O artigo Adultização e captura da infância, de Fran de Oliveira Alavina, publicado no sítio A Terra é Redonda no sábado (20), é um daqueles textos que, diante de um termo da moda, um neologismo, como “adultização”, inventa um problema e o discute como se fosse algo concreto e incontestável.
“Discurso de ódio”, por exemplo, é uma expressão que, apesar de ninguém saber definir o que seja ao certo, serve como base para novas leis punitivas, aumentos de pena, cancelamento ou qualquer tipo de repressão. No Reino Unido, o “discurso de ódio” é utilizado contra as pessoas que protestam contra o genocídio na Faixa de Gaza. O mesmo argumento foi utilizado pela Meta para bloquear a quase totalidade dos perfis que defendiam os palestinos, pois, supostamente, seria antissemitismo ou “discurso de ódio”.
Segundo Fran Alavina, “a adultização representa a invasão neoliberal e a compressão do tempo sobre a infância, transformando crianças em miniaturas adultas, de coaches financeiros a pastores mirins, esvaziando o mundo simbólico infantil”. Porém, já vai longe o tempo em que as crianças eram “adultizadas”. O tema já estava em Rousseau, em seu Emílio, ou Da Educação.
É falsa a ideia de que o neoliberalismo seja uma invasão no sentido de ser uma novidade. Não é como se estivesse tudo bem com as crianças e, de repente, por conta de determinada doutrina econômica, a infância tivesse sido assaltada. Houve uma piora significativa, mas para todos os setores explorados da sociedade. Basta analisar os dados que demonstram a quantidade de pessoas que vivem no mundo abaixo da linha de pobreza. A quantidade de crianças sem acesso à água potável está perto de um bilhão.
Por outro lado, se o problema é o neoliberalismo, o antídoto contra a “adultização” seria combater o neoliberalismo, em vez de propor censura, como vem sendo feito. Censura que, imposta pelo imperialismo, serve justamente para fortalecer o sistema responsável pela opressão da juventude.
No primeiro ponto levantado pelo autor: “desde que o trabalho de @Felca0 sobre a exposição, monetização e violação do direito de menores na internet atingiu repercussão nacional, furando bolhas nas redes, o termo adultização passou ao centro do debate público, ao cerne das disputas narrativas”. Sim, passou ao centro porque interessa às classes dominantes.
O “debate público” foi alimentado artificialmente pela grande imprensa e pela esquerda identitária, não é à toa que Felca, um dos grandes heróis da esquerda, ganhou um emprego na Globo por seu serviço contra os direitos democráticos da população. Trata-se de uma política ditada pelo imperialismo, que tem avançado sobre os direitos das crianças e dos adolescentes no mundo todo. Na Austrália, por exemplo, os jovens não podem mais acessar a Internet.
Continuando, Alavina escreve que “como toda questão contemporânea que ganha espaço nas redes sociais – que capturaram o que antes se chamava de opinião pública –, algum aspecto viral acaba por fagocitar outras determinações da questão. Assim, abarcado pelas redes, o assunto ganha visibilidade, porém rapidamente se torna esquecido, jogado no cesto dos assuntos descartáveis”. No entanto, não é que o assunto seja descartável, mas que já cumpriu sua missão.
O propósito era o de aumentar a repressão nas redes. Graças ao Felca (Felipe Bressanim) e ao debate artificial que se seguiu, uma lei (para o bem das crianças) foi aprovada a toque de caixa. A lei “Felca” prevê a verificação de idade nas plataformas, supervisão parental, remoção de conteúdo, multas e bloqueios.
O problema de fato
Alavina escreve que “as crianças são alvo e ao mesmo tempo escudo de finalidades políticas espúrias”. É aí que está o problema para a burguesia: a politização.
Em 2013, no Brasil, inúmeras crianças e adolescentes capturaram vídeos da repressão policial contra as manifestações pela redução do preço da passagem de ônibus em São Paulo, por exemplo. Desde espancamentos até viaturas depredadas pelos próprios policiais, bem como a identificação de agentes infiltrados entre os manifestantes. É claro que esses vídeos foram assistidos por milhões de pessoas, e estas puderam ver ao vivo como age o Estado e suas polícias.
Na Austrália, um país que o imperialismo prepara para entrar em guerra contra a China, é fundamental manter sua juventude alienada, pois em breve poderão ser enviados para a frente de batalha. E, se estiverem politizadas, se souberem os reais motivos dessa guerra que se avizinha, podem se rebelar.
Identitarismo
Adiante, Fran Alavina tangencia a questão de “gênero”. Escreve que “se as crianças são adultizadas, é preciso questionar o que mudou no comportamento dos adultos. As campanhas contra o espantalho da ‘ideologia de gênero’ foram o primeiro sintoma disso. Na maioria das vezes, se focou nas questões de gênero e de educação, desconsiderando que também estava em disputa certa concepção de infância”.
Ora, esses identitários que, por oportunismo, gritam hoje contra a “adultização” estavam ontem defendendo que crianças fossem submetidas a tratamentos hormonais. Não se trata apenas de um “espantalho”, mas de um absurdo que acabou municiando a direita para atacar a esquerda.
Finalizando a primeira parte, o autor escreve que “se confunde proteção e cuidado com tutela opressiva; para a maioria dos adultos é impossível conceber o mundo infantil no horizonte de certa liberdade, pois suas próprias infâncias foram gestadas também sob controle”. Mas é justamente isso que está sendo aprovado. Em nome de proteger as crianças de pedófilos e da “maldade”, está se restringindo brutalmente a liberdade das crianças e oprimindo-as.
Vida social
Alavina parece se esquecer de que as crianças vivem em sociedade, mas até isso ganha um caráter negativo. Afirma que “quando se diz que ‘menino veste azul e menina veste rosa’, tem-se um exemplo de repetição da invasão do mundo dos adultos sobre o mundo infantil, que acaba sendo violado em seu aspecto simbólico. Não é isso também um tipo de adultização, justamente por aqueles que se arvoram como defensores das crianças? Transferem para o mundo infantil a obsessão adulta pelas demarcações sociais de gênero”.
Quando um adulto tenta influenciar uma criança, é óbvio que vai exprimir seus valores, não se trata de uma “violação”. E o que significa “defender as crianças”? Estas vão virar adultas, não se espera que fiquem crianças para sempre, e é natural que emulem os adultos, outras crianças e, com isso, formem sua individualidade.
Cuidado?
Os governos, que adotam leis cada vez mais repressivas, apenas exploram a figura das crianças, pois para elas não dão a mínima. Não existem escolas decentes, nem suficientes; não existe um sistema de saúde digno. As famílias estão a cada dia mais pobres. A grande imprensa, que é a primeira a falar contra a “adultização”, é a mesma que é contra o ensino público, contra o aumento do salário mínimo e contra o aumento de gastos sociais.
É a mais pura demagogia. Os promotores do massacre de crianças em Gaza são os mesmos que querem jovens morrendo na Ucrânia e que preparam uma Terceira Guerra Mundial, que será devastadora também para a juventude.
Enquanto uns iludidos falam em “adultização”, na Europa já se ouve a propaganda de que as pessoas devem se preparar para sacrificar seus filhos na guerra contra o “mal” – a Rússia. Só não explicam que é em nome do grande capital.





