Neste domingo (30), centenas de pessoas compareceram ao auditório da Biblioteca da Casa de Portugal, localizado no bairro da Liberdade, no centro da cidade de São Paulo, para homenagear a inigualável Natália Pimenta, dirigente de grande capacidade do Partido da Causa Operária (PCO) e vice-presidente do Instituto Brasil-Palestina (Ibraspal). O Ato In Memoriam, convocado pelo Partido ao qual Natália dedicou quase três décadas de sua vida, teve início por volta das 11h, em meio a uma grande comoção.
Conduzido por Henrique Áreas, integrante do Comitê Central Nacional (CCN) do PCO e amigo pessoal de Natália, com quem dividiu a mesma casa durante anos, o evento teve início com um informe: as bandeiras colocadas sobre o corpo de Natália após a sua morte — da Palestina, do Brasil e do PCO — estavam à mostra na entrada do salão para que as pessoas pudessem deixar sua mensagem para a militante revolucionária. Áreas, então, leu uma carta escrita por Ricardo Jones, médico obstetra filiado ao PCO, hoje preso como resultado da perseguição de uma das maiores máfias da medicina — a indústria da cesariana.
Enquanto lutava contra a leucemia, Natália Pimenta demonstrou grande interesse pelo caso de Jones, estimulando os seus companheiros a empreenderem uma ampla campanha em sua defesa. Na carta, o obstetra, defensor do parto humanizado, presta sua solidariedade ao presidente do PCO, Rui Pimenta, pai de Natália.
Após a leitura da carta de Jones, foi a vez de Izadora Dias, coordenadora do Coletivo de Mulheres Rosa Luxemburgo e também amiga de Natália, realizar sua homenagem.
Izadora iniciou sua fala reconhecendo que a perda não atinge apenas aqueles que conviviam de maneira mais próxima com Natália. “É uma dor para todos que conviveram pouco ou muito com ela”, afirmou, destacando que mesmo relações breves deixavam impressões duradouras pela postura militante, pelo cuidado e pela conduta que Natália expressava no cotidiano partidário.
Logo no início de sua intervenção, Izadora mencionou o texto escolhido pela Direção do PCO para a homenagem: o testamento de Leon Trótski, de 27 de fevereiro de 1940, lido momentos antes no ato. Segundo ela, o escrito expressa de forma extraordinária o espírito de firmeza revolucionária que caracterizava Natália, e que teria inspirado a própria dirigente. Ao citar trechos do documento do dirigente bolchevique, Izadora apontou a ligação entre o compromisso histórico do movimento operário e o tipo de militância defendido por Natália durante quase três décadas de atuação.
“Eu entrei no partido há mais ou menos sete anos. Logo depois, comecei a atuar junto com a Natália, na Secretaria de Organização. Praticamente tudo que aprendi ligado ao trabalho prático, aprendi com ela”, afirmou. Ela também destacou a paciência e a preocupação de Natália em transmitir orientações, qualidades que, segundo ela, tornavam o aprendizado seguro e sólido. “Foi um privilégio poder iniciar a minha militância revolucionária sob a orientação direta dela”.
Ao abordar as tarefas organizativas, relatou que Natália sempre focava “nas soluções dos problemas”, transmitindo a experiência acumulada desde muito jovem, quando já organizava o partido em condições muito mais difíceis do que as atuais. O trabalho cotidiano acabou por desenvolver também uma relação de forte amizade. Sem família em São Paulo, Izadora lembrou que Natália a acolheu “como uma irmã mais velha”, oferecendo apoio tanto na vida partidária quanto em momentos pessoais.
Izadora recordou também o gosto de Natália pela arte e pelo convívio coletivo: “ela gostava muito de reunir as pessoas, aproveitar os bons filmes que sempre indicava para que os amigos estivessem próximos”.
A militante descreveu ainda o período de cinco meses de internação da dirigente, enfatizando a força de Natália mesmo diante de um quadro de saúde extremamente difícil. Relatou que, apesar do sofrimento, era a própria Natália quem transmitia ânimo aos que a acompanhavam. “Ela me fazia ficar bem. Não tinha outra alternativa a não ser enfrentar com ela da melhor maneira possível”, disse.
Com a notícia do falecimento, Izadora expressou a dimensão pessoal da perda: “nunca perdi alguém próximo assim, alguém que eu amo tanto. A Natália é uma das pessoas que eu mais amo em minha vida”. Contou que, diante da dor, cogitou que permanecer triste seria uma forma de homenagem, mas concluiu que Natália certamente rejeitaria essa ideia. “O melhor jeito de honrar aqueles e aquilo que amamos é vivendo e sendo útil […] Por ela, e pelo partido, honrarei com trabalho, com determinação e, sim, com alegria”, disse.
Na parte final da intervenção, Izadora anunciou que o clube de leitura organizado por Natália, atividade mensal realizada há cerca de três anos, passará a se chamar Clube de Leitura Natália Pimenta. A mudança, explicou, expressa o apreço profundo da dirigente pelos livros, pela literatura e pelo convívio coletivo.
A intervenção foi encerrada com a apresentação de um vídeo preparado em memória da dirigente, com fotos das atividades do clube de leitura e do anúncio oficial do novo nome.
À fala de Izadora, seguiu-se o discurso de João Pimenta, irmão da dirigente falecida e membro da Direção Nacional do PCO. Ele afirmou logo no início que “a doença é mais a arma do crime do que o culpado”, situando o caso como expressão da “decadência total da sociedade capitalista” e da dominação do grande capital sobre o Estado. Segundo ele, a história da irmã “confirma na prática” a posição defendida pelo PCO contra a existência da saúde privada.
Ao se dirigir aos presentes, João Jorge explicou que pretendia relatar “o calvário que foram os últimos meses” de Natália. Ele lembrou que o diagnóstico de leucemia e câncer foi acompanhado, desde o início, por uma postura de desistência estimulada pelas equipes médicas.
“Durante dez meses, ela lutou contra a doença, mas também contra o domínio do capital, a expropriação capitalista e o controle deles sobre o Estado”, afirmou. Ao descrever a trajetória, destacou que essa luta não se deu apenas no plano clínico, mas também “contra a burocracia judiciária, contra a burocracia estatal e contra a máquina cruel e assassina da saúde privada”.
Para o dirigente, o conjunto da experiência reforça o programa defendido pelo partido:
“O nosso partido sempre advogou que não poderia existir uma coisa como a saúde privada. A história de vida dela provou que essa posição é absolutamente correta.”
João Jorge relatou que, assim que houve a confirmação do diagnóstico, os médicos classificaram a enfermidade como “terminal” e passaram a pressionar Natália e a família a desistir de qualquer tentativa de tratamento prolongado.
“Começaram a pressionar tanto ela quanto nós a desistir. Basicamente, queriam que a pessoa em vida fizesse as pazes com a morte”, contou. Ele afirmou ter ficado “profundamente espantado” com a situação e questionado qual seria a vantagem de antecipar essa desistência, lembrando que Natália tinha dois filhos pequenos e um amplo círculo de companheiros que seriam diretamente impactados por cada dia a mais de convivência.
O dirigente descreveu reuniões em que equipes médicas apresentavam essa política como um “tratamento humanizado”, apoiado em uma “psicologia barata”. Segundo ele, toda essa concepção tinha um objetivo bastante concreto: “ela serve para uma única coisa: economizar o dinheiro das empresas privadas e do Estado”.
Em uma dessas reuniões, ele foi informado de que a família deveria desistir do tratamento para garantir a Natália uma suposta “morte digna”. Ele contrapôs essa formulação resgatando uma resposta de Rui Costa Pimenta:
“Não há dignidade na morte. A dignidade está na vida, naquilo que você fez. E se há uma coisa profundamente revolucionária, é lutar até as últimas consequências, até o último segundo, para dar a sua contribuição ao progresso humano.”
João Jorge relacionou a resistência de Natália à concepção materialista defendida pelo PCO. “Nós, como ateus, defensores do materialismo dialético, não acreditamos em vida após a morte”, afirmou. Para ele, a questão central é que “a humanidade continua depois de você, isso é evidente, e o seu último ato marca, em algum grau, o resto da humanidade e, sobretudo, as pessoas à sua volta”.
A partir desse ponto de vista, explicou que a decisão de seguir lutando até o fim não tem um caráter apenas individual:
“Essa luta dura que ela travou deve servir de exemplo. Você não tem como saber se vai conseguir evitar dar a sua vida, mas a sua consciência e as suas convicções não podem ser entregues.”
Ao tratar da fase final do tratamento, João Jorge relatou que os prognósticos médicos davam prazos sucessivos e cada vez mais curtos de sobrevida. “Falaram em sete, doze, quinze dias. E em todas as vezes ela derrotou as estatísticas”, disse.
Natália permaneceu meses na UTI, ligada a respiradores, superando todos os prazos estabelecidos como “impossíveis” pela equipe médica. O dirigente descreveu esse período como um “bombardeio permanente” sobre a paciente, tanto do ponto de vista físico quanto psicológico, com a insistência para que aceitasse a interrupção dos procedimentos.
Apesar disso, ela manteve a disposição de seguir lutando: “cada vez que diziam que não ia dar tempo, ela continuava. E nós continuamos com ela”.
O dirigente também elencou obstáculos concretos enfrentados durante os dez meses de tratamento. Segundo ele, a família e os companheiros tiveram de lidar com atrasos na liberação de medicamentos pelos convênios privados, “erros crassos” de equipes médicas e, por fim, um “bloqueio absoluto” do Estado na liberação de um remédio considerado essencial pelos médicos para aquela etapa da doença.
“Nós sofremos com atrasos, sofremos com erros grosseiros, tudo isso terá de ser detalhado depois. E sofremos, finalmente, com o bloqueio do Estado em fornecer um medicamento que ela precisava em caráter de urgência”, relatou.
Ele fez questão de registrar o papel dos militantes na tentativa de garantir condições mínimas para que o tratamento pudesse prosseguir. Agradeceu nominalmente companheiros que atuaram na organização de recursos e no enfrentamento da burocracia, ressaltando que essa solidariedade foi decisiva para “manter o mínimo de humanidade” em meio ao processo.
A parte mais dura do relato foi dedicada à decisão judicial que negou o fornecimento do medicamento pedido em caráter emergencial. João Jorge explicou que, após ingressar com ação judicial, a Natália aguardou 26 dias até que fosse expedida uma ordem de pagamento — até que falecesse.
A decisão, da juíza de primeira instância Anita Villani, foi descrita como o momento em que ficou mais claro “o que estava em jogo” na disputa. De acordo com o dirigente, a magistrada afirmou, em sua decisão, que não havia evidências científicas suficientes da eficácia do medicamento, colocando-se como avaliadora técnica do tratamento.
Em seguida, prosseguiu João Jorge, a juíza passou a tratar da questão do custo do remédio:
“Logo depois de negar o pedido, ela escreveu que era importante pensar na sustentabilidade financeira do Sistema Único de Saúde.”
O dirigente tirou consequências políticas diretas dessa formulação:
“Se a sustentabilidade financeira do SUS depende de matar pacientes, então algo muito errado está acontecendo com o Sistema Único de Saúde.”
Ele destacou que, ao negar o fornecimento, a decisão acabou por atribuir um valor monetário à vida de Natália: “um milhão, dois milhões de reais, esse foi o valor que ela fixou para não fornecer um medicamento essencial”.
João Jorge relatou ainda a conversa com advogados que atuam na mesma vara federal em que o processo de Natália tramitou. Segundo esses profissionais, a negativa ao pedido não foi um fato isolado.
“Eles me informaram que aquela vara, virou uma espécie de câmara de gás: ninguém ganha. Só na última semana, foram 68 pedidos semelhantes ao nosso, todos negados.”
De acordo com o dirigente, esse número expressa a política aplicada de maneira sistemática em favor do capital financeiro: “porque, no fim das contas, os banqueiros, os grandes capitalistas, precisam ter o dinheiro deles, doa a quem doer.”
Mesmo submetida a um tratamento prolongado e doloroso, Natália manteve o interesse pela política internacional e pela situação da Palestina. João Jorge lembrou uma visita em que um companheiro a aconselhou a não acompanhar as notícias naquele momento, por considerá-las “tristes demais”.
“Ela ignorou olimpicamente o conselho e quis saber como estava a situação na Palestina, a resistência, tudo isso”, relatou, lembrando que a companheira era uma das vozes mais firmes do partido em defesa do povo palestino.
Para sintetizar o sentido dessa postura, João Jorge comparou a atitude da irmã com a dos dirigentes da resistência que enfrentam perseguições e prisões:
“Cada um no seu campo de batalha. Ela teve o dela, que representa o conjunto da vida dela. E, à maneira dela, fez como faz Iahia Sinuar: lutou até o último segundo possível e imaginável.”
Ao final, o dirigente afirmou que o martírio de Natália recoloca, em termos concretos, o programa levantado pelo PCO para a saúde e para a luta contra o domínio dos bancos sobre o Estado. A experiência, segundo ele, mostra que não se trata de um problema individual, mas de uma política voltada a preservar os interesses do capital financeiro às custas da vida da população.
Encerrando sua fala, João Jorge resumiu o legado da militante:
“Foi um prazer imenso ter tido uma irmã como ela e uma companheira de partido como ela. Tenho certeza de que a memória e o trabalho da minha irmã vivem na revolução proletária.”
Um dos dirigentes mais antigos do Partido da Causa Operária (PCO) em atividade, Antônio Carlos Silva falou após o irmão de Natália. Ele destacou que a homenagem não deveria ser marcada por lamentação, mas pela celebração da trajetória de uma militante cuja vida se confunde com o próprio desenvolvimento do partido:
“Para honrar a vida da companheira Natália, este deve ser um momento de celebração, um momento de alegria pela trajetória que ela deixou.”
O dirigente estabeleceu uma comparação entre tradições revolucionárias internacionais e o impacto do falecimento de Natália para o Partido:
“Os companheiros palestinos, muçulmanos, nos ensinam a transformar a morte de seus líderes em ferramenta de fortalecimento da luta. O martírio da companheira Natália tem que ser, para nós, um cimento dessa ferramenta fundamental da luta da classe operária.”
Um dos pontos centrais da intervenção foi a defesa da imprensa revolucionária — na qual Natália teve uma atuação decisiva.
Antônio Carlos lembrou que, ainda adolescente, ela organizou o grupo que fundaria, anos depois, em 2003, o primeiro jornal diário na Internet da esquerda brasileira, o Diário Causa Operária:
“Não tem nada a ver com a imprensa capitalista e não tem nada a ver com o abandono que a esquerda fez da luta por informar os trabalhadores. A companheira Natália foi decisiva para construir uma imprensa que não serve de emprego para ninguém, mas que leva a verdade para a população.”
O dirigente também ressaltou o esforço da militante na manutenção e expansão do jornal Causa Operária:
“Convido todos a adquirir e divulgar a nossa imprensa. É um aspecto fundamental da militância que a companheira sempre impulsionou.”
Outro eixo destacado foi o papel organizador desempenhado pela militante em meio ao aprofundamento da política parlamentar da esquerda pequeno-burguesa.
Antônio Carlos afirmou que Natália sempre refutou com qualquer perspectiva de ascensão pessoal na política:
“Quando muita gente foi educada a achar que militância é subir na vida, virar deputado, diretor, puxar saco para ganhar bolsa, a companheira Natália mostrou o oposto. Seu objetivo nunca foi benefício pessoal, mas construir uma ferramenta de luta da classe operária.”
O dirigente apontou ainda o papel destacado de Natália nas polêmicas do partido contra a política de conciliação da esquerda nos últimos anos:
“Ela foi uma excelente polemista. Procurou, de maneira coletiva, apontar claramente a política vacilante que predominou na esquerda, que transformou a luta das mulheres e da juventude em plataforma eleitoral.”
Antônio Carlos ressaltou que Natália teve papel determinante na organização do Coletivo de Mulheres Rosa Luxemburgo, sempre sob a perspectiva da luta conjunta das mulheres e da classe operária pela transformação social:
“Ela mostrou o caráter reacionário da política que tenta colocar mulheres contra homens e desviar a luta de seu objetivo maior.”
A intervenção também resgatou a atuação internacionalista de Natália — que, segundo ele, foi fundamental para consolidar o PCO como partido da defesa das lutas dos povos oprimidos em escala mundial.
Antônio Carlos lembrou a participação de Natália na delegação do PCO que se encontrou com o Hamas:
“Desde o primeiro momento, ela defendeu a resistência palestina, a luta de armas na mão, como única forma de derrotar o Estado sionista.”
O dirigente concluiu sublinhando que a vida e a militância de Natália já se tornaram referência para todas as gerações do partido:
“Ninguém no Brasil, nenhum partido, tem algo parecido com a companheira Natália Pimenta. É um motivo de orgulho para todos nós que militamos com ela. Todo o trabalho que vemos aqui — companheiros do Rio de Janeiro, do Nordeste, do Mato Grosso do Sul — é, em boa medida, resultado do impulso decisivo de sua militância.”
E finalizou com um chamado à continuidade da obra política deixada pela dirigente:
“Temos que continuar essa obra. A melhor maneira de reverenciar sua memória é fortalecer o partido da revolução, o partido do socialismo, o partido de Natália Pimenta, o Partido da Causa Operária.”
Após a homenagem de Antônio Carlos, foi a vez do presidente do Instituto Brasil-Palestina (Ibraspal), Ahmed Shehada, ressaltou a importância política da militante e seu papel central na luta internacionalista. Em sua intervenção, Shehada afirmou que a homenagem não se tratava apenas de lamentar a perda, mas de destacar a vida de “uma mulher guerreira e nobre”, cuja atuação marcou profundamente a militância brasileira e a solidariedade ao povo palestino.
Segundo o dirigente, Natália iniciou sua militância ainda adolescente e, desde então, compreendeu que “o mundo precisava ser transformado” e que era necessário dedicar a vida a essa tarefa. Shehada lembrou que ela atuou como dirigente do Partido da Causa Operária, coordenadora de diversas frentes de trabalho e vice-presidente do Ibraspal, sempre com a mesma orientação: a luta coletiva acima dos interesses individuais.
Ao destacar a convicção política da dirigente, Shehada afirmou que Natália era “uma força, uma energia política com um horizonte amplo”, responsável por transmitir confiança e firmeza aos militantes e aliados. Ele sublinhou que sua atuação em defesa da Palestina ocorreu de maneira ininterrupta, mesmo nos momentos mais difíceis de sua vida pessoal. “Natália não foi definida pela doença, e sim pela coragem, pela luta, pela generosidade, pela lucidez política e pela capacidade de fazer as pessoas acreditarem novamente no poder de organização”, afirmou.
O presidente do Ibraspal relatou que, ao longo dos dez meses em que enfrentou a doença, Natália manteve preocupação constante com a situação em Gaza e com a ofensiva promovida por “Israel”. Shehada disse ter presenciado inúmeras visitas em que, apesar das dificuldades, ela buscava informações sobre os acontecimentos e sobre as iniciativas de solidariedade. Ele lembrou que, mesmo em outubro, ao ser perguntada sobre sua própria condição, Natália respondeu que isso poderia “ficar para depois”, pois queria acompanhar “tudo o que estava acontecendo” no Oriente Médio.
Para Shehada, o compromisso da militante com a causa palestina expressava um princípio fundamental: “a luta é maior que nós, mas somos nós que damos vida à luta”. O dirigente acrescentou que Natália se manteve leal, firme e atenta ao avanço da solidariedade internacionalista, representando um elo importante entre o movimento palestino e a esquerda brasileira.
Encerrando sua fala, Shehada afirmou que honrar Natália significa assumir a continuidade do combate revolucionário: “honrar a Natália não é apenas recordar o passado, é assumir um compromisso com o futuro”, disse. Ele prestou condolências à família e concluiu declarando: “os lutadores não morrem. Viva, Natália!”
Por fim, no momento mais aguardado da noite, Rui Costa Pimenta, presidente nacional do PCO e pai de Natália, fez uma longa intervenção em que destacou a dimensão política, intelectual e humana da dirigente, falecida no dia 22 de novembro após o Estado brasileiro ter negado, por quase dois meses, o acesso a um medicamento essencial. Pimenta abriu sua fala afirmando que “a Natália merece muito essa homenagem”, ressaltando que poucas palavras seriam insuficientes diante de uma trajetória tão extensa e profunda.
Logo no início, recordou a excepcional capacidade intelectual da companheira: “A Natália tinha uma qualidade de inteligência que não é fácil de definir”, observou. “Ela tinha suas próprias ideias dentro de uma formação marxista que ela assimilou profundamente”, explicou. Rui enfatizou que, ao contrário da calúnia absurda de que os militantes seriam “teleguiados”, Natália era exatamente o oposto: uma militante de altíssimo nível teórico, capaz de conduzir discussões complexas com grande profundidade.
Ao tratar do papel político de Natália, Rui destacou que ela tinha “uma capacidade de organização nata”, reunindo pessoas em torno de si “pela pura capacidade de compreensão”, sem jamais recorrer à truculência. Relatou que, ainda muito jovem — entre 13 e 15 anos — liderou um pequeno grupo de militantes que daria origem ao Diário Causa Operária. O dirigente relembrou que, em meados da década de 1980, período marcado pelo auge do neoliberalismo e grande dificuldade organizativa para o partido, Natália reuniu jovens militantes e assumiu a tarefa pioneira de explorar a então emergente internet para viabilizar a produção de um jornal diário.
“Imaginem vocês uma pessoa capaz, com 15 anos de idade, de criar um jornal diário na internet, uma tarefa extremamente complexa”, afirmou. Foi no contexto da Revolução Boliviana que o grupo, liderado pela companheira, passou de uma matéria por dia para várias, acompanhando intensamente os acontecimentos internacionais. “A partir dali surgiu o Diário Causa Operária, que até hoje é o único jornal diário da esquerda na internet”, explicou.
Pimenta observou que o Partido não cultiva a cultura de elogios pessoais, motivo pelo qual Natália jamais havia sido formalmente homenageada. “Mas agora é o momento da homenagem”, completou, defendendo que seu exemplo seja conhecido e utilizado para orientar novas gerações de militantes.
Um dos pontos centrais da intervenção foi a denúncia política sobre a morte da companheira. Rui foi categórico: “Isso aqui não foi uma morte comum, isso aqui foi um assassinato”. Segundo ele, Natália foi vítima de um crime cometido pela burocracia estatal, que negou sistematicamente o acesso ao medicamento prescrito pelos médicos. “A privação de atendimento é assassinato”, afirmou.
O dirigente explicou que o remédio era testado, com eficácia comprovada, e que o Partido passou quase 50 dias tentando obtê-lo. “Eles colocaram o remédio num grupo de licitação. Só existe uma única empresa que fabrica esse remédio. Licitação para quê? Para perder tempo”, denunciou, lembrando que uma pessoa em tratamento contra o câncer vive entre a vida e a morte.
Rui relatou que diversas figuras, especialmente parlamentares do PT, se mobilizaram para tentar romper a muralha burocrática — entre eles, a deputada Isabel Noronha, o deputado Jilmar Tatto, o deputado Lindbergh Farias e a ministra Gleisi Hoffmann. O presidente do PCO fez questão de reconhecer esses esforços: “nós não somos ingratos. Sempre reconhecemos quem nos ajudou”.
Ao mesmo tempo, apontou responsabilidades: “nós vamos responsabilizar o Ministério da Saúde pelo que aconteceu. Não é um problema de partido, é um problema do sistema”. O dirigente afirmou que o Partido já prepara medidas jurídicas e que será feita uma investigação completa.
Pimenta argumentou que a luta pelo caso de Natália integra a defesa de toda a população diante de um sistema controlado por “vampiros financeiros internacionais”. Ele denunciou a infiltração desses interesses no Ministério da Saúde e a atuação do Judiciário, que, segundo ele, negou 78 pedidos de medicamentos em apenas uma semana. “O povo brasileiro é tratado como lixo por essa gente”, afirmou.
“Se nós, PCO, não temos condição de defender os nossos, não vamos defender ninguém”, disse, ressaltando que a campanha será ampla, envolvendo denúncias, relatos de outros casos e mobilização política. Defendeu ainda um projeto de lei simples e direto: se o médico prescreveu e o remédio existe, o Estado tem obrigação de fornecê-lo, sem burocracia.
Ao abordar a situação nacional, o dirigente fez um alerta: “caminhamos para tempos piores”. Segundo ele, a burguesia busca impor um governo alinhado aos interesses dos bancos, citando Tarcísio de Freitas como o principal nome hoje. “Se ele for presidente, vai arrasar o país”, afirmou.
Pimenta destacou que a luta contra o regime capitalista, contra o sucateamento da saúde e contra o poder dos monopólios financeiros é uma questão de vida ou morte para o povo. E defendeu que o caso de Natália será transformado em arma para o esclarecimento e a mobilização: “nós vamos usar o caso dela para defender milhões de brasileiros que estão sofrendo”.
O presidente do PCO encerrou lembrando o envolvimento profundo de Natália com a causa palestina. Agradeceu a nota enviada pelo Dr. Bassem Naim, dirigente do Hamas, dirigida ao partido, e lembrou que, mesmo hospitalizada, debilitada e sem cabelo, a companheira se preocupava com Gaza: “ela me disse no hospital: ‘eu não aguento ver o que está acontecendo lá’”.
Pimenta comparou a morte de Natália aos mártires palestinos: “para nós, a Natália é como um desses mártires da luta do povo palestino”.
Encerrando sua fala, afirmou que a vida da dirigente continuará como parte integrante do programa do Partido: “ela saiu da vida para entrar na história. Ela agora é parte da luta geral do PCO”.
O ato encerrou com a execução do hino A Internacional.





