As‘ad al-Shuqairi, nascido em 1860 na cidade de Acre, na Palestina, foi uma das personalidades mais influentes de sua época, desempenhando papéis significativos no cenário político, religioso e intelectual do mundo árabe-otomano e, posteriormente, na conjuntura palestina. Sua trajetória conversa com a trajetória de um período marcado por transformações profundas, como o declínio do Império Otomano, o surgimento de movimentos nacionalistas árabes e a crescente influência colonial do imperialismo europeu e norte-americano na região.
Filho de Tawfiq al-Shuqairi, As‘ad recebeu sua educação inicial em Acre, cidade que, na época, era um importante centro cultural e religioso. Em 1875, mudou-se para o Cairo, onde ingressou na prestigiada Universidade de al-Azhar, um dos principais centros de ensino islâmico do mundo. Durante seus estudos, ele frequentou as aulas de Jamal al-Din al-Afghani, um dos precursores do reformismo islâmico, e de Mohammad Abdo, seu sucessor. Essas influências moldaram seu pensamento, levando-o a adotar uma visão que combinava tradição religiosa com a necessidade de reformas modernizantes.
Após concluir seus estudos, Shuqairi retornou a Acre e ingressou no sistema judiciário otomano, sendo nomeado juiz na corte sharia de Shafa Amr, na Galileia Ocidental. Sua carreira na magistratura o levou a diversas cidades do Império Otomano, incluindo Latakiya, na Síria, onde serviu como juiz investigativo em 1904. No ano seguinte, mudou-se para Istambul, onde foi apresentado ao xeque sufi Abu al-Huda al-Sayyadi, uma figura influente na corte do sultão Abdul Hamid II. Graças a essa conexão, Shuqairi foi nomeado bibliotecário na biblioteca do sultão, um cargo que lhe permitiu aprofundar seus conhecimentos literários e religiosos.
Shuqairi foi um defensor ferrenho da unidade do Império Otomano e do conceito de jamiʿa islamiyya (Pan-Islã), ideia promovida por seu mentor, Jamal al-Din al-Afghani. Essa postura o colocou em rota de colisão com os movimentos nacionalistas árabes que pregavam a descentralização do império e a autonomia das províncias árabes. Ele se opôs veementemente ao Primeiro Congresso Nacional Árabe, realizado em Paris em 1913, e manteve-se leal ao governo otomano mesmo durante a Primeira Guerra Mundial.
Durante a guerra, Shuqairi foi nomeado mufti do Quarto Exército Otomano, servindo sob o comando de Ahmad Jemal Pasha, governador militar da região do Levante. Sua proximidade com Jemal Pasha o levou a ser acusado de cumplicidade na execução de nacionalistas árabes em 1915 e 1916, embora ele tenha negado qualquer envolvimento e recebido o apoio de estudiosos religiosos que atestaram sua inocência.
Com o fim da Primeira Guerra Mundial e a dissolução do Império Otomano, Shuqairi refugiou-se em Adana, na Turquia, onde sua esposa turca e sua família residiam. Após alguns meses, ele decidiu retornar à Palestina, mas foi preso pelas autoridades britânicas devido às suas conexões com funcionários turcos. Detido por 14 meses no campo de prisioneiros de Abu Qir, no Egito, ele foi libertado em 1921 e retornou a Acre, onde permaneceu sob vigilância das forças de segurança britânicas.
Apesar da queda do Império Otomano, Shuqairi manteve sua oposição ao pan-arabismo e cultivou relações cordiais com Mustafa Kemal Ataturk, fundador da República da Turquia. Ataturk teria presenteado Shuqairi com várias caixas de livros árabes raros, refletindo o respeito mútuo entre os dois.
Na década de 1920, Shuqairi emergiu como uma figura central na oposição a Mohammad Amin al-Husseini, o grande mufti de Jerusalém e líder do movimento nacional palestino. Ele se aliou a outros opositores, como Suleiman al-Taji al-Faruqi, e participou da fundação do Partido Nacional Árabe em 1923, embora o partido tenha tido vida curta. Sua oposição a al-Husseini o levou a estabelecer contatos com políticos sionistas, incluindo Frederick Kisch, chefe do departamento político da Organização Sionista.
Shuqairi também participou ativamente de conferências e eventos políticos, como a Conferência da Nação Islâmica Palestina, realizada em Jerusalém em dezembro de 1931, e a conferência de fundação do Partido de Defesa Nacional, em 1934. No entanto, ele nunca se filiou formalmente a nenhum partido, mantendo-se como uma figura independente e influente.
Shuqairi teve três filhos (Anwar, Abd al-Afu e Ahmad) e três filhas. Seu filho mais novo, Ahmad, tornou-se uma figura proeminente na política palestina, desempenhando um papel fundamental na fundação da Organização para a Libertação da Palestina (OLP). A morte de seu filho Anwar, assassinado em 1939 durante a Grande Revolta Árabe, foi um golpe devastador para Shuqairi.
Ele faleceu em fevereiro de 1940 em Acre, onde foi enterrado no cemitério de Nabi Saleh, próximo às muralhas da cidade antiga. Ele ditou suas memórias a seu irmão, Qasim al-Shuqairi, por volta de 1936, mas o manuscrito nunca foi publicado. A biblioteca pessoal de Shuqairi, que continha documentos valiosos e obras raras, foi saqueada durante a ocupação de Acre por forças sionistas em 1948.
Sua lealdade ao Império Otomano, sua oposição ao nacionalismo árabe e seu envolvimento na política palestina o tornaram uma figura multifacetada, mas inegavelmente influente e que serve para compreender a conjuntura da época; da crescente dos ideais pan-arábicos ao início do mandato britânico, onde o imperialismo passou a ocupar a região e promover a chacina já conhecida, visando a limpeza étnica. Sua trajetória oferece pontos valiosos sobre as dinâmicas políticas, religiosas e sociais que moldaram a história da Palestina no final do século XIX e início do século XX, compreendendo que a jornada imperialista de ocupação e limpeza do local não iniciou em 2022, como dizem os canalhas, ou em 1948, como dizem os inocentes. O projeto de poder se dá do fim do século XIX.