Supremo Tribunal Federal

Ao defender ‘democracia’, Barroso mostra que Brasil vive ditadura

Presidente do STF responde artigo de revista britânica

Nesse sábado (19), dia em que os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) costumam estar longe da Praça dos Três Poderes, o sítio eletrônico da Corte publicou uma nota assinada por seu presidente, o douto Luís Roberto Barroso. A nota é uma resposta ao artigo A Suprema Corte do Brasil está em julgamento, publicada na revista britânica The Economist em 16 de abril.

Carregado de cinismo, o artigo da revista britânica narra “como um juiz superstar revela uma concentração excessiva de poder”, referindo-se aos ataques do ministro Alexandre de Moraes aos direitos democráticos do povo brasileiro. A crítica, que é correta, só peca em omitir que Moraes só se tornou o que é porque o imperialismo, do qual The Economist é porta-voz, deu carta-branca para que o ministro seguisse adiante com seus planos ditatoriais.

Não é essa omissão, obviamente, que incomodou Barroso. A nota assinada pelo presidente do STF se revolta contra a crítica aos desmandos de Moraes e da Corte.

A nota do STF começa com uma mentira:

“A reportagem narra algumas das ameaças sofridas pela democracia no Brasil, embora não todas. Entre elas se incluem a invasão da sede dos três Poderes da República por uma multidão insuflada por extremistas; acampamentos de milhares de pessoas em portas de quartéis pedindo a deposição do presidente eleito; tentativa de atentado terrorista a bomba no aeroporto de Brasília; e tentativa de explosão de uma bomba no Supremo Tribunal Federal. E, claro, uma alegada tentativa de golpe, com plano de assassinato do presidente, do vice-presidente e de um ministro do tribunal. Os responsáveis estão sendo processados criminalmente, com o devido processo legal, como reconhece a matéria.”

Os eventos citados não são “ameaças sofridas pela democracia”. Elas revelam, em alguns casos, crimes comuns, como a explosão de uma bomba, e, em alguns casos, manifestações políticas que estão sendo transformadas em crime pelo STF. Por “democracia”, entende-se um regime que seja controlado pelo povo. Nenhum dos eventos atentou em si contra a ideia de uma “democracia”, uma vez que não tinham como objetivo suprimir a vontade popular.

O mesmo não pode ser dito do STF. Ao tipificar uma manifestação como um crime, a Corte está não apenas ameaçando, mas atentando contra os direitos democráticos do povo. Os manifestantes de 8 de janeiro de 2023 estão tendo os seus direitos pisoteados e, por extensão, o povo brasileiro como um todo está vendo o seu direito à manifestação ser destruído, uma vez que o direito só existe se é válido para todos. Se o direito não vale para todos, é uma concessão. Isto é, uma ditadura na qual o Estado determina quem pode ou não se manifestar.

Também é uma piada falar em devido processo legal. Mais de mil pessoas foram presas ilegalmente a mando de Alexandre de Moraes. De acordo com várias denúncias, estas pessoas foram enjauladas em locais que mais pareciam campos de concentração. Sob a ameaça de penas duríssimas, muitas foram constrangidas a um acordo que as obrigava a confessar crimes que não haviam cometido e a se submeter a um processo de lavagem cerebral ideológica.

Após essa introdução grotesca, Barroso segue afirmando que:

“Foi necessário um tribunal independente e atuante para evitar o colapso das instituições, como ocorreu em vários países do mundo, do leste Europeu à América Latina.”

A princípio, “independente” e “atuante” não querem dizer nada. Parecem, inclusive, de bom-tom. Mas o que será que Barroso quer dizer quando utiliza tais adjetivos?

“Independente” significa independente dos Poderes eleitos e, principalmente, do povo. Novamente, temos aqui o oposto de qualquer ideia pretensamente democrática. Para Barroso, o STF deve ter o direito de criar as suas próprias leis. Não deve estar submetido a absolutamente ninguém. No entanto, o Judiciário deveria ser justamente o poder mais controlado de todos. Afinal, o seu papel é o de garantir o cumprimento da Lei. Em um regime democrático, a Lei deveria ser escrita, conhecida por todos, cumprida rigorosamente e fiscalizada por pessoas que sejam eleitas pelo povo, e não por juízes que se arrogam deuses.

“Atuante”, por sua vez, é a senha que o STF encontrou para atropelar o Legislativo. Toda vez que os interesses do Congresso Nacional se chocarem com o do STF, os seus juízes alegam que os parlamentares estão demorando demais para tomar as decisões necessárias — ou, ainda, que são muito corruptos para tomarem as decisões certas — e, assim, “atuam” no lugar do Legislativo.

Continuando sua defesa das arbitrariedades do STF, a nota de Barroso diz que:

“A pesquisa DataFolha mais recente revela que, somados os que confiam muito (24%) e os que confiam um pouco (35%) no STF, a maioria confia no Tribunal. Não existe uma crise de confiança.”

É uma piada pronta. O próprio Barroso considera como argumento que 35% “confiam um pouco” no STF! “Confiam um pouco”, somos obrigados a explicar, é o mesmo que não confiar. “Confiar um pouco” quer dizer que a Corte que se arroga como a expressão máxima da sensatez, a ponto de atropelar os Poderes eleitos, frequentemente erra. A interpretação correta da pesquisa apontada por Barroso é que 76% da população brasileira desconfia do STF, mesmo com toda a propaganda feita a seu favor pela imprensa imperialista – contando com a própria pesquisa da Folha.

Passando para o campo da liberdade de expressão, Barroso nos brinda com uma grande cretinice:

“O X (ex-Twitter) foi suspenso do Brasil por haver retirado os seus representantes legais do país, e não em razão de qualquer conteúdo publicado. E assim que voltou a ter representante, foi restabelecido. Todas as decisões de remoção de conteúdo foram devidamente motivadas e envolviam crime, instigação à prática de crime ou preparação de golpe de Estado.”

O presidente do STF apresenta a crise entre a Corte e o X como obra de uma mera tecnicalidade. Ainda que fosse, convém perguntar: valeria à pena censurar 20 milhões de usuários simplesmente por causa de uma suposta irregularidade da plataforma?

Mas este não é o único problema. Durante a crise, ficou claro que Moraes se valeu da questão do representante do X no Brasil como munição em uma guerra contra o seu dono, Elon Musk. E o motivo da guerra era a divergência sobre a liberdade de expressão. Este comportamento de Moraes segue um padrão, como pôde ser visto recentemente, quando o juiz, sem competência para tal, decidiu retaliar o Estado espanhol simplesmente porque a Justiça daquele país não procedeu com uma extradição que ele havia solicitado.

Por trás da tecnicalidade, Barroso foge do debate sobre a liberdade de expressão. Ele argumenta ainda “que as decisões de remoção de conteúdo foram devidamente motivadas e envolviam crime, instigação à prática de crime ou preparação de golpe de Estado”, mas ignora o fato de que isto não está previsto na Constituição Federal e que o Partido da Causa Operária (PCO), por exemplo, teve suas redes sociais suspensas sem ter cometido crime algum.

Para fechar com chave de ouro, Barroso debocha de toda a população brasileira, dizendo:

“O enfoque dado na matéria corresponde mais à narrativa dos que tentaram o golpe de Estado do que ao fato real de que o Brasil vive uma democracia plena, com Estado de direito, freios e contrapesos e respeito aos direitos fundamentais.”

Por “democracia plena”, leia-se: cabeleireira condenada a 14 anos de cadeia por pichação, comerciante condenado a 16 anos de prisão por viajar ao Líbano, palestinos impedidos de entrarem no Brasil porque a Polícia Federal é controlada pelos serviços de inteligência de “Israel” e direito à greve extinto pelo Tribunal Superior do Trabalho (TST).

Gostou do artigo? Faça uma doação!