O sítio La Izquierda Diario, versão em espanhol do congênere em português, publicou matéria, no dia 30 dezembro de 2024, no qual fica expressa a sua análise antimarxista da luta política no continente.
La Izquierda Diario é órgão do Partido de los Trabajadores Socialistas (PTS), da Argentina, cujo correspondente no Brasil consiste no Movimento Revolucionário dos Trabalhadores (MRT), grupo político que, por anos, tentou, sem sucesso, tornar-se corrente interna do PSOL. Tanto um como outro filiam-se a uma corrente política internacional que extrai seus princípios e baseia sua ação nos ensinamentos de Nahuel Moreno, um dos muitos revisionistas e deformadores do trotskismo, o marxismo do nosso tempo.
A análise da situação venezuelana, contida no artigo Llamados a los militares. Tensión política en Venezuela antes de la jura de Maduro (em tradução livre: Chamados aos militares. Tensão política na Venezuela antes da posse de Maduro), faz jus à tradição morenista, contendo de conjunto uma concepção centrista e, finalmente, pró-imperialista da luta política em curso.
O artigo procura mostrar como as duas principais forças políticas em luta na Venezuela, aquelas agrupadas em torno de Nicolás Maduro e aquelas centradas em torno de Maria Corina Machado e Edmundo González, buscam o apoio do setor militar para os seus propósitos. O fundamental aqui não é tanto a relação dessas forças com os militares, mas, sim, como os morenistas argentinos qualificam essas duas forças, questão-chave para a tomada de posição na situação política.
Seu posicionamento fica resumido no seguinte trecho:
“Os trabalhadores e o povo venezuelano enfrentam dois grandes inimigos dos seus interesses que lutam pelo poder. Maduro com a sua brutal política repressiva para impor a fraude e continuar a governar a partir de 10 de Janeiro, e do outro lado, a direita pró-imperialista com María Corina Machado, uma falsa democrata, uma conhecida conspiradora golpista que não se importa, por exemplo, com os presos por se manifestarem nos bairros. Embora Maduro seja quem está no governo, ambos os setores são responsáveis pela tragédia que o país vive .
“Perante a imposição de Maduro, onde se redobra o carácter repressivo autoritário, o sufocamento das liberdades democráticas, de um regime que oprime qualquer possibilidade de protesto social, de reivindicações, devemos enfrentá-lo com absoluta e total independência, confrontando também a direita pró-imperialista, que está à espreita para dar a sua saída reacionária.”
Para os morenistas, não há diferença de qualidade entre Maduro e Corina Machado. Ambos seriam pura e simplesmente candidatos “burgueses”, um “autoritário e repressivo”, o outro “golpista” e “pró-imperialista”, mas, ainda assim, candidatos “burgueses”. Por conta disso, num conflito entre ambos, a posição a ser adotada pelos trabalhadores seria a de nem um, nem outro ― nem Maduro, nem Corina Machado.
A posição do PTS argentino vai na contramão do ABC do marxismo. No texto Um Estado Não Operário e Não Burguês, de novembro de 1937, Trótski explicava a natureza da estrutura interna dos países de capitalismo atrasado:
“Nos países coloniais e semicoloniais, o regime interno tem um caráter principalmente burguês. Mas a pressão do imperialismo estrangeiro muda e altera de tal forma a estrutura econômica e política destes países, que a burguesia nacional (inclusive nos países politicamente independentes da América do Sul) não chega, mais do que parcialmente, à situação de classe dirigente. A pressão do imperialismo sobre os países atrasados não muda, na verdade, seu caráter social fundamental, já que o sujeito e o objeto da pressão não representam mais do que níveis diferentes do desenvolvimento de uma só e mesma sociedade burguesa. No entanto, a diferença entre Inglaterra e Índia, o Japão e a China, os EUA e México é tão grande, que estabelecemos uma rigorosa distinção entre os países burgueses opressores e oprimidos e consideramos nosso dever defender os segundos contra os primeiros. A burguesia dos países coloniais e semicoloniais representa uma classe semidirigente e semioprimida.”
A análise morenista simplesmente desconsidera a natureza particular dos países coloniais e semicoloniais, como a Venezuela. Desconsidera a existência de forças políticas que expressam os interesses da burguesia local e que dão origem ao nacionalismo burguês. Maduro (e antes dele, Chávez) na Venezuela, Lula no Brasil, Kirchner na Argentina, Morales na Bolívia, Ortega na Nicarágua, entre outros exemplos, são representantes dessa corrente política nos seus respectivos países.
Como Trótski explica, a pressão do imperialismo sobre tais países é tão poderosa que altera a sua estrutura econômica e política interna. O regime político dos países atrasados é, em grande medida, controlado pelo imperialismo estrangeiro por meio de suas ferramentas políticas forjadas localmente. A direita pró-imperialista é uma dessas principais ferramentas. É uma agência direta do imperialismo nos países atrasados. Corina Machado, como a própria matéria do PTS reconhece, é identificada como dirigente da direita pró-imperialista.
Ora, se Trótski está certo, então é necessário concluir que a luta entre Maduro e as forças nacionalistas, de um lado, e Corina Machado, Edmundo González e a direita pró-imperialista, de outro, não é senão a forma política pela qual se expressa a luta entre um país atrasado e oprimido ― a Venzuela ― e um país imperialista, opressor ― os EUA (e também as outras nações imperialistas). E o próprio Trótski, de maneira cristalina, declara que é dever dos marxistas, dos revolucionários proletários, defender os países atrasados contra os imperialistas. É a posição tradicional dos marxistas, consolidada pelas formulações teóricas de Lênin e Trótski.
O apagamento das diferenças entre as forças bolivarianas e a direita pró-imperialista só traz benefícios ao imperialismo. Num momento de ofensiva imperialista contra a Venezuela, defender a política de “Nem Maduro, Nem Machado e González” é o equivalente a ser cúmplice dessa ofensiva. Tal política confunde os trabalhadores e os desarma para enfrentar o seu inimigo principal. Quem defende essa política se submete ao imperialismo e se torna, consciente ou inconscientemente, em um de seus instrumentos para subjugar ainda mais os povos oprimidos.