Em artigo intitulado O caso Nikolas e os limites da imunidade parlamentar, o jurista e colunista do portal de esquerda Brasil 247 Jorge Folena defende, como indica o título, um ataque aos direitos políticos de toda a população brasileira, sob a forma de um limite à imunidade parlamentar que se levada a termo, implicará na sua erradicação. Segundo o jurista, “a finalidade deste texto é analisar a jurisprudência do STF relativa aos casos de abusos praticados por parlamentares, no emprego da sua liberdade de expressão, diante do instituto da imunidade parlamentar“, ou seja, não será exatamente uma tese defendida à luz da norma constitucional, mas atenta às loucuras tiradas das cabeças de burocratas corruptos e com interesses definidos a defender. Diz Folena:
“Digo isto porque quem mente, desinforma e distorce a realidade não pode ficar impune. No Brasil, de acordo com a Constituição e segundo a interpretação dada pelo STF, tem imperado o binômio ‘liberdade com responsabilidade’ na apuração dessas questões.”
A partir desse parágrafo, podemos dizer que o autor tem como ponto de partida uma premissa absolutamente errada. Não há nada minimamente parecido com “binômio ‘liberdade com responsabilidade'” na Constituição, que por sinal, só reconhece um único limite à liberdade de expressão: o anonimato. Isso dito, se por um lado a Carta desmente Folena em seu malabarismo para criminalizar determinadas propagandas políticas, por outro, a mesma Constituição tem um artigo, de número 60, conhecido como “cláusulas pétreas” em que diz expressamente:
“§ 4º Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir:
(…) IV – os direitos e garantias individuais.”
Ora, sendo a liberdade de expressão um dos direitos individuais consagrados pelo texto constitucional, temos que concretamente, “liberdade com responsabilidade” é em si um crime, um ataque ao regime constitucional cometido por uma casta de burocratas com carta branca para tal, o que não quer dizer que estejam certos, apenas que têm força para tal. Folena, porém, continua:
“Ocorre que deputados e senadores de viés fascista têm divulgado inverdades ou empregado meios ardilosos para desinformar e impor o pânico no meio da sociedade, e o fazem na crença de estarem protegidos pela cláusula da imunidade parlamentar, que, em tese, os deixariam isentos de responsabilidades civil ou criminal.
Efetivamente, a Constituição prevê em seu artigo 53 que ‘os deputados e senadores são invioláveis, civil e penalmente, por quaisquer de suas opiniões, palavras e votos.’ Contudo, em diversas situações, a jurisprudência do STF tem afirmado que a imunidade parlamentar somente é alcançada nos casos de ‘nexo de vinculação recíproca com a função parlamentar’ (Pet 6.156, Inq. 2.874, RE 600.063).”
Ao afirmar que “deputados e senadores de viés fascista” se valem da imunidade parlamentar para propagar mentiras e impor pânico à sociedade, Folena não está apenas distorcendo o conceito de liberdade de expressão – ele está defendendo a perseguição de opiniões políticas. A mentira na política não é uma novidade, nem é um fenômeno restrito a um único espectro ideológico.
Governantes e parlamentares de todas as vertentes já mentiram e continuarão mentindo, assim como políticos da direita tradicional. Acaso estavam falando a verdade os tucanos que acusaram Dilma Rousseff de “pedalada fiscal”, seja lá o que for isso concretamente? Está certo o Estado de S. Paulo, Folha e O Globo em dizer que Lula comete fake news ao falar que o golpe de 2016 foi um golpe de Estado? Claro que não. Nem a direita centrista e nem os órgãos do “PIG” (Partido da Imprensa Golpista), no entanto, são lembrados pelo autor, mesmo sendo mentirosos muito piores do que os bolsonaristas, o que não deixa dúvida quanto ao teor político da colocação de Folena.
O que o autor propõe, não é uma crítica genérica à mentira ou à desinformação, mas um ataque seletivo e direcionado contra parlamentares, no caso, os que ele mesmo rotula como “fascistas”, buscando privá-los das proteções que a Constituição lhes confere. Em outras palavras, o que ele defende não é um combate à mentira, mas a supressão de um grupo específico de políticos e de suas ideias, algo incompatível com qualquer noção de Estado de Direito e que tem uma fortíssima propensão a se voltar contra a esquerda.
Mais grave ainda é a forma como Folena tenta legitimar sua proposta, invocando a “jurisprudência do STF” como se esta tivesse o poder de reescrever a Constituição. O artigo 53 da Carta Magna é claro e objetivo: “Os deputados e senadores são invioláveis, civil e penalmente, por quaisquer de suas opiniões, palavras e votos“. Esse dispositivo não admite a interpretação arbitrária que os ministros do STF resolveram impor para restringir seu alcance.
O que temos aqui não é apenas um desrespeito ao texto constitucional, mas a consumação de um crime dos ministros do STF, que rasgaram a Constituição por puro capricho ideológico e para atender interesses escusos. A Constituição é a principal fonte do direito no Brasil, e qualquer decisão que contrarie sua letra expressa sem a devida alteração pelo Congresso Nacional não é direito, mas arbítrio.
A tal “jurisprudência” citada por Folena nada mais é do que um acúmulo de decisões de um grupo de indivíduos que, dá própria cabeça e sem qualquer legitimidade para tanto, decidiram ignorar o artigo 53 e impor suas vontades políticas sobre a ordem jurídica do país. Trata-se de um golpe contra o regime constitucional, cometido com a desculpa esfarrapada de “proteger a sociedade” daquilo que os ministros consideram inaceitável. Tudo com o apoio de Folena, como se vê.
O tribunal, porém, não tem o poder de simplesmente redesenhar a Constituição para acomodar sua visão de mundo. O que Folena defende, portanto, é a legalização do verdadeiro fascismo, apesar do que diz abaixo:
“Por isso, ressalto que nossa maior luta no país, atualmente, é contra o fascismo, presente em vários setores da sociedade e amplamente alimentado pela mídia tradicional, a serviço da classe dominante financista e neoliberal.”
Tudo muito bem dito, mas pelos posicionamentos demonstrados pelo autor, por sua subserviência às posições da “mídia tradicional, a serviço da classe dominante financista”, que são denunciados pelo autor de maneira meramente declaratória. Curiosamente, esse apreço todo por repressão e ataque aos direitos democráticos acontece nas semanas em que a esquerda nacional se regojiza com o filme “Ainda Estou Aqui”, retratando uma pequena e muito superficial consequência desse tipo de política defendida por Folena.
Se a esquerda não quer repetir os anos tenebrosos da Ditadura Militar, deve enfrentar posições como as defendidas pelo autor e reafirmar a defesa dos direitos democráticos, que se não forem para todos, não é direito, mas privilégio. O que Folena defende, na prática, é o que os militares fizeram com especial violência no AI-5, o que deve ser sempre denunciado e combatido pelos setores da esquerda que não se deixaram levar pelo desespero.