Bassam Shak’a, ex-prefeito de Nablus e um dos símbolos mais corajosos da resistência palestina à ocupação israelense, faleceu aos 89 anos, em 2019, após uma longa enfermidade. Morreu velho, algo raro para um palestino nos dias atuais. Sua vida foi marcada por décadas de militância política, prisões, um atentado que lhe custou ambas as pernas e uma firme oposição aos Acordos de Oslo firmados pelo imperialismo. Seu funeral reuniu milhares em Nablus, enquanto autoridades palestinas e cidades como Ramalá anunciaram homenagens póstumas, como batizar praças e ruas em sua memória.
Nascido em 1930, Shak’a estudou na Escola Pública Al-Najá e, aos 18 anos, juntou-se ao Exército de Liberação Árabe para lutar contra as forças sionistas em 1948. Em 1952, filiou-se ao Partido Ba’ath, defendendo a unificação árabe sob o projeto pan-arabista de Gamal Abdel Nasser. Sua militância contra o Pacto de Bagdá (1955) e o tratado anglo-jordaniano rendeu-lhe perseguições na Jordânia, forçando-o a exilar-se na Síria. Com o fim da República Árabe Unida (1961), Shak’a — que já havia rompido com o Ba’ath — foi preso em Damasco e deportado para o Egito. Só retornou a Nablus em 1965, graças a uma anistia do rei Hussein da Jordânia.
Após a ocupação israelense da Cisjordânia em 1967, Shak’a emergiu como líder da resistência civil. Em 1976, elegeu-se prefeito de Nablus pela Frente Nacional Palestina (vinculada à OLP, à época ainda combativa), em eleições que deram vitória esmagadora a nacionalistas palestinos em toda a Cisjordânia. Seu maior desafio veio em 1978, quando integrou o Comitê Nacional de Orientação, criado para combater os Acordos de Camp David — que ignoravam a questão palestina. Em represália, o regime sionista ordenou sua deportação em 1979, acusando-o de “incitação” após ele responsabilizar o falso país artificial pelas mortes em um ataque da guerrilheira Dalal Mughrabi. A ordem foi revogada após protestos massivos e uma campanha internacional, articulada pela advogada judia Felicia Langer.
Em 2 de junho de 1980, Shak’a sobreviveu a um atentado a bomba em seu carro, executado por colonos nazistas que buscavam eliminá-lo – como de praxe da cartilha sionista. O explosivo arrancou-lhe ambas as pernas e feriu gravemente o prefeito de Ramalá, Karim Khalaf. Da cama do hospital, Shak’a declarou:
“Se cortaram minhas pernas, não cortaram minha luta. Os sionistas queriam minha morte, mas Deus me deu vida para continuar defendendo uma Palestina livre. Agora, estou mais perto da terra que luto para libertar.”
Mesmo em cadeira de rodas, Shak’a continuou a liderar a oposição aos planos israelenses de criar “ligas de vilas” colaboracionistas. Em 1982, “Israel” dissolveu seu governo municipal — medida repetida em outras cidades palestinas dezenas de vezes.
Na época e até o fim, Shak’a foi um crítico ferrenho dos Acordos de Oslo (1993), caracterizando-o como foi de fato: uma traição à causa palestina. Em 1999, assinou um manifesto com outros intelectuais contra a “corrupção na Autoridade Palestina (AP)” e a rendição negociada. Por sua postura contra ao capachismo vigente na Autoridade Palestina do momento, a AP colocou-o em prisão domiciliar — ordem que ele desafiou percorrendo as ruas de Nablus em seu carro. Em entrevista ao jornal Al-Quds Al-Arabi (2017), manteve sua defesa pessoal de que Fatá e Hamas deveriam se unificar.
Shak’a morreu em 22 de julho de 2019. Seu funeral na Mesquita Hanbali atraiu multidões, a Universidade An-Najá realizou um memorial em novembro daquele ano, com presença de palestinos até do Golã ocupado, e, a partir daí, tornou-se um ícone da resiliência palestina, comparado a figuras como Ghassan Kanafani. Seu caso contra a deportação marcou a luta legal palestina nos tribunais israelenses e Shak’a manteve-se independente até o fim, desafiando tanto a ocupação nazista quanto a escumalha traidora da AP. Até hoje, a praça central de Nablus recebe seu nome, assim como uma das principais ruas de Ramalá.





