Brasil

A lição da ‘crise do Pix’ é: deixem o bolso do povo em paz

Independente de qualquer estratégia de marketing mirabolante, a política econômica comandada por Haddad e Tebet é um desastre

Em artigo intitulado Lições para o governo na ‘crise do PIX’ e publicado no Brasil 247 no último dia 19, o articulista do portal Jeferson Miola comenta a derrota monumental sofrida pelo governo para a extrema direita no caso da fiscalização do Pix, denunciada primeiro pelo Partido da Causa Operária (PCO) e, depois, pelo parlamentar bolsonarista Nikolas Ferreira (PL-MG), que, reproduzindo as críticas do PCO, produziu um vídeo com centenas de milhões de visualizações, batendo o recorde histórico de visualizações na rede social Instagram. Diz Miola em seu artigo que:

“Analisar o ocorrido e revisar os erros cometidos é condição essencial para o governo reparar os danos sofridos e construir um marco de referência do seu funcionamento neste contexto de florescimento duma extrema-direita mentirosa e criminosa e fortalecida por bilionários fascistas e/ou sem compromissos com a democracia que são donos das big techs.”

Tudo muito bem dito, porém, Miola insiste na tese recorrente da esquerda de que a grande falha teria se dado na comunicação. Isso fica expressamente dito no parágrafo abaixo:

“O lado promissor desta crise é que ocorre em meio à mudança na comunicação do Planalto, e por isso poderá servir de ‘estudo de caso’ para o governo ajustar tanto suas estratégias comunicacionais como seu funcionamento e postura política de enfrentamento ao gangsterismo extremista.”

Por fim, reforçando sua posição, o autor critica o ministro da Fazenda Fernando Haddad, autor de uma analogia que é uma verdadeira pérola:

“Comparando a mentira [grifo nosso] a um vírus, Haddad minimizou as falhas do governo [entrevista CNN, 17/1]. ‘Você só consegue produzir a vacina depois de conhecer o vírus. Você não consegue produzir a vacina para um vírus que você não conhece’, ele disse, dando a entender que a crise seria de todo modo inevitável.

Essa comparação só seria inteiramente válida, entretanto, se não tivessem existido sinais e sintomas óbvios da ação do ‘vírus da mentira’ nas plataformas da internet. Contudo, não foi assim que aconteceu – o processo de disseminação da mentira [a ‘transmissão viral’] não foi assintomático.”

A crítica de Miola ao “mais tucano dos petistas” carece, porém, de profundidade. Não é que um “vírus” começou a circular aleatoriamente, ele foi produzido pela própria equipe econômica, liderada por Haddad e pela ministra do Planejamento, a golpista Simone Tebet (MDB), estrategicamente escondida dos holofotes nada elogiosos da crise. Com isso claro, a crítica correta à forma estabanada como Haddad procurou se desculpar é “não era mais fácil, não ter feito a bobagem?”

O próprio autor trata como banal o fato de a Instrução Normativa (IN) que instituía a fiscalização sobre as movimentações financeiras ter sido criada e chega mesmo a mirar certo na crítica, ao criticar a forma burocrática como a questão foi tratada, mas, novamente, no campo da comunicação:

“Não é razoável que as áreas de monitoramento da conjuntura e de inteligência pelo menos dos ministérios da Fazenda, da Comunicação e da Casa Civil não tenham identificado a tempo a evolução do fenômeno, o que permitiria ao governo organizar uma contraofensiva eficaz com a realização de campanha publicitária para o esclarecimento da população, a convocação de cadeia de rádio e TV para denunciar a mentira e seus autores, a requisição de investigação policial e a propositura de ações judiciais.

(…)

A prevalência das tecnocracias sobre a política é outra dimensão do problema criado.”

Como se vê, porém, o autor pede “investigação” e “ações judiciais” contra opositores da medida, que também é uma maneira truculenta e profundamente burocrática, ou “tecnocrata”, para usar a palavra de Miola. Ignorar, porém, o ambiente político, o desgaste provocado pela política neoliberal de Haddad e Tebet é, em si, um método burocrático de resolver um problema que por sinal, não é do povo, mas dos ministros rapaces serviçais dos banqueiros.

Vamos supor, por outro lado, que, se no lugar de fazer a IN o governo faz… nada? Sem uma tentativa francamente estúpida de fiscalizar movimentações em Pix (para olhar apenas?), absolutamente nenhum dos eventos subsequentes teriam acontecido. Não se trata, portanto, de calibrar a comunicação, mas de ter sensibilidade para as duras condições de vida que os trabalhadores brasileiros enfrentam e não fazer coisas idiotas como assaltar o bolso da população.

Mesmo a melhor, mais criativa e cheia de iniciativas equipe de comunicação do planeta fracassaria nessa conjuntura porque, ao contrário do que um setor da esquerda pensa, o povo não é gado. Não adianta uma propaganda que se choque com a realidade porque no final, a realidade se impõe. Isso, no entanto, é completamente ignorado por Miola, tornando sua crítica superficial.

A grande lição a ser tirada do “estudo de caso” proposto é que a política econômica comandada por Haddad e Tebet é um desastre, sendo agora uma ameaça ao governo Lula. Independente de qualquer estratégia de marketing mirabolante, sem uma reversão da política geral e a cabeça dos dois principais ministros da equipe econômica, o governo não fará mais do que falar às paredes.

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