Sob a máscara de proteção da “democracia” e de tudo o que há de bom, o mundo está se deslocando rapidamente ao fascismo escancarado “e o Brasil não pode ficar para trás”. Essa é a conclusão da deputada estadual Marina Helou (REDE-SP), que publicou na Folha de S. Paulo do último dia 13, um artigo intitulado O perigo está no bolso das nossas crianças. Diz a parlamentar:
“Não quero falar da série de TV. Quero falar da realidade. E de três temas urgentes que precisamos enfrentar como pais, educadores e sociedade: a formação de valores, a responsabilidade das big techs e a necessidade de regulamentação.
Meninas que se recusam a praticar esportes. Que estão obcecadas com sua aparência. Que buscam cirurgias plásticas ainda na adolescência. Que desenvolvem distúrbios alimentares, se automutilam e recebem licenças médicas por crises de saúde mental.
Isso não é exceção. É o novo normal de uma geração sendo formada —e deformada— pelas redes sociais.”
Em primeiro lugar, é preciso desmontar essa falsificação cretina segundo a qual, antigamente, os jovens eram educados, tinham valores elevados e que, a partir do século XXI, tudo desandou por culpa das redes sociais. Essa fábula não resiste a qualquer análise minimamente séria. O comportamento da juventude não está dissociado da realidade social em que vive. E a realidade do mundo de hoje é a de uma decadência profunda, marcada pelo mal-estar generalizado gerado pelo neoliberalismo.
A parlamentar faria um favor a si mesma — e à verdade — se parasse de romantizar a adolescência e se dedicasse, por exemplo, a assistir a produções dos anos 1990 que são cultuadas justamente por retratarem a realidade crua da juventude. Filmes como Kids, Diário de um Adolescente, entre tantos outros, mostram o que essa idealização tenta esconder: delinquência juvenil, abuso de drogas, depravação sexual, autodestruição — comportamentos que não surgem do nada, mas são reflexos diretos da degradação das condições de vida e da falência de um sistema que não oferece qualquer perspectiva de futuro.
Não é de hoje que os jovens expressam essa desesperança. Como já dizia a famosa palavra de ordem dos punks nos anos 1970, there is no future (não há futuro, em português). Essa frase continua válida porque nada mudou.
A juventude não tem para onde ir, e esse é o verdadeiro problema. E o que faz a parlamentar? Em vez de encarar essa realidade, recorre à mais rasteira das manipulações: transforma o drama da juventude em pretexto para defender mais censura. Porque é disso que se trata quando ela fala em “responsabilidade das big techs” e “necessidade de regulamentação”.
Por trás da cortina moralista e da falsa preocupação com os adolescentes, o que há é o velho projeto do imperialismo: controlar o que pode ou não ser dito, quem pode ou não falar. A juventude está doente porque o mundo está doente. E a doença tem nome — capitalismo em crise. Tentar curar os sintomas com censura só serve aos que lucram com a doença.
“Perguntei a alunos de escolas públicas e privadas quantas horas por dia eles passam no celular. A média variava entre seis e dez horas. É tempo suficiente para moldar crenças, valores e a visão de mundo de qualquer um — especialmente de adolescentes. Enquanto pais e escolas se esforçam para educar, uma geração está sendo formada pelos algoritmos. Influenciadores com vidas ‘perfeitas’, homens frustrados e ressentidos, vídeos criados para chocar.”
O parágrafo da deputada se destaca pelo cinismo. Fala em escolas e educação como se estivesse descrevendo um mundo cor-de-rosa, quando a realidade das escolas brasileiras se aproxima cada vez mais de presídios. O que se ensina nelas, na maioria das vezes, tem pouca ou nenhuma serventia social.
Afinal, como já denunciavam os punks dos anos 1970: não há futuro. Para uma minoria privilegiada, pode haver algum conforto. Para a maior parte da juventude, o que resta é o desemprego, o tráfico de drogas, a prostituição e toda sorte de atividades sem qualquer valor produtivo real, mas que servem como válvula de escape para uma economia em ruínas, cujo único objetivo é sustentar as aparências e as dores de uma sociedade apodrecida.
Mais claramente, o jovem de hoje não precisa saber a fórmula de Bhaskara, nem entender funções do segundo grau, tampouco dominar conhecimentos avançados de biologia — não porque esses saberes sejam irrelevantes em si, mas porque, na prática, não há onde esses conhecimentos possam ser aplicados. A escola virou uma instituição cujo verdadeiro papel é isolar os jovens da vida social, transformando-os em prisioneiros do tédio e da repressão — o que, inevitavelmente, alimenta a revolta juvenil. Isso explica, inclusive, a seguinte colocação:
“‘Eles odeiam muito. Odeiam as meninas.’ Essa frase não veio de um estudo sobre misoginia ou da série ‘Adolescência’, da Netflix. Ouvi de uma diretora de colégio em São Paulo, em 2024, durante uma conversa sobre a proibição de celulares nas escolas.”
Ora, qual é exatamente espanto? Em uma situação na qual o jovem, cheio de energia, é reprimido o tempo todo, enjaulado em uma aula para a qual a serventia é muito próxima de nula, o celular é a única válvula de escape para fugir da realidade massacrante.
Ter ódio dessa situação é, acima de tudo, um atestado de humanidade. É nítida a relação de causa e efeito, sendo verdadeiramente surpreendente o espanto com a situação
Aqui também entramos no problema real: uma parte desses jovens que sente ódio vai politizar esse ódio. Será uma parcela pequena, mas isso vai acontecer e esse que politiza sua revolta, que reflete melhor e chega às conclusões corretas — por mais minoritário que seja — é uma das maiores ameaças à manutenção da ditadura imperialista, talvez a maior.
É ele quem representa o maior perigo para a continuidade desse sistema dedicado a produzir esse mundo de horrores. É ele que precisa ser combatido em primeiro lugar. E é contra ele que está sendo direcionada toda essa onda de censura, repressão e perseguição.
A forma de manter funcionando o mecanismo gerador desses sintomas — que Helou identifica, mas apoia ao defendê-lo — é impedir que esse jovem se politize. Impedir ele de se informar, receber propaganda política revolucionária (“extremismo”, como diz a deputada imperialista) e atue consciente, e consequentemente, para transformar essa realidade. Impedir que esse jovem lute para mudar essa situação massacrante e, com isso, abra perspectivas de futuro para si, para seus pares, para o País e para toda a classe oprimida do mundo é uma das maiores tarefas do imperialismo hoje.
Por essa razão, tanto empenho em censurar os meios de informação usados pelos jovens. E finalmente, é isso que a parlamentar está se dedicando a defender.
A esquerda não pode cair no conto do vigário dessa romantização patética de que os jovens de hoje seriam diferentes dos jovens de outrora. Isso é mentira. O que mudou não foram os jovens — foi o avanço brutal da repressão, o recrudescimento da ditadura imperialista contra os povos oprimidos, entre os quais se encontram, evidentemente, os jovens.