glauber Braga (PSOL-RJ) e Carla Zambelli (PL-SP). No caso do deputado do PSOL, o plenário substituiu a perda definitiva do mandato por uma suspensão de seis meses. Já em relação à parlamentar bolsonarista, os deputados derrubaram a cassação aprovada pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) e contrariaram decisão anterior do Supremo Tribunal Federal (STF), que já havia determinado a perda do mandato.
No primeiro caso, ligado a Glauber Braga, o Conselho de Ética e Decoro Parlamentar havia aprovado um parecer pela cassação e pela inelegibilidade por oito anos. Em plenário, porém, prevaleceu um destaque apresentado pelo deputado Pedro Paulo (PSD-RJ), que propunha a substituição da cassação por suspensão do mandato por seis meses. O texto alternativo foi aprovado por 318 votos a favor, 141 contrários e 3 abstenções, superando com folga o mínimo de 257 votos exigidos para mudança da penalidade.
Com a aprovação do destaque, o processo foi encerrado com a suspensão temporária do mandato, em vez da perda definitiva. Durante a sessão, Glauber subiu à tribuna e recusou-se a se desculpar em relação ao episódio que originou o processo. “Não posso pedir desculpas por defender uma mulher honrada que morreu poucos dias depois. Não posso”, afirmou, em referência à ocasião em que reagiu a uma provocação de um militante do MBL e passou a ser acusado de quebra de decoro parlamentar. Segundo deputados ouvidos no plenário, a ocupação da Mesa Diretora da Câmara, promovida por Braga na véspera da votação em protesto contra o processo, irritou parte dos colegas, mas não foi suficiente para manter a cassação.
Bastidores da própria sessão indicam que a Secretaria de Relações Institucionais (SRI) do governo Lula atuou na articulação para evitar a cassação. Deputados da direita afirmaram que integrantes do governo prometeram acelerar a liberação de emendas em troca de votos pela pena alternativa. O secretário de Assuntos Parlamentares da SRI, André Ceciliano (PT-RJ), confirmou ter telefonado para parlamentares de diversos partidos, mas negou qualquer oferta de emendas em troca de apoio.
Na votação que decidiu a suspensão, os partidos de oposição se dividiram. O vice-líder do PL, Bibo Nunes (RS), chegou a orientar a bancada pela punição mais branda, sob o argumento de que não havia votos suficientes para sacramentar a cassação. Depois da orientação, acabou destituído do posto pelo líder da sigla, Sóstenes Cavalcante (RJ), evidenciando o racha interno em torno do caso.
Poucas horas após o desfecho do processo contra Glauber, já na madrugada desta quinta-feira (11), o plenário voltou a se reunir para analisar a situação de Carla Zambelli. A CCJ havia aprovado, na tarde de quarta-feira, a cassação da deputada por suposto envolvimento na invasão do sistema do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) pelo hacker Walter Delgatti Neto. O STF já havia condenado Zambelli a 10 anos de prisão e decretado a perda do mandato nesse mesmo caso, além de posterior condenação a cinco anos e três meses de prisão por porte ilegal de arma e constrangimento ilegal ao perseguir um homem armada durante as eleições de 2022.
Apesar das condenações e da determinação do Supremo, a Câmara rejeitou a cassação. Foram 227 votos a favor da perda do mandato, 170 contra e 10 abstenções. O número ficou abaixo dos 257 votos necessários para confirmar a cassação, fazendo com que Zambelli permanecesse, formalmente, como deputada.
Antes da votação em plenário, a CCJ ainda havia rejeitado, em primeira deliberação, o parecer do deputado Diego Garcia (Republicanos-PR), que era contrário à cassação. Com a derrota, o colegiado designou Cláudio Cajado (PP-BA) como novo relator, que apresentou parecer pela perda do mandato. Na sessão da comissão, Zambelli participou por videoconferência, declarou-se inocente e disse sofrer perseguição política. “É na busca da verdadeira independência dos Poderes que eu peço que os senhores votem contra a minha cassação”, afirmou.
No plenário, a defesa da deputada ficou a cargo do advogado Fábio Pagnozzi, que apelou aos parlamentares para que descolassem a votação de alinhamentos ideológicos. “Falo para os deputados esquecerem a ideologia e agir como seres humanos. Poderiam ser os seus pais ou seus filhos numa situação dessas”, disse. O filho da parlamentar, João Zambelli, que completou 18 anos nesta quinta-feira, acompanhou a sessão.
Dirigentes do PL atuaram para evitar que a cassação fosse confirmada, apostando em uma saída alternativa: deixar que Zambelli perca o mandato por faltas às sessões. Nessa hipótese, ela mantém os direitos políticos, ao contrário do que ocorreria em caso de cassação. “Senhores, eu suplico a todos que estão me ouvindo: não coloquem a digital de vocês para cassar o mandato. Todos sabem que o mandato vai acabar sendo cassado por faltas, mas não porque colocamos a nossa digital”, declarou Zé Trovão (PL-SC), explicitando a orientação.
Pela legislação vigente, a cassação implicaria, além da perda imediata do mandato, inelegibilidade por oito anos após o cumprimento da pena, o que, no caso de Zambelli, a afastaria das urnas até 2043. Ao manter o mandato formalmente ativo, ainda que a deputada esteja presa na Itália desde julho, a Câmara abre espaço para que a vaga seja extinta apenas quando ela ultrapassar o limite de faltas permitido.
A decisão gerou reação imediata na bancada do PT. O líder do partido na Câmara, Lindbergh Farias (RJ), afirmou em plenário que a cassação “já deveria acontecer há muito tempo” e anunciou que a legenda ingressará com mandado de segurança no STF para tentar reverter o resultado. Ele também criticou o presidente da Casa, Hugo Motta (Republicanos-PB). “Foi uma posição muito equivocada do presidente. O presidente Hugo Motta acabou criando um problema para si próprio. Como não cassa, se tem uma decisão judicial para cassar? Não era para ter ido a plenário”, declarou.



