Nos últimos cinco anos, o Brasil destinou percentuais ainda mais significativos do seu Produto Interno Bruto (PIB) para o pagamento de juros da dívida pública. Esses valores variam um pouco conforme a metodologia e as fontes, mas seguem as estimativas mais recorrentes em relatórios do Banco Central, do Tesouro Nacional e projeções do mercado. Abaixo, temos um panorama ano a ano, no período mencionado:
2020: 5,07% do PIB
2021: 3,96% do PIB
2022: 6,23% do PIB
2023: 6,66% do PIB
2024: 8,05% do PIB.
São percentuais muito elevados, sobre um PIB que está na 10ª posição no ranking mundial do PIB nominal (em paridade de poder de compra (PPP), a posição do país é a oitava). Uma das faces da atual fase de financeirização das economias é o elevado endividamento e gasto com juros dos Estados nacionais. Os EUA, por exemplo, cabeça do bloco imperialista, possuem uma dívida de US$ 37 trilhões, considerada impagável, que gera juros diários de aproximadamente US$ 3,3 bilhões. Segundo algumas análises, esses gastos com a dívida teriam superado as despesas militares, que são, de longe, superiores às despesas de qualquer outro país do mundo.
A capacidade de apropriação de riqueza por parte do sistema financeiro, que anualmente destina 8% ou mais do PIB brasileiro a uma plutocracia financeira composta por algumas centenas de milhares de pessoas, garante a esse segmento um nível de poder que possibilita controlar de forma sistemática os processos políticos e os próprios governos que se revezam no executivo federal. Em fevereiro de 2021, foi formalizada a “independência” do Banco Central do Brasil (BCB). Tirar da caneta do presidente da República eleito a gestão político-técnica do Banco Central significou destinar um poderio ainda maior para essa oligarquia financeira mandar e desmandar no país. O Banco Central é um instrumento-chave para o governo estabelecer políticas cruciais para a nação, como a estabilidade da moeda, a quantidade de meio circulante, o controle da inflação, a fiscalização dos bancos, e assim por diante.
Com a independência do BCB, o sistema financeiro e todos os seus tentáculos tentaram tornar os instrumentos de controle público do sistema financeiro um ambiente “asséptico” à contaminação do voto popular. Esse fato ficou bem evidente com a nomeação de Gabriel Galípolo pelo presidente Lula, que, apesar das expectativas em contrário, manteve a mesma política de juros extorsivos do presidente anterior do BCB, que era de extrema direita. O fato é muito grave, considerando a realidade brasileira de enorme crise econômica e política e de semiestagnação do PIB.
O Brasil, que transfere todos os anos percentuais gigantescos do PIB para um grupo de autênticos parasitas, não tem dinheiro público para retomar o desenvolvimento da economia. O país mantém há décadas a maior taxa de juro real (ou seja, taxa de juros descontada da inflação prevista para os próximos 12 meses) do planeta. Quando cai um pouco no ranking, fica sempre entre os primeiros nesta lista maldita. O fato de a taxa básica de juros do Brasil estar muito acima da média mundial (no qual dezenas de países mantêm taxas de juros negativas) não tem nada de “opção técnica”. É, antes de tudo, um método de extorsão de toda uma população em benefício dos bancos.
O Brasil é um dos países com o perfil de distribuição de renda mais concentrado do mundo, especialmente considerando o seu nível de industrialização. O contexto de concentração da riqueza e da renda no Brasil deveria ser um balizador do debate sobre o papel político e econômico do Banco Central. Entre os defensores do banco central independente, predomina a concepção de que o banco central deve se preocupar exclusivamente com o controle da inflação, fechando os olhos para o crescimento da economia e o emprego.
Do ponto de vista técnico, a independência do banco é uma posição difícil de sustentar. É muito mais fácil defender a posição contrária. O problema é que a grande mídia veicula apenas as posições de interesse do capital, especialmente em temas cruciais como esse do banco central, que é central para a dominação econômica. Ademais, a temática é árida, de difícil compreensão para a população em geral, que precisa se concentrar em sua luta pela sobrevivência.
Se os diretores do BC não têm subordinação hierárquica de caráter público, sua atuação fica sem mecanismos de controle. A medida correta neste grave momento do país seria justamente a ação oposta, ou seja, aumentar o controle e a transparência do banco, colocando suas políticas a serviço do país. A independência do BC, considerando como funcionam no Brasil essas estruturas burocráticas, na prática garante o controle do Banco Central aos ricos através de seus prepostos.
Antes da chegada da lei da independência, o banco central já tinha total autonomia operacional no Brasil, ou seja, ele operava a política definida pelo Conselho Monetário Nacional (CMN). Tinha grande liberdade para agir dentro de determinados marcos e atingir o seu primeiro objetivo legal, que é o de combater a inflação. Por exemplo, Henrique Meirelles, típico representante da burguesia e presidente do BC entre 2003 e 2011, gozava de total liberdade para fazer suas políticas no Banco, que, inclusive, de certa forma, colidiam com a perspectiva mais desenvolvimentista de outras áreas do governo. Era uma política claramente antinacional, contra o desenvolvimento da economia e operada exclusivamente em benefício dos rentistas. Henrique Meirelles havia sido recrutado diretamente das fileiras do Bank of Boston, um grande conglomerado financeiro internacional.
Apesar da retórica dos liberais de que o banco central deveria cuidar apenas da estabilidade de preços – utilizando, ademais, uma arma limitada, que é a taxa de juros –, não há dúvidas de que a instituição deveria também contribuir com políticas que possibilitem o crescimento da economia e do emprego no país. O Banco Central não pode desenvolver política monetária que desconsidere a estratégia mais geral do governo de crescimento da economia. A desculpa de mandato único do Banco Central (o controle da inflação) explica em parte o fato de o Brasil praticar durante décadas as taxas de juros mais elevadas do mundo, um interesse visceral e direto dos bancos que embolsam fortunas com essa política.
Há todo um esforço da grande mídia e dos conservadores no sentido de apresentar discutíveis razões técnicas para algo que é, fundamentalmente, de interesse dos banqueiros e seus apaniguados. O banco central sempre foi dominado pelo capital financeiro, guardadas as devidas especificidades de cada período histórico. É evidente, inclusive, que com a onda neoliberal, que alcançou o Brasil ainda no final da década de 1980, essa dominação se amplificou, fato comprovado até pela citada presença de Meirelles nos governos do Partido dos Trabalhadores. Nas últimas décadas, independentemente da coloração partidária da presidência da República, o capital financeiro manteve imensa influência política sobre os governos. E soube converter tal influência em montanhas de dinheiro.




