Nesta segunda-feira (20), o delegado Fabio Shor (PF), da Polícia Federal, enviou ofício ao Supremo Tribunal Federal (STF) pedindo à corte para abrir um novo inquérito contra Filipe Martins, ex-assessor de Assuntos Internacionais da Presidência da República, quando do mandato de Jair Bolsonaro. O pedido ocorreu após a crise que se abriu em razão de recente nota da alfândega dos EUA, em que foi afirmado que Martins não esteve nos Estados Unidos em 30 de dezembro de 2022, visita que constituiu um dos principais fundamentos de sua prisão.
Martins está em prisão domiciliar desde fevereiro de 2024. Ele foi preso pela PF no âmbito da Operação Tempus Veritatis, investigação em torno da suposta tentativa de golpe de Estado, supostamente liderada pelo ex-presidente Jair Bolsonaro.
Acusado de integrar um suposto “núcleo jurídico” de uma suposta organização por trás da tentativa de golpe que nunca existiu, a prisão preventiva de Martins foi determinada por Alexandre de Moraes. Em sua decisão, um dos principais fundamentos utilizados por Moraes foi uma suposta viagem de Martins aos EUA, em 30 de dezembro de 2022. Moraes afirmou então que a “burla ao sistema migratório caracteriza elemento essencial para auferir o dolo do investigado em se furtar a aplicação da lei penal”.
A nota da alfândega dos EUA foi publicada no último dia 10, e nela é afirmado que o órgão “conduziu uma revisão completa das evidências disponíveis relacionadas às alegações de uma entrada nos Estados Unidos pelo cidadão brasileiro Filipe Martins, em 30 de dezembro de 2022. Após a conclusão da análise, foi determinado que o sr. Martins não entrou nos Estados Unidos nessa data”, acrescentando que “Essa conclusão contradiz diretamente as alegações feitas pelo ministro do Supremo Tribunal Federal do Brasil, Alexandre de Moraes […]”.
Aberta a crise, e colocada a hipótese de que os registros de entrada nos EUA teriam sido forjados, no último dia 16, Alexandre de Moraes pediu informações à Polícia Federal a respeito da investigação em relação ao ex-assessor de Bolsonaro, especificamente sobre registros de que Martins teria entrado nos EUA em 30 de dezembro de 2022.
O novo ofício foi enviado pela PF ao Supremo em decorrência desta situação. Conforme noticiado pela portal de comunicação Revista Oeste, a Polícia Federal, em vez de se limitar a esclarecemos quanto à origem do registro que poderia ser falso, “ampliou o conteúdo e sugeriu a abertura de um novo procedimento apuratório, ao alegar que críticas públicas à investigação estariam sendo usadas para ‘descredibilizar provas e autoridades’”, e que as críticas teriam sido feitas por suposta “milícia digital”.
Face ao ofício da PF, os advogados Jefrrey Chiquini e Ricardo Scheiffer, que constituem a defesa de Filipe Martins, protocolaram representação perante a Ordem dos Advogados do Brasil, afirmando que a atuação do delegado Fábio Shor faz com que “o contraditório torna-se suspeito, a pergunta vira delito e a crítica passa a ser prova de culpabilidade”, bem como se trata de “rotulagem criminalizante da advocacia e da imprensa” conforme noticiado pela Revista Oeste.
Há cerca de duas semanas, em 10 de outubro, os advogados foram vítimas de arbitrariedade de Moraes, que os desconstituiram como defensores de Martins, sob o pretexto de os advogados estariam agindo de forma “inusitada” e com “nítido caráter procrastinatório”, por terem deixado de apresentar as alegações finais dentro do prazo, o que, segundo Moraes, caracteriza litigância de má-fé e tentativa de retardar o andamento do processo. Conforme noticiado pela emissora CNN à época, os advogados esclareceram que “não houve perda de prazo, mas sim o uso regular de um instrumento jurídico para preservar o contraditório substancial e a paridade de armas” e que “ao destituir os advogados de ofício, sem oitiva prévia das partes e sem advertência/gradação, Alexandre de Moraes viola o contraditório substancial e tenta, na prática, privar FILIPE MARTINS de seus advogados de confiança e também impedir o exercício legítimo da advocacia“.
Ao destituir a defesa então, Moraes, em vez de permitir aos réus a escolha de novos advogados, decidiu nomear a Defensoria Pública da União (DPU) para assumir a defesa de Martins, conforme noticiado à época pela Revista Oeste. Após resposta da defesa, no dia seguinte Moraes suspendeu temporariamente a decisão de destituição e deu o prazo de 24 horas para que os advogados apresentassem as alegações finais, que haviam sido inicialmente perdidas. Apesar disto, o precedente foi criado para juízes escolherem os advogados daqueles que estão sendo julgados por eles.
Este novo capítulo da destruição dos direitos democráticos no Brasil foi comentado por Rui Costa Pimenta, presidente do Partido da Causa Operária (PCO), na Análise Política da Semana.
O dirigente criticou que “Alexandre Moraes agora inventou que ele decide quem são os advogados de defesa da pessoa que ele vai julgar. Ele já tinha inventado que você pode ser vítima e juiz ao mesmo tempo, que é uma coisa muito boa para quem consegue fazer isso, né? Imagina só: alguém vai querer me processar, eu sou o juiz. Olha que maravilha, né? Melhor do que isso não existe. Melhor do que comprar o juiz tudo”.
Ele também criticou a justificativa para prender Martins: “o cidadão é uma vítima do Alexandre Moraes porque ele viajou para os Estados Unidos. A viagem dele para os Estados Unidos seria a prova de que ele estava conspirando com alguém e tal. Antigamente, quando nós não tínhamos essa justiça moderna, criativa, para você acusar alguém de conspiração, você precisaria ter provas de conspiração. Não bastava você falar: ‘Ele viajou’. Mas hoje em dia, né? Você viajou, você está conspirando”.
Comentando sobre a destituição, Rui afirmou, ironicamente que “isso aqui é mais uma conquista da democracia. Você já não escolhe mais quem é o seu advogado. Quem vai escolher quem é o seu advogado é o juiz”.





