Pela primeira vez, um filme brasileiro foi agraciado com um Óscar, e o filme escolhido, Ainda estamos aqui, de Walter Moreira Salles, está sendo festejado como um marco cultural e político por setores da esquerda pequeno-burguesa, como o sociólogo petista Emir Sader, que, ao portal de esquerda Brasil 247, escreveu o artigo intitulado A importância do Oscar ganho pelo Brasil. Ao contrário do que Sader e seus pares tentam apresentar, porém, esse prêmio não é uma vitória do povo brasileiro ou uma celebração da memória contra a Ditadura Militar (1964-1985).
Trata-se, isso sim, de uma peça sofisticada de propaganda do imperialismo norte-americano, destinada a disciplinar o campo político no País, arrastar a esquerda para os braços de uma direita dita “democrática” e, ao mesmo tempo, apagar as responsabilidades históricas do mesmo setor que orquestrou o golpe de 1964, a Ditadura Militar que se seguiu e, mais recentemente, o golpe de 2016 contra Dilma Rousseff, culminando na ascensão de Jair Bolsonaro. Emir Sader, em seu texto, diz: “o Brasil ser premiado com um Oscar por um filme como esse significa recordar para as novas gerações de brasileiros o que foi a ditadura, quais foram seus métodos de repressão.” Aqui começa o malabarismo ideológico.
O filme, ao retratar o drama de uma viúva em busca do destino de seu marido desaparecido, não busca justiça ou verdade histórica, mas sim enaltecer uma propaganda voltada ao ataque contra a extrema direita, que, em primeiro lugar, serve aos interesses dos monopólios norte-americanos.
Esses mesmos monopólios, representados pela indústria cinematográfica de Hollywood e seus braços no Brasil, como a Globo Filmes, foram os arquitetos do golpe de 1964, que instaurou 21 anos de um regime de terror no País, atendendo prioritariamente aos interesses econômicos e políticos dps EUA.
Não há novidade nisso: a Ditadura Militar foi um projeto imperialista para derrotar a herança das revoluções da década de 1930, aprofundando a submissão do Brasil aos EUA e esmagando a classe trabalhadora. O Óscar de Ainda estamos aqui é a continuação dessa mesma política, agora sob o verniz da “arte” e da “democracia”.
A conexão entre o passado e o presente é cristalina. O setor de ponta da burguesia norte-americana, que financiou e organizou o golpe de 1964, é o mesmo que, em 2016, articulou a derrubada de Dilma Rousseff, com o apoio decisivo da Globo e de figuras como Walter Moreira Salles, ligado ao grande capital financeiro via Banco Itaú. Esse golpe, que abriu caminho para a prisão arbitrária de Lula em 2018 — um novo golpe de Estado que o impediu de concorrer às eleições e pavimentou a vitória de Bolsonaro —, foi mais uma vez uma jogada imperialista para manter o Brasil sob controle. O que o filme faz, ao ser premiado pelo Óscar, é tentar reescrever essa história: apresentar o imperialismo e seus aliados locais como defensores da “democracia” contra a extrema direita bolsonarista, quando, na realidade, foram eles os responsáveis por criar as condições para o ressurgimento dessa extrema direita.
Todo o entusiasmo de Sader e da esquerda pequeno-burguesa por Ainda estamos aqui pela conquista do Oscar não é uma celebração da verdade, mas a distorção da mesma, feito sob para legitimar a direita “civilizada” — a mesma que tomou a frente do golpe de 2016 e que hoje posa de “democrática” enquanto defende censura, ataques aos direitos políticos e ainda, mantém milhares de manifestantes do 8 de Janeiroo.
Através de sua máquina cultural, como o Oscar, a ação do age por acaso. Se em 1964 ele implantou a Ditadura para esmagar qualquer resistência ao seu domínio econômico, em 2016 ele voltou a intervir, derrubando Dilma e encarcerando Lula, para impedir que o Brasil escapasse de sua órbita. Bolsonaro, longe de ser um inimigo do imperialismo, é um subproduto desse processo: um fantoche útil que emergiu da crise política fabricada pelos monopólios e seus lacaios locais.
Agora, com a extrema direita desgastada, o imperialismo busca disciplinar o campo político, cooptando a esquerda para uma aliança com setores da direita tradicional — os mesmos que Sader, em sua cegueira pequeno-burguesa, aplaude ao enaltecer o filme. Ainda Estamos Aqui é a ferramenta perfeita para essa operação: um cavalo de Troia que, sob o pretexto de denunciar a Ditadura, glorifica os carrascos de ontem e de hoje.
Sader ainda celebra: “O Brasil é outro país desde o surgimento desse filme e seu sucesso nacional e internacional.” Não, Emir, o Brasil não é outro País. O País segue sendo o mesmo: refém do imperialismo, que usa o cinema e eventos como o Oscar para perpetuar sua dominação. O sucesso do filme não representa uma vitória cultural ou política do povo brasileiro, mas sim a vitória de uma propaganda que engana a esquerda e a arrasta para os braços de seus piores inimigos. Enquanto Sader e seus colegas se emocionam com as lágrimas de Fernanda Torres no desfile de Carnaval, o imperialismo ri por último, sabendo que mais uma vez conseguiu transformar a luta do povo em um instrumento de sua própria agenda.
Portanto, o Óscar de Melhor Filme estrangeiro concedido a Ainda estamos aqui não é motivo de orgulho, mas de alerta. É a prova de que o imperialismo, com sua máquina de Hollywood e seus aliados no Brasil, segue no comando, manipulando a história e a cultura para manter o País sob seu jugo.
A esquerda que aplaude essa obra não percebe — ou finge não perceber — que está aplaudindo o chicote que a açoita. O verdadeiro inimigo não é apenas Bolsonaro, mas o sistema imperialista que o criou o ex-capitão e que agora, com filmes como esse, busca apagar suas pegadas enquanto posa de salvador da “democracia”. Uma ilusão que Sader ajuda a difundir.