Em artigo publicado no dia 11 de fevereiro pelo Poder 360, Roberto Livianu, procurador de Justiça, afirma, logo em seu título, que “Reduzir a inelegibilidade de 8 para 2 anos é acinte ao povo”. O texto debate a inconstitucional Lei da Ficha Limpa, que hoje é capaz de tornar políticos inelegíveis por 8 anos, mas que agora pode ter a sua pena reduzida.
O texto começa com um verdadeiro golpe na praça:
“Congresso Nacional é o foro legítimo para debater projetos de lei, inspirados obviamente no princípio da prevalência do interesse público. Proposições que procurem resolver os problemas da população, já que mais de 40% não tem acesso ao saneamento básico, já que milhões vivem a realidade da insegurança alimentar e desigualdade social de conhecimento notório. São inúmeras as pesquisas que nos mostram que os brasileiros se preocupam muito com o fato de que os detentores do poder aqui fazem uso do poder visando o autobenefício.”
Ora, mas o debate sobre a inelegibilidade não é um assunto de interesse exclusivo dos parlamentares. Pelo contrário: ela diz respeito a todos os cidadãos brasileiros.
A Lei da Ficha Limpa estabelece que pessoas que tenham sido condenadas não possam ocupar cargos públicos no Executivo ou no Legislativo. No entanto, para alguém ser condenado, essa pessoa não precisa ter sido deputado. Na verdade, se a pessoa já é um parlamentar, mais chances terá de escapar de uma condenação.
Os maiores alvos de uma lei arbitrária como a da Ficha Limpa são justamente as pessoas que não são parte do regime político. São aquelas pessoas que não têm as “costas quentes” e que, por isso, podem ser facilmente impedidas de concorrer a um cargo público. O debate sobre a inelegibilidade, portanto, longe de ser um debate “corporativista”, é um debate sobre as garantias democráticas da população contra um Estado com grande potencial para perseguir as pessoas.
O texto continua, então, com outro engodo:
Vale sempre enfatizar que pouquíssimas leis aqui nascem oriundas de projetos de iniciativa popular –uma destas raridades é a Lei da Ficha Limpa (que demorou 14 anos para colher um 1,6 milhão de assinaturas), que visa a tirar da urna eletrônica e afastar os maus políticos. Seu principal instrumento é a inelegibilidade por 8 anos, entendeu-se pela constitucionalidade e decidiu-se, no Supremo Tribunal Federal, que a pena a deve ser aplicada após ela se tornar definitiva, não cabendo mais recurso.
Que o projeto tenha surgido de uma “iniciativa popular”, isso não quer dizer nada. Não é difícil que um projeto apoiado pela grande imprensa alcance 1,6 milhão de assinaturas. Afinal, a mesma grande imprensa foi capaz de organizar manifestações grandes, com dezenas de milhares de pessoas, pedindo a derrubada do governo de Dilma Rousseff. Reunir 1,6 milhão de pessoas para assinar uma lei não é algo tão complexo, quando a classe dominante é a maior interessada.
A tal da iniciativa popular, neste caso, é bastante enganosa. O projeto não foi produto de um amplo debate nos sindicatos e no movimento popular, não foi discutido e votado em assembleias de trabalhadores. Trata-se de um projeto promovido pela rede Globo.
Independentemente de ter sido uma iniciativa popular ou não, o projeto é inconstitucional, pois ela impede que cidadãos escolham livremente seus representantes. Ela atinge um dos pilares do regime pretensamente democrático, uma vez que retira do povo o poder de escolher aqueles que irão lhe representar.
A intromissão do Supremo Tribunal Federal (STF) só piora as coisas. Só demonstra que a lei é de fato inconstitucional. Se ela fosse constitucional, bastaria que seus defensores apresentassem os artigos da Constituição Federal que permitem que candidatos sejam cassados por causa de condenações comuns. Na falta de tais artigos, uma carteirada: os brilhantes ministros do STF disseram que é constitucional!
Após falar muito e não conseguir provar nada sobre o caráter supostamente constitucional da lei, o autor conclui o texto revoltado contra aqueles que tentam diminuir a pena da Ficha Limpa para dois anos:
“O PL de Bibo Nunes é ato abusivo no campo legislativo, verdadeiro acinte, verdadeiro gesto de escárnio ao povo. Equivaleria a condenar um assaltante de banco à pena de cestas básicas ou um latrocida à prestação de serviços à comunidade. Penas ineficazes. No caso específico de Bolsonaro, condenado pela Justiça por abuso de poder político, desafia-se obviamente o Judiciário. Este projeto representa afronta escancarada ao princípio constitucional da separação de poderes.”
O que poderia ser dito sobre a ideia de reduzir a pena é que ela é muito insuficiente. Afinal, sendo a Lei da Ficha Limpa uma aberração, ela deveria simplesmente ser anulada e todos aqueles punidos por ela, absolvidos. No entanto, uma medida que busque minimizar o seu impacto é bem-vinda, uma vez que diminuirá a capacidade do Estado de perseguir cidadãos.
Essa ideia não afronta a “separação de poderes”. Pelo contrário, ela tenta diminuir a interferência cada vez maior do Judiciário no Legislativo e, portanto, no voto popular.