Nesta terça-feira, dia 29, o portal progressista Brasil 247 publicou a coluna “Lula, o verdadeiro patriota, venceu mais uma vez os golpistas e entreguistas”, assinada pelo sociólogo Oliveiros Marques. O artigo busca apresentar uma não entrada em vigor das tarifas anunciadas pelo presidente dos EUA, Donald Trump, sobre o Brasil, como uma vitória do governo Lula. A artificialidade dos pontos apresentados, contudo, fica evidente no próprio artigo, que culmina numa admissão de verdadeira incapacidade de compreender o desenrolar dos acontecimentos. Inicia o sociólogo:
“Chegou o dia 1º de agosto e o tarifaço contra o Brasil, anunciado por Trump, foi adiado por alguns meses.
O presidente norte-americano, que de bobo não tem nada, recuou em sua loucura […]. Caiu na real: a estratégia era equivocada. Fora levado ao erro por assessores aloprados – sim, eles também existem nos States.”
A consideração, em primeiro lugar, de que o presidente dos EUA teria sido levado a apresentar tal medida por assessores sem qualquer pensamento sobre as condições para a implementação das mesmas o toma por um verdadeiro idiota, o que o colunista em si já descarta. Não é assim. Continuemos com as especulações do autor antes de adentrar mais nessa questão:
“Alguns dirão que o recuo se deu pela atuação da delegação de senadores brasileiros que voou a Washington e realizou encontros importantes com empresários e parlamentares norte-americanos. Que, a partir dessas conversas, as barreiras foram rompidas e o diálogo avançou.
Outros sustentarão que o sucesso veio da articulação dos setores econômicos brasileiros, em conjunto com importadores dos Estados Unidos. Em contato com a bancada republicana no Capitólio, teriam sensibilizado Trump sobre o tamanho da furada que seria manter 50% de tarifas sobre produtos brasileiros.”
Os senadores brasileiros possuem um peso real na definição da política dos EUA? Novamente, seria preciso estar no país das maravilhas para acreditar nisso, e a tese sequer é desenvolvida. Prossigamos:
“Não faltarão aqueles a atribuir o feito à condução de Geraldo Alckmin, o vice-presidente, na articulação com os diversos setores econômicos. O jeitinho de Pindamonhangaba, o convescote com o tom certo de voz, as piadas, os causos, tudo regado a um bom cafezinho de licitação, teriam sido fulcrais para o recuo dos yankees.”
Agora, o carisma do picolé de chuchu seria um fator central para a diplomacia. Outra farsa evidente, novamente abandonada pelo autor sem mais considerações. Vamos para a última e principal conjectura de Oliveiros Marques antes de comentá-las de conjunto:
“… sobretudo, penso que foi a liderança de Lula que costurou todo o processo. Ele escolheu Geraldo como interlocutor com os empresários, calibrando o tom em entrevistas, no pronunciamento em rede nacional e nos palanques. A estatura de Lula no cenário global – por mais que divirja ideologicamente de Trump – pesou. Trump percebeu que havia sido levado pela família do inelegível a uma tremenda furada, e que aqui existe uma nação soberana, liderada por um verdadeiro patriota.”
Ora, temos aqui duas alternativas. Ou a negociação de Lula, utilizando os senadores e Geraldo Alckmin, seria uma grande manobra de sucesso contra uma medida de submissão dos interesses brasileiros, o que jogaria por terra a propalada história de defesa da soberania, pois em se tratando de uma luta pela soberania nacional, não haveria negociação a se fazer, o que anula a hipótese em si mesma, ou a questão é outra.
A suposta estatura global de Lula também não se demonstra, em especial no último período. Se realizou no Brasil uma Cúpula dos BRICS sem impacto, algo quase impensável neste momento, em que a Rússia põe de joelhos o imperialismo na Europa, em que o Irã quase dissolveu o Estado de “Israel” com sua resposta militar, e em que a China atua em peso internacionalmente para o desenvolvimento produtivo em especial no sul global, se projetando no cenário mundial. O encontro não contou com as lideranças de nenhum desses países, em função da submissão do governo brasileiro aos ditames internacionais do imperialismo.
Somente esse fato, sem mencionar os inúmeros outros: o comando da Polícia Federal pelo FBI, pela CIA e pelo Mossad; a exportação de petróleo brasileiro para “Israel”; o veto à participação da Venezuela nos BRICS; a incapacidade do governo Lula de enfrentar quadros do imperialismo infiltrados pelo presidente no próprio governo, dada sua fraqueza; e muito mais — joga por terra a tese da soberania e patriotismo do governo. No máximo se realizou uma encenação contra Donald Trump.
Antes de concluirmos, com um ponto chave da questão, abordemos a conclusão do sociólogo Oliveiros Marques:
“Que esse texto continue válido em 2 de agosto.”
É uma esperança, pois a análise do próprio carece de qualquer elemento de realidade. Resta esperar que os resultados continuem os mesmos, após um prognóstico fantasioso, que não conseguiu identificar minimamente os motivos do que ocorreu.
Enfim, por que, então, Donald Trump adiou a aplicação das tarifas? É simples. A própria medida das tarifas foi uma forma de buscar pressionar o governo brasileiro, mas que não tinha qualquer intenção por trás de si. Trump procurou pressionar contra a influência do principal setor do imperialismo no Brasil, e é só isso.
As próprias tarifas sobre a exportação de matérias primas e elementos primários como café teriam mais a agregar ao próprio Brasil que aos EUA, permitindo um maior dinamismo no mercado interno do País, inflacionado pelas exportações. São medidas que poderiam e, diga-se de passagem, economicamente, deveriam ser empregadas pelo próprio governo brasileiro caso este tivesse qualquer intenção de soberania. Que permitiriam um maior consumo de bens essenciais pela população, ao passo em que enfraquecendo as oligarquias agrárias, abrindo espaço para um maior protecionismo e para o desenvolvimento da indústria nacional.
Fato é que a farsa terminou em farsa para todos os envolvidos, à exceção de uma ala de apoiadores do governo que, sem nada para comemorar em três anos sem medida alguma de impacto, agarram-se ao que vêem, como um náufrago desesperado em destroços de seu querido navio.





