Ontem, 15 de setembro, foi publicada no site Brasil 247 uma coluna de autoria de Carol Proner intitulada “Precisamos transitar em julgado”. Na matéria, Proner se coloca contrária à anistia a Bolsonaro, argumentando sobre a suposta necessidade que o Brasil teria de “virar a página” do processo que condenou o ex-presidente.
Segundo a autora, a condenação de Bolsonaro seria um marco importante para a justiça do país e para a democracia, enquanto a anistia seria um retrocesso. Ela também argumenta que são muitas as provas contra os bolsonaristas, como vemos no parágrafo a seguir:
“Recursos serão interpostos para aclarar dúvidas ou mesmo rejeitar a condenação, mas o mérito já foi arbitrado. Os ritmos, a denúncia, as delações e testemunhos, as interações entre acusação e defesa, as fartas provas que acompanham os autos e imagens repassadas, e, sobretudo, os votos proferidos durante dias e horas, conformam um extraordinário acervo de autodefesa democrática.”
Interessante é que todas as matérias que falam das “fartas provas” contra Bolsonaro, nunca as mencionam. Isso se dá justamente porque essas provas não existem. O que se tem são manifestações de bolsonaristas no dia 8 de janeiro e um processo feito por um tribunal de exceção contra os manifestantes e que, posteriormente, tentou conectar Bolsonaro à manifestação e uma suposta ordem para um golpe que nunca aconteceu.
Proner os recursos, mas se esquece de comentar que por decisão própria, o STF julgou Bolsonaro, que não teve direito a ser julgado em primeira instância. Também não cita que Alexandre de Moraes era uma das supostas vítimas de um suposto esquema apresentado posteriormente, em que conversas entre militares em aplicativos de mensagens sugeririam um golpe e o assassinato de Lula, Alckmin e Alexandre de Moraes. Caso fosse verdade, Alexandre não poderia ter julgado Bolsonaro.
As violações do tribunal são flagrantes e, mesmo que a anistia não venha pelo congresso, há grandes chances de que o processo seja anulado no futuro por conta de sua ilegalidade. Ainda assim, a autora defende que se trata de um processo democrático e que votar a anistia seria contrário aos ideais da democracia:
“Nesse sentido, parece absurdo alguém do campo democrático considerar a hipótese da anistia. Anistiar, no sentido de apagar os crimes e condutas, é uma contradição em termos. Como argumenta o advogado Pedro Serrano na tese do desvio de finalidade do Poder Legislativo, propostas de anistia que pretendem esse apagamento são uma afronta ao Poder Judiciário e às cláusulas pétreas da Constituição que proíbem retrocessos. A oposição política no Congresso pretende, como solução mágica, que o legislador possa substituir o juízo de justiça. Visivelmente, a finalidade e as motivações das propostas em curso são incompatíveis com o sentido de Poder Legislativo e seus propositores investem na conflagração entre Poderes.”
Também é interessante notar a tese de que o congresso que, por pior que seja, foi eleito pela população, não poderia votar a anistia pois estaria interferindo no poder judiciário. No entanto, o STF interfere há muito tempo no poder legislativo sem nenhum alarde por parte da esquerda pequeno-burguesa.
Só para citar um caso, o STF declarou inconstitucional uma parte do Marco Civil da Internet, que havia passado pelo congresso e votado pelos parlamentares e, na sequência, foi sancionado pela então presidenta Dilma Rousseff. Ou seja, o STF decidiu, após 9 anos da implantação do Marco Civil, que uma parte sua era inconstitucional, sem, no entanto, explicar em que parte da Constituição estava descrita essa ilegalidade.
Tendo em consideração que a manobra do STF em relação ao Marco Civil beneficiou o imperialismo, que busca a censura de todo mundo na internet, principalmente após a explosão de denúncias contra a atuação de “Israel” no genocídio em Gaza, que o que o Supremo fez foi legislar.
Ela também não explica o porquê seria absurdo votar a anistia por parte do “campo democrático”. Lembrando que boa parte desse “campo democrático”, uma parte da direita não bolsonarista, foi o mesmo que votou a favor do golpe contra Dilma em 2016, não sendo, portanto, democrático.
O mais surpreendente na matéria, no entanto, está no seguinte:
“O flerte com essa possibilidade ignora o alto preço que pagamos pela falta de revisão da Lei 6.683 de 1979, entulho autoritário que, inegavelmente, contribuiu para a nova tentativa de golpe em 2023. Comparar os processos de anistia do passado e de hoje só serve para fortalecer o repúdio.”
O que a autora chama de “entulho autoritário”, na realidade, é a Lei de Anistia que permitiu que os presos políticos da Ditadura Militar retornassem ao Brasil. É certo que a lei também permitiu que os torturadores da Ditadura também não fossem punidos, mas, ainda assim, não é toda a lei que merece a pecha de “autoritária”, pois ela permitiu a volta de muitos exilados.
Além disso, a luta da população não é apenas uma luta contra a impunidade. O fim do exílio como método de repressão política permitiu que uma parte do debate político voltasse a acontecer no Brasil após muito tempo.
A anistia a Bolsonaro, aos presos do 8 de janeiro e a outros aliados do ex-presidente, também não tem a ver com a anistia aos militares torturadores. Isso porque não houve tentativa de golpe de Estado no Brasil no 8 de janeiro, não houve tentativa de tomada do poder, não houve torturas, não houve o exílio de ninguém da esquerda.
O que, sim, houve, foi a prisão política de manifestantes que, em grande medida, sequer participaram dos atos de vandalismo de uma parte dos manifestantes bolsonaristas.
Por fim, Proner argumenta sobre a necessidade de “virar a página”:
“Às vésperas do ano eleitoral, o tema jurídico centraliza as atenções. Na avaliação dos movimentos sociais e populares, o país deveria avançar em outras pautas e é uma lástima que o julgamento siga monopolizando o debate público. Faria muito bem ao Brasil poder virar a página, tratar de outras questões, como emprego e renda, o fim da escala 6×1 e a reforma tributária com justiça social.”
O problema é que o governo do Brasil é do PT e, nesses últimos três anos, o governo também não discutiu os temas que Carol Proner considera urgentes pois, nesse período, estava monopolizando o debate nacional sobre a necessidade de perder Bolsonaro. Agora, com um ano para as eleições, o governo quer que os que foram condenados não se defendam para ver se dá tempo de fazer alguma coisa que justifique a vitória eleitoral.
É direito dos bolsonaristas se defender e tentar a anistia. Quem quis “virar a página do golpe” foi a esquerda, após 2016, quando queria se adaptar ao novo regime político e acabou se dando mal.




