Brasil

Cadastro de animais aumentará vigilância do Estado sobre cidadãos

Por trás de uma medida inofensiva, como o cadastro de animais de estimação, o Estado aumento o cerco e a vigilância sobre os cidadãos, o tempo todo tratados como suspeitos

O Estado em contante vigilância

O presidente Lula anunciou na quinta-feira (17/04) o Cadastro Nacional de Animais Domésticos. Trata-se de um registro oficial, tipo o RG dos humanos, para cães e gatos. O registro, único e intransferível, acompanhará os animaizinhos por toda sua vida”.

É o que comemora Florestan Fernandes Jr, nesta sexta-feira (18), em seu artigo no Brasil 247.

A medida poderá provocar inúmeros debates, já podemos antever. Alguns dirão que há coisa mais importante para se fazer, outros dirão que é ótimo, que protegerá os animais. No entanto, o que nos interessa nessa questão é a criação de mais um cadastro, um elemento de vigilância do Estado, sobre os donos dos animais. Aliás, “tutores”, já que o politicamente correto já instituiu que animais não têm “dono”. Da mesma forma, instituiu que se deve dizer “comunidade” em vez de favela,” indígena” em vez de índio, “pessoas em situação” de rua, em vez de morador de rua.

Segundo o texto “esse documento, além de prover informações sobre campanhas públicas de castração, vacinação e microchipagem, facilitará aos tutores de cães e gatos a localização de seus fiéis companheiros de vida em caso de desaparecimento”.

No papel, tudo é sempre muito bom, no mundo real, porém, a coisa muda.

Os cadastros cumprem apenas uma função: permitir a cobrança de impostos, aplicação de leis criminais, a repressão em geral. Por norma, o governo ter esse tipo de informação, qualquer uma, cumpre uma função policialesca.

Qualquer cidadão, para entrar em determinados prédios, precisa se cadastrar e ser fotografado. Para possuir uma carteira de identidade, é preciso que se registre as digitais. No Brasil, um país onde se fala a língua portuguesa, inexplicavelmente, ou quase, existem expressões em inglês no documento de Registro Geral (RG): Nome / Name; Data de Nascimento / Date of Birth; Nacionalidade / Nationality… Parece que, além de sermos vigiados pelo Estado, existe um outro que Estado vigia o nosso!

Bisbilhotagem

Embora possa parecer uma coisa trivial, a quantidade de informações que podem parar nas mãos do Estado é gigantesca. Como mostra o próprio artigo, “segundo a Associação Brasileira da Indústria de Produtos para Animais de Estimação (Abinpet), o Brasil tem hoje a terceira maior população mundial de cachorros e gatos, são cerca de 60 milhões de cães e 30 milhões de felinos”. 58% dos domicílios no Brasil possuem algum tipo de animal de estimação.

É natural que todos achem inofensiva essa proposta de cadastro, pois os números indicam que a maioria das pessoas gosta de animais. E, claro, existem os “estudos” comprovando os benefícios de se possuir animais de estimação, como o que afirma que “um cão pode reduzir em 24% a morte precoce por qualquer causa. Tutores de cães que sofreram infarto ou derrame, tiveram probabilidade 31% menor de falecer por doenças cardiovasculares. O benefício foi ainda maior para os tutores de cães que moravam sozinhos”.

Deixando de lado a emotividade, o fato é que para tudo é preciso fazer um cadastro. No caixa do qualquer supermercado, por exemplo, nos perguntam se queremos adicionar o CPF à nota fiscal. Como incentivo, o governo promete uma série de vantagens, tais como créditos de ICMS, sorteio de prêmios, descontos em tributos, maior transparência fiscal, possibilidade de transferência de crédito etc. São tantos benefícios que o melhor a fazer é desconfiar, pois, de fato, o Estado sabe o que e onde você compra, quanto gastou, em qual horário. É um estado permanente de vigilância.

É preciso lembrar que está sendo alimentado um gigantesco sistema de coleta e banco de dados.

1984

Quem leu o livro 1984, de George Orwell, viu que um dos principais aspectos dos regimes totalitários é a vigilância constante dos cidadãos. Todos são tratados o tempo todo como suspeitos. Para se ter algum tipo de liberdade, era preciso burlar o olho eletrônico que vigiava as pessoas 24 horas por dia. Mas isso não é uma questão de ficção científica, Orwell se baseou no mundo real para escrever esse romance.

A proliferação dessa vigilância é sempre obra de ditaduras. Alemanha é um caso interessante. Antes da I Guerra Mundial, sequer existia o RG nacional. Durante e depois da Guerra, criou-se um registro de endereço dos cidadãos e cartões de identificação. Adolf Hitler deu um passo adiante, os nazistas instituíram a obrigação de carregar um RG em todos os momentos, coletavam digitais, e até a ocupação das pessoas.

Em países com algum resquício de direitos democráticos não existe uma carteira de identidade unificada obrigatória, justamente por problemas de vigilância governamental. É o caso dos Estados Unidos e do Reino Unido. Muitos que exigem a documentação, não coletam nem fotos, muito menos impressões digitais.

O que fazer?

Mas qual é a solução? Afinal, em vários casos, é preciso ter alguma identidade e algum registro. Algumas propostas para debate:

1) Criar um sistema federado de identificação. Permitir que diversas instituições gerem carteiras de identidade. Como sindicatos, bancos, associações, universidades.

2) Proibir o compartilhamento desses dados de forma unificada. Proibir determinadas coletas de dados de forma obrigatória: CPF em compras de supermercado, exigência de comprovantes de endereço na maioria dos casos, etc.

3) Criar mecanismos simples para que as pessoas possam deletar seus cadastros de diversas instituições. O governo federal poderia emitir uma ID, mas não deveria ter nada além de nome, nascimento, nome dos pais. Qualquer outra coisa deveria ser opcional.

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