No dia 27 de dezembro de 2025, o portal Brasil 247 publicou o artigo A Globo no comando de um novo golpe!, assinado por Francisco Calmon. O texto é uma peça exemplar da paralisia analítica que acomete a esquerda pequeno-burguesa: diante de denúncias graves que atingem o regime, a resposta não é a investigação ou a mobilização independente, mas o refúgio em um otimismo estatístico de gabinete e o pânico diante de um suposto “novo golpe”. Calmon tenta transformar o inevitável desgaste de um juiz autoritário em uma ameaça existencial à “democracia”, usando o governo Lula como escudo moral para interditar qualquer crítica.
A primeira grande falácia do texto é inventar um Brasil que “vai bem”. Calmon empilha números sobre crescimento de renda e queda de desemprego para sugerir que vivemos um momento de avanços concretos. Trata-se de uma propaganda que ignora a realidade material das famílias brasileiras. Enquanto o autor celebra a “retomada”, os dados da Pesquisa de Endividamento e Inadimplência do Consumidor (Peic) revelam que o nível de endividamento das famílias brasileiras segue estagnado em patamares alarmantes de quase 78%. Mais grave ainda: a parcela de famílias que declaram não ter condições de pagar suas contas em atraso subiu para 12%, evidenciando que o suposto “crescimento” não chegou ao bolso de quem trabalha.
Na mesa do trabalhador, a “bonança” de Calmon desaparece. O salário mínimo, apesar da propaganda de valorização, não possui o poder de compra necessário para cobrir a cesta básica nas principais capitais, que hoje consome mais de 55% do piso nacional. Itens essenciais como o café, o arroz e o feijão tiveram altas acumuladas que forçam a população a estratégias de substituição humilhantes. O governo Lula, sob o pretexto da governabilidade, não tomou nenhuma medida de impacto para reverter a desindustrialização galopante, o setor fabril segue perdendo participação no PIB, mantendo-se abaixo dos 11%, o menor nível em décadas. Além disso, o governo não reverteu nenhuma privatização e segue realizando “pequenas privatizações” e “parcerias público-privadas” que entregam o patrimônio nacional. O papel de uma esquerda honesta seria denunciar a sabotagem da direita e a asfixia imposta pelos juros de 13,75% mantidos pelo Banco Central, e não apresentar a capitulação como se fosse uma vitória.
Ao evocar a máxima de que “onde a Globo estiver, devemos estar do outro lado”, Calmon usa uma verdade histórica para sustentar uma mentira política. É fato que a Rede Globo representa um inimigo de classe e a fração mais reacionária do imperialismo no Brasil. A esquerda, de fato, jamais deve estar a reboque da política da Vênus Platinada, como fez a própria esquerda pequeno-burguesa ao apoiar a Lava Jato ou a campanha contra a PEC das Prerrogativas. No entanto, ter uma política independente não significa ignorar um escândalo real só porque ele foi noticiado pelo inimigo. Ter uma política de classe significa analisar os fatos sob o ponto de vista dos interesses dos trabalhadores. Interessa, sim, aos trabalhadores denunciar que uma autoridade como Alexandre de Moraes, um inimigo histórico do povo, egresso do governo Temer e entusiasta da repressão, está envolvida em um balcão de negócios com o sistema financeiro através do Banco Master.
A defesa que Calmon faz de Moraes é deplorável e revela o estágio final da degradação dessa esquerda que se tornou “guarda-costas de luxo” da toga. O escândalo do Banco Master deveria ser a última máscara a cair. Durante anos, justificaram-se as arbitrariedades do ministro sob o pretexto de que ele era o “mal necessário” contra o bolsonarismo. Agora, quando ele se revela um operador de interesses bancários, a desculpa do “golpismo da Globo” ressurge para blindar um magistrado que sempre integrou os quadros mais conservadores do Estado. Por que acreditar que esse homem, responsável pela repressão a movimentos sociais quando era Secretário de Segurança em São Paulo, seria agora um aliado da democracia? A verdade é que a esquerda pequeno-burguesa capitulou tanto diante do imperialismo e de sua estrutura judiciária que agora se vê obrigada a defender o indefensável para não admitir que sua estratégia de “unidade com o STF” faliu.
A insistência de Calmon em personalizar o conflito em colunistas como Malu Gaspar ou Miriam Leitão é uma tentativa de desviar o foco do conteúdo da denúncia para o emissário. Acusações de “pena de aluguel” não respondem à pergunta central: o ministro usou ou não o seu cargo para favorecer um banco? Ao exigir “provas documentais” imediatas para sequer permitir a dúvida, Calmon tenta instituir o crime de opinião contra quem fiscaliza o poder. No final das contas, o que o autor chama de “alerta máxima à militância” é, na verdade, um pedido de silêncio e cumplicidade. Defender a “democracia” não é blindar o arbítrio de Moraes contra a Globo, mas sim apontar uma alternativa política que não dependa nem dos “falcões” da imprensa, nem dos “xerifes” do Judiciário.
Enquanto a esquerda insistir em ser a ala esquerda do regime de exceção, ela continuará sendo o “idiota útil” de um sistema que a esmagará na primeira oportunidade.




