Juca Simonard

Editor da revista Na Zona do Agrião e redator do Dossiê Causa Operária

Coluna

Arlindo Cruz: o povo brasileiro perde um poeta

A morte de um verdadeiro artista do povo

Na tarde desta sexta-feira, 8, o povo brasileiro perdeu um de seus ilustres poetas. Arlindo Cruz, 66 anos, faleceu num hospital da Zona Oeste do Rio de Janeiro. Desde 2017, quando o AVC o derrubou, ele travava uma guerra muda contra as sequelas. E, como todo guerreiro que não se rende, morreu de pé — no sentido moral.

Seu falecimento já era esperado. Mas a morte, nesse caso, não encerra: desloca. Arlindo sai do mundo dos vivos para ocupar, de vez, seu lugar na História.

Nascido em 14 de setembro de 1958, ficou conhecido como “o sambista perfeito” — título emprestado de uma de suas parcerias com Nei Lopes e que, neste ano, batizou sua biografia. Ganhou o primeiro cavaquinho aos 7 anos, aprendeu a tocar “de ouvido” e cedo encontrou nas rodas de samba o espaço natural para seu talento. Lá, ao lado de mestres como Candeia, gravou as primeiras músicas e deu início a uma trajetória que mudaria o samba.

Foi o principal responsável por introduzir o banjo no gênero e, mais do que isso, tornou-se um dos protagonistas de um período decisivo do samba. No fim dos anos 1970 e ao longo da década seguinte, o Cacique de Ramos tornou-se o grande laboratório da transformação. A “madrinha” Beth Carvalho aproximou-se do grupo que formaria o Fundo de Quintal, popularizando — com João Nogueira, Dona Ivone Lara e outros — o partido-alto, a essência do samba de rua, marcado pelo improviso e pela pulsação coletiva.

No partido-alto, cada verso era um ato de criação instantânea. A “primeira” cantada pelo coro, o improviso do poeta (a “segunda”), o batuque arrancado não só dos instrumentos tradicionais, mas de latas, pratos e palmas. Originalmente, “pagode” designava apenas as rodas de samba; a partir da década de 1980, passou a ser o nome das músicas gravadas por essa nova geração. Mais tarde, nos anos 1990, com um estilo mais meloso, o termo se distanciaria de suas raízes.

Esse movimento cultural nasceu no mesmo compasso das grandes greves operárias que ajudaram a derrubar a ditadura militar. Falava do dia a dia do trabalhador — suas lutas, amores, desilusões e até suas tragédias, muitas vezes narradas com humor — e por isso se tornou um representante vivo da mobilização popular que, nos anos 1980, fundaria o PT e a CUT. 

Também se insurgiu contra a invasão cultural estrangeira: criticou a febre da discoteca, defendeu a música do povo. Foi desse espírito que nasceu o Clube do Samba, reunindo gigantes como Martinho da Vila e Cartola em seus últimos dias.

Era, por assim dizer, a “revolução permanente” de Trótski transposta para a música brasileira: uma arte nacional conduzida pelas mãos e vozes dos trabalhadores.

Arlindo foi figura central nessa história. Quando Almir Guineto deixou o Fundo de Quintal, ele assumiu o posto e levou o banjo a novos públicos. O grupo, que fundaria o pagode moderno, também inovou com o tantã, criado por Sereno para substituir o surdo em certas formações.

Ao longo da carreira, Arlindo compôs mais de 700 sambas — e muitos estão entre os mais belos do gênero: “O Show Tem Que Continuar” (com Sombrinha e Luiz Carlos da Vila), “Meu Lugar” (com Mauro Diniz), “Bagaço da Laranja”, “Casal Sem Vergonha” (com Acyr Marques), “Tá Perdoado” e “Ainda É Tempo Pra Ser Feliz”.

Arlindo Cruz foi — e será — um artista do povo, no sentido mais profundo da palavra. E, como no refrão que nunca se cala, continuará presente onde houver um batuque, uma roda e alguém disposto a cantar. 

“O show tem que continuar”.

 

 

* A opinião dos colunistas não reflete, necessariamente, a deste Diário

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