A esquerda pequeno-burguesa hoje está exultante ante a possibilidade de prisão de Jair Bolsonaro, depois da denúncia apresentada pelo procurador-geral da República, Paulo Gonet. A cada novo tento no jogo, a torcida vai ao delírio. O último deles foi a suspensão do sigilo da delação premiada de Mauro Cid, ajudante de ordens do ex-presidente.
No vídeo, divulgado pelo próprio STF, o superministro Alexandre de Moraes adverte Mauro Cid de que seus depoimentos anteriores tinham lacunas e contradições e de que, caso não os revisasse, seria preso e teria sua mulher e filha investigadas pelo poderoso tribunal. A Rede Globo – e não só ela – divulgou o vídeo chamando a atenção do espectador para a reação de Mauro Cid ao ouvir que seria preso: ele põe a mão na cabeça e se mexe na cadeira ou coisa do gênero. Enquanto nos distraímos a olhar os movimentos corporais de Cid, que não têm nada de mais, tendemos a não prestar a devida atenção às ameaças de Alexandre de Moraes, absolutamente naturalizadas pela imprensa burguesa e pela torcida da esquerda pequeno-burguesa.
Quanto à burguesia, o fato não surpreende, afinal é ela quem comanda toda a operação, como o fez com a Lava Jato, a prisão de Lula, a deposição de Dilma Rousseff e o “mensalão”. A diferença é que agora se virou contra a “extrema direita”. Se antes sua cruzada era contra a corrupção, agora o que a inspira é a preservação da democracia, dois engodos para disfarçar seus reais interesses.
O partido que expressa (ou expressava) os interesses dessa burguesia do mercado financeiro era o hoje moribundo PSDB, cujos integrantes se chamavam de “tucanos”. Falavam por meio de eufemismos e subterfúgios, apresentando-se como “civilizados”, uma espécie de aristocracia, ainda que de meia-tigela. Um de seus conhecidos representantes, hoje vice-presidente da República, recebeu o apelido de “picolé de chuchu”, bem adequado ao espírito do partido. O PSDB praticamente desapareceu, dado que o bolsonarismo roubou seus eleitores, mas a burguesia, como temos visto nos últimos tempos, não precisa mais de um partido pra chamar de seu. Ela, afinal, controla cada vez mais o sistema eleitoral.
Quem acompanhasse a Rede Globo na última eleição, quando o eleitorado se dividiu entre Lula e Bolsonaro, veria a emissora investindo pesadamente nos ministros do STF, alçados ao posto de celebridades em programação especial no noticiário de maior audiência da emissora, coisa nunca antes vista com tamanho destaque. O STF é hoje uma espécie de partido da burguesia.
A palavra que mais se ouve quando o assunto são processos judiciais é “entendimento”. Ora, por meio desses “entendimentos” ou interpretações das leis, juízes, na prática, adaptam as leis aos interesses políticos que representam. O STF é que dá a palavra final – e, além disso, usando os “temas de repercussão geral”, grosso modo, define como serão julgadas queixas de um mesmo tipo em todo o país.
Apenas a uma classe, a burguesia, interessa que o STF extrapole sua função de corte constitucional e tenha tanto poder. O Tribunal Superior Eleitoral, sempre presidido por um dos membros do STF, edita “regulamentos” a cada eleição, de modo a dificultar ao máximo a participação de partidos menores. Todas as decisões do STF convergem para os interesses da burguesia – e não é difícil encontrar os ministros participando de convenções do empresariado, convidados como palestrantes. Difícil mesmo será ver qualquer um deles no meio do povo.
Por essas e por muitas outras, a esquerda pequeno-burguesa poderia refletir um pouco mais sobre o papel que vem desempenhando. O governo Lula está comprimido pela burguesia, por essa fatia “civilizada” da sociedade que lhe exige o pagamento da dívida pública, um verdadeiro assalto ao povo brasileiro. O verdadeiro inimigo do povo é essa classe, à qual a política econômica do atual governo se dobra.
Essa gente não é melhor que o Bolsonaro. Se o quer preso, é porque isso facilita seu caminho para o Planalto. Que ninguém se iluda sobre apoio da “direita civilizada” ao Lula 4. Não parece estar no seu horizonte. Basta ler os jornais da imprensa burguesa, que passam o dia batendo no governo. Ademais, Lula na oposição conseguiu vencer Bolsonaro na situação. Com todas as trapaças de Bolsonaro, Lula saiu vitorioso. E mais: a burguesia tolerou Lula porque o considera mais fácil de controlar do que o seu adversário; sem o adversário, por que a burguesia precisaria de Lula? Está faltando povo na equação eleitoral do governo.