Em ocasião do aniversário de 85 anos do assassinato do revolucionário Leon Trótski, reproduzimos sua famosa entrevista ao italiano Mateo Fossa, na qual estabelece com clareza a política do movimento operário diante do imperialismo “democrático”.
Uma Entrevista com Leon Trótski
Mateo Fossa
23 de Setembro de 1938
Fossa: Em sua opinião, qual será o desenvolvimento futuro da atual situação na Europa?
Trótski: É possível que, mais uma vez, a diplomacia chegue a um compromisso desonroso. Mas ele não durará muito. A guerra é inevitável em um futuro bem próximo. Uma crise internacional segue a outra, e suas convulsões são as dores do parto da guerra que se aproxima. Cada novo paroxismo terá um caráter mais severo e perigoso. Atualmente, não vejo nenhuma força no mundo que possa deter o desenvolvimento desse processo, ou seja, o início da guerra. Uma terrível matança avança inexoravelmente em direção à humanidade.
É claro que uma ação revolucionária oportuna do proletariado internacional poderia paralisar a ambição predatória dos imperialistas. Mas precisamos encarar a realidade. A imensa maioria das massas trabalhadoras da Europa está sob a direção da Segunda e Terceira Internacionais. Os líderes da Internacional Sindical de Amsterdã apoiam a política da Segunda e Terceira Internacionais e estão ao seu lado no que se chama “Frentes Populares”.
A política da Frente Popular, como mostram os exemplos da Espanha, França e outros países, consiste em subordinar o proletariado à ala esquerda da burguesia. No entanto, toda a burguesia dos países capitalistas, tanto de direita quanto de “esquerda”, está impregnada de chauvinismo e imperialismo. A “Frente Popular” serve para transformar os operários em bucha de canhão para a sua burguesia imperialista. E para nada mais do que isso.
A Segunda e Terceira Internacionais e a Internacional Sindical de Amsterdã são hoje organizações contrarrevolucionárias, cuja tarefa é frear e paralisar a luta revolucionária do proletariado contra o imperialismo “democrático”. Enquanto a criminosa liderança dessas internacionais não for derrotada, os operários serão impotentes para se opor à guerra. Essa é a amarga, mas indiscutível, realidade. Precisamos aprender a encará-la de frente e não nos consolarmos com ilusões e discursos pacifistas. A guerra é inevitável!
Fossa: Qual será o efeito da guerra sobre a luta na Espanha e sobre o movimento operário internacional?
Trótski: Para compreender corretamente a natureza dos próximos acontecimentos, devemos, antes de tudo, desmascarar a teoria falsa e completamente equivocada de que a próxima guerra será uma guerra entre o fascismo e a “democracia”. Nada é mais falso e estúpido do que essa ideia. As “democracias” imperialistas estão divididas por contradições em seus interesses em todo o mundo. A Itália fascista pode facilmente passar para o lado da Grã-Bretanha e da França se deixar de acreditar na vitória de Hitler. A Polônia semi-fascista pode se unir a outro lado, dependendo das vantagens que lhe forem oferecidas. Durante a guerra, a burguesia francesa pode substituir sua “democracia” pelo fascismo para manter os operários sob submissão e obrigá-los a lutar “até o fim”.
A França fascista, assim como a França “democrática”, defenderá suas colônias com armas na mão. A nova guerra terá um caráter de rapina imperialista muito mais claro do que a de 1914-18. Os imperialistas não lutam por princípios políticos, mas por mercados, colônias, matérias-primas, pela hegemonia sobre o mundo e suas riquezas.
A vitória de qualquer um dos campos imperialistas representaria a escravidão definitiva de toda a humanidade, o fortalecimento da submissão das colônias existentes, dos povos fracos e atrasados, entre eles os da América Latina. A vitória de qualquer um dos campos imperialistas representará a escravidão, a desgraça, a miséria e a decadência da cultura humana.
Qual é a saída, você me pergunta? Pessoalmente, não tenho dúvidas de que a nova guerra provocará uma revolução internacional contra a dominação das camarilhas imperialistas sobre a humanidade. Durante a guerra, todas as diferenças entre “democracia imperialista” e fascismo desaparecerão. Em todos os países, reinará uma ditadura militar impiedosa. Os operários e camponeses alemães morrerão da mesma forma que os franceses e ingleses.
Os modernos instrumentos de destruição são tão aperfeiçoados que a humanidade provavelmente não será capaz de resistir à guerra por mais do que alguns meses. O desespero, a indignação e o ódio levarão as massas de todos os países em guerra a uma insurreição armada. A revolução socialista é inevitável. A vitória do proletariado mundial acabará com a guerra e resolverá, dessa forma, o problema espanhol, assim como todos os problemas atuais da Europa e de outras partes do mundo.
Esses “líderes” da classe operária que querem atrelar o proletariado ao tanque de guerra do imperialismo, coberto com a máscara da “democracia”, são hoje os piores inimigos e os traidores diretos dos trabalhadores. Precisamos ensinar os operários a odiar e desprezar os agentes do imperialismo, pois eles envenenam a consciência dos trabalhadores; precisamos explicar aos operários que o fascismo é apenas uma das formas do imperialismo, e que não devemos lutar contra os sintomas exteriores da doença, mas contra suas causas orgânicas, ou seja, contra o capitalismo.
Fossa: Qual é a perspectiva para a revolução mexicana? Como você vê a desvalorização da moeda em relação com a expropriação das riquezas da terra?
Trótski: Não posso falar suficientemente em detalhes sobre essas questões. A expropriação da terra e das riquezas naturais é uma medida indispensável de defesa nacional para o México. Não satisfazendo as necessidades cotidianas do campesinato, nenhum país latino-americano poderá obter sua independência. A queda do poder de compra da moeda é um resultado do bloqueio imperialista contra o México, que já começou. As privações materiais são inevitáveis na luta. É impossível se salvar sem sacrifícios. Capitular diante dos imperialistas significaria abandonar a riqueza natural do país à pilhagem e o povo à decadência e à extinção. Evidentemente, as organizações operárias devem estar atentas para que o aumento do custo de vida não recaia fundamentalmente sobre os trabalhadores.
Fossa: O que você pode dizer sobre a luta de libertação dos povos da América Latina e sobre os problemas do futuro? Qual é a sua opinião sobre o aprismo?
Trótski: Não estou suficientemente a par da vida de cada um dos países da América Latina para poder dar uma resposta concreta às questões que você me apresenta. De qualquer maneira, me parece claro que as tarefas internas desses países não podem ser resolvidas sem uma luta revolucionária simultânea contra o imperialismo. Os agentes dos Estados Unidos, Inglaterra e França (Lewis, Jouhaux, Lombardo Toledano, os stalinistas) tentam substituir a luta contra o imperialismo pela luta contra o fascismo. Nós observamos os esforços criminosos feitos por eles no recente congresso contra a guerra e o fascismo. Nos países da América Latina, os agentes dos imperialismos “democráticos” são particularmente perigosos, porque são mais capazes de enganar as massas do que os agentes declarados dos bandidos fascistas. Eu darei o exemplo mais simples e mais demonstrativo.
Existe atualmente no Brasil um regime semi-fascista que qualquer revolucionário só pode encarar com ódio. Suponhamos, no entanto, que, amanhã, a Inglaterra entre em conflito militar com o Brasil. Eu pergunto a você de que lado do conflito a classe operária estará? Eu responderia: nesse caso, eu estaria do lado do Brasil “fascista” contra a Inglaterra “democrática”. Por quê? Porque o conflito entre os dois países não será uma questão de democracia ou fascismo. Se a Inglaterra triunfasse, ela colocaria um outro fascista no Rio de Janeiro e fortaleceria o controle sobre o Brasil. No caso contrário, se o Brasil triunfasse, isso daria um poderoso impulso à consciência nacional e democrática do país e levaria à derrubada da ditadura de Vargas. A derrota da Inglaterra, ao mesmo tempo, representaria um duro golpe para o imperialismo britânico e daria um grande impulso ao movimento revolucionário do proletariado inglês. É preciso não ter nada na cabeça para reduzir os antagonismos mundiais e os conflitos militares à luta entre o fascismo e a democracia. É preciso saber distinguir os exploradores, os escravagistas e os ladrões por trás de qualquer máscara que eles utilizem!
Em todos os países latino-americanos, os problemas da revolução agrária estão indissociavelmente ligados à luta anti-imperialista. Os stalinistas estão, hoje, buscando paralisar as duas lutas. Para o Kremlin, os países latino-americanos são apenas pequenas moedas em seus negócios com os imperialistas. Stalin diz em Washington, Londres e Paris: “Reconheçam-me como um parceiro em condições de igualdade e eu ajudarei vocês a esmagar o movimento revolucionário nas colônias e semi-colônias; para isso tenho sob minhas ordens centenas de agentes como Lombardo Toledano”. O stalinismo tornou-se a lepra do movimento de libertação mundial.
Não conheço suficientemente o aprismo para dar sobre ele um parecer definitivo. No Peru, a atividade desse partido tem um caráter ilegal e, consequentemente, é difícil observá-la. Os representantes da APRA no congresso de setembro contra a guerra e o fascismo, reunido no México, adotaram, em minha opinião, uma posição digna e correta, juntamente com os delegados de Porto Rico. A esperança é que a APRA não se torne uma presa do stalinismo, porque isso paralisaria a luta pela libertação no Peru. Eu creio que acordos com os apristas em tarefas práticas bem definidas são possíveis e desejáveis, sob a condição de uma completa independência organizativa.
Fossa: Que consequências a guerra terá para os países da América Latina?
Trótski: Sem dúvida, os dois campos imperialistas tentarão envolver os países latino-americanos na guerra para, em seguida, reduzi-los à escravidão completa. O vazio palavrório “anti-fascista” somente prepara o terreno para os agentes de um dos campos imperialistas. Para se prepararem para a guerra mundial, os partidos revolucionários da América Latina deveriam se aproximar uns dos outros.
Em um primeiro período da guerra, a posição dos povos fracos pode se tornar muito difícil. Porém, os campos imperialistas se enfraquecerão cada vez mais, mês após mês. A luta mortal entre eles permitirá aos países latino-americanos que se fortaleçam. Eles serão capazes de atingir sua completa libertação se à frente deles estiverem partidos e sindicatos verdadeiramente revolucionários e anti-imperialistas. Não se pode escapar de circunstâncias históricas trágicas através de estratagemas, frases ocas ou pequenas mentiras. Precisamos dizer a verdade às massas, toda a verdade e apenas a verdade.
Fossa: Quais são, em sua opinião, os métodos e as tarefas dos sindicatos?
Trótski: Para que os sindicatos possam ser capazes de reunir, educar e mobilizar o proletariado para uma luta de libertação, eles precisam se libertar dos métodos totalitários do stalinismo. É preciso abrir os sindicatos aos operários de todas as tendências, mantendo-se a disciplina na ação. Toda pessoa que transforma os sindicatos em uma arma destinada a fins externos (em particular como instrumento da burocracia stalinista e do imperialismo “democrático”) divide inevitavelmente a classe operária, a enfraquece e abre as portas à reação. Uma completa e honesta democracia no interior dos sindicatos é a condição mais importante para a democracia no país.
Para terminar, peço a você que transmita minha saudação fraternal aos operários da Argentina. Sei que eles não acreditam nas desagradáveis calúnias que os agentes stalinistas fazem circular no mundo sobre minha pessoa e sobre meus amigos. A luta da IV Internacional contra a burocracia stalinista é uma continuação da grande luta histórica dos oprimidos contra os opressores, dos explorados contra os exploradores. A revolução internacional libertará todos os oprimidos, inclusive os trabalhadores da URSS.




