O pai do novo regime jurídico brasileiro, Alexandre de Moraes, decidiu abandonar sua própria doutrina e defender algo que estava fora de moda – a Lei. Relator dos julgamentos da chamada “trama golpista”, Moraes acaba de absolver o general Estevam Cals Theophilo Gaspar de Oliveira. Esta é a primeira vez que o ministro absolve alguém nos julgamentos da tal trama.
Em seu voto, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) destacou que as duas únicas provas contra o general vieram da colaboração do ex-ajudante de ordens Mauro Cid e de mensagens que estavam em seu celular. Isto é, que não havia prova para condenar o militar.
Moraes fez o óbvio. Se não há prova, não há crime. Se não há crime, não há condenação. O esperado de qualquer juiz é que o general fosse, de fato, absolvido.
Mas por que Moraes não absolveu os outros nove réus que estavam no mesmo julgamento que Estevam Theophilo? Por que Moraes não absolveu Jair Bolsonaro (PL), o general Walter Braga Netto e outros tantos aliados do ex-presidente?
Aquilo que foi levantado por Moraes no caso de Estevam Theophilo não é mero acessório no processo da “trama golpista”. A base de toda a denúncia é a delação de Mauro Cid. Uma delação que, conforme um vídeo divulgado pelo próprio Moraes, foi obtida sob coação.
A própria ideia de uma “trama golpista” se choca com qualquer ideia de um Estado de Direito. A base da condenação de Bolsonaro e seus aliados está não na demonstração cabal de que eles praticaram ações consideradas ilegais pela Lei brasileira, mas sim porque, de acordo com a história contada por Cid, eles seriam parte de um grupo cujo objetivo seria cometer um crime.
Se Moraes absolveu Estevam Theophilo, ele deveria absolver todo mundo. No entanto, fica a questão: por que absolver o general? Será que Moraes, depois de anos praticando todo tipo de ilegalidade, desde o banimento de pessoas das redes sociais à perseguição de parlamentares, agora se deu conta de que o que faz é ilegal?
É que existem generais e generais. Há generais nos quais Moraes pode tocar – como é o caso de Braga Netto. Mesmo nestes casos, que são de generais com pouca influência na cúpula das Forças Armadas, a condenação só foi possível porque havia uma forte pressão do imperialismo a favor do STF. Afinal, a condenação de um militar, ainda que bolsonarista, desmoraliza a instituição mais poderosa da República.
Há generais, por outro lado, nos quais o Judiciário não pode tocar. É o caso de Estevam Theophilo. De acordo com a colunista Carla Araújo, do portal UOL/Folha de S.Paulo, Moraes foi convidado, na véspera do julgamento, para um encontro com o comandante do Exército, general Tomás Paiva, e o ministro da Defesa, José Múcio. Na conversa, disse a colunista, “Tomás Paiva salientou a Moraes que as instalações militares estão à disposição e que será preciso ser preservada a dignidade dos colegas de fardas”.
Os militares impuseram um limite a Moraes. E o ministro, que até ontem era o destemido caçador de fascistas e golpistas, mostrou que não resiste a um puxãozinho de orelha de um milico.
A atitude de Moraes, ao mesmo tempo em que revela a sua covardia, também expõe a sua farsa. Os condenados pelo ministro são perseguidos políticos, e só foram condenados porque não têm as costas suficientemente quentes.




