O texto A urgência de um pacto social planetário, assinado por Leonardo Boff, e publicado no Brasil 247 nesta quinta-feira (10) é um texto de caráter religioso, que pensa o mundo a partir de bases irreais. No olho do artigo está escrito que “sem um pacto social global, a humanidade caminha para a autodestruição, alerta Leonardo Boff em defesa da Terra como Casa Comum”. Então, se a humanidade depende de um pacto, e ainda mais que seja global, estamos definitivamente perdidos.
Logo no primeiro parágrafo, Boff escreve que “reinam demasiada inconsciência e profundo negacionismo no mundo, tão graves que podem custar nossa vida neste planeta. O fato é que estamos numa nova fase da Terra e da humanidade: a fase da irrupção da Casa Comum. A Covid-19 nos deu uma lição que ainda não aprendemos: ela não respeitou os limites e as soberanias das nações. Mostrou que há uma única Casa Comum e que pode ser toda ela afetada. Mas não tiramos nenhuma lição desse fato”.
É preciso dizer que chamar a Tera de nossa casa comum nunca comoveu ninguém. A promessa de que o fim está próximo, tão comum nas pregações religiosas, também não comovem. Enquanto isso a Covid-19 nos ensinou muita coisa, por exemplo, de que, em tempos de catástrofes, os governos se aproveitam para apertar ainda mais o sapato sobre o pescoço da população.
Segundo Boff, “Antonio Gramsci, o grande teórico da política: a história nos dá lições, mas ela quase não tem alunos. Pouquíssimos frequentaram essa escola, e os mais omissos foram — e são — os poderosos deste mundo, pensando mais em suas economias do que em salvar a vida humana e a da natureza”. Já se sabia disso muito antes de Gramsci. No Novo Testamento, por exemplo, há uma passagem de São Mateus, sobre o Sermão da Montanha, que diz “Por onde estiver o teu tesouro, aí estará o teu coração”.
Os antigos já sabiam que o que move a humanidade são os interesses. Marx e Engels, já não tão antigos, mas também anteriores a Gramsci, escreveram no famoso Manifesto Comunista que a “a História de todas as sociedades até hoje é a história da luta de classes”. Essa frase, além da genialidade, deixa claro que não existe a possibilidade de um pacto, de um Contrato Social, como pretende Boff, pois os interesses são irreconciliáveis.
Idealismo
Boff escreve que “é urgentíssimo fazermos um pacto social mundial planetário, como fizemos o pacto social de nossas sociedades e aquele de Westfália: um pacto cujo fim seja a salvaguarda da vida e da biosfera, ameaçadíssimas pela razão que enlouqueceu, pois criou os instrumentos de sua própria autodestruição. É imperativo um centro plural, democrático, representando os povos da Terra para administrar os problemas planetários e da natureza e encontrar, democraticamente, uma solução para nós e para a natureza. Isso ficou claro no encontro dos BRICS no Rio, nos dias 6 e 7 de julho”.
Há mais de dois séculos, Immanuel Kant escreveu em sua obra À Paz Perpétua que “nenhum tratado de paz deve ser considerado válido se tiver sido feito com a reserva secreta de matéria para uma guerra futura”. Em outras palavras, Kant está dizendo que tratados de paz ou armistícios que apenas suspendem temporariamente o conflito, mantendo intactas as causas da guerra ou com a intenção velada de retomá-la mais tarde, não são verdadeiros instrumentos de paz, mas sim meros intervalos entre guerras.
A “paz de Westfália” pode ter encerrado a Guerra dos Trinta Anos (1618-1648), e à Guerra dos Oitenta Anos (1568–1648), mas de lá para cá os conflitos nunca cessaram. Já tivemos duas guerras mundiais e caminhamos a passos largos para uma terceira, pois o imperialismo, a ala principal da burguesia, assim o quer.
Leonardo Boff faz uma série de considerações, que são bonitas, mas não surtem efeito na luta de classes. Escreve, por exemplo, que “a Terra e a humanidade são parte de um vasto universo em evolução e possuem o mesmo destino. A Terra forma com a humanidade uma única entidade complexa e sagrada, o que se torna claro quando é vista do espaço exterior”.
E completa dizendo que “a Terra é viva e se comporta como um único sistema autorregulado, formado por componentes físicos, químicos, biológicos e humanos que a tornam propícia à produção e reprodução da vida e que, por isso, é nossa Grande Mãe e nosso Lar Comum”.
Nada disso, infelizmente, será capaz de comover o coração de uma classe social que quer abocanhar todos os mercados, todas as riquezas do planeta, e não ficará satisfeita enquanto não conseguir esse feito. O imperialismo é movido por uma necessidade, sabe que sem isso, sem dominar tudo, deixará de existir.
Pactos sociais
Boff escreve que “a consciência da gravidade da situação crítica da Terra e da humanidade torna imprescindíveis mudanças nas mentes (cuidar da Terra como Gaia) e nos corações (estabelecer um laço afetivo e cordial com todos os seres), e forjar uma coalizão de forças em torno de valores comuns e princípios inspiradores que sirvam de fundamento ético e de estímulo para práticas que busquem um modo sustentável de vida”. É poético, mas a vida é dura, e não é assim que as coisas funcionam.
Nunca foi assinado um “contrato social”, a humanidade sempre viveu lutando. Para que se assine um contrato, seria preciso que as partes que o assinassem tivessem liberdade para fazê-lo, e isso é impossível em um mundo dividido em classes.
A vida como se sabe, é uma relação dialética; as tomadas de consciência só podem ser resultado da ação prática da humanidade. As pessoas transformam o mundo e por ele são transformadas, é impossível que haja um momento no qual todos param e tomam uma decisão racional para o bem geral.
Diante disso, é preciso dizer que a única solução real, para tudo isso que Leonardo Boff propõe, embora ele não diga, é uma revolução socialista. A classe trabalhadora terá que esmagar a burguesia, expropriá-la, impor uma ditadura do proletariado e abrir caminho para uma humanidade livre das classes sociais.
Até que isso aconteça, de nada serve uma visão religiosa, idealista. O mundo igualitário tem que ser construído, e vai, pela força da classe trabalhadora, que detém essa missão histórica.



