Polêmica

A farsa da ‘democracia’ na política interna e na política externa

Parte da esquerda segue defendendo a aliança com o imperialismo internacionalmente e com o “centrão” nacionalmente, mesmo com a falência dessa política

Em matéria publicada pelo Brasil 247, o assessor da liderança do PT no Senado Marcelo Zero propõe alianças com os setores mais reacionários da direita, tanto nacional quanto internacionalmente. Sociólogo e dito especialista em Relações Internacionais, apresentou a ideia sob o título de Democracia externa e interna estão sob ataque. Hora de voltar a congregar as forças democráticas. No subtítulo, já dá a entender que se trataria de uma proposta nacionalista: “chegou a hora de mostrar a diferença entre quem veste a camisa da CBF e quem realmente defende o Brasil”.

Zero inicia sua argumentação opondo a ideia de “democracia externa” ao governo de Donald Trump nos Estados Unidos. Cita como exemplos de ações negativas do que chama de “cometa político de mau agouro” o abandono que Trump tenta impor a órgãos que reúnem os países imperialistas, como a Organização Mundial de Saúde, o Conselho de Direitos Humanos da ONU e até, pasmem, sua política de desinvestimento na OTAN: “Trump passou a batata quente da Otan para os países europeus”. Então, em oposição a isso, uma política de fortalecimento dessa “democracia externa” seria seguir como o governo Biden e avançar no sentido de uma guerra aberta dos países imperialistas contra a Rússia no fronte ucraniano?

O sociólogo lamenta também o desinvestimento na rede de ONGs que espalham “democracia” e “ajuda” mundo afora: “seu antiglobalismo raso já o fez extinguir praticamente toda a ajuda internacional que os EUA enviavam para países mais pobres”. Ora, os Estados Unidos então, ao invés de serem os principais causadores da miséria mundial, seriam os bons samaritanos, que ajudam os famintos do mundo. Como é possível que afegãos, palestinos, iraquianos e tantos outros povos não reconheçam essa benevolência do Tio Sam? Seriam povos ingratos? Ou povos antidemocráticos?

Agora, no sentido da “democracia interna”, Zero analisa que quem trabalha para inviabilizar uma reeleição de Lula em 2026 seriam “as forças simiescas do Bolsonarismo e dos seus aliados”. Uma ideia muito sensata, caso o bolsonarismo controlasse o monopólio das comunicações, o STF e até a cúpula militar. Seria a Rede Globo uma expressão do bolsonarismo ou um aliado da “democracia” e portanto do governo Lula? Essa confusão se reflete em diversos setores da esquerda, que aceitaram a versão da imprensa golpista que usa Bolsonaro como um espantalho político.

A matéria até lembra da possibilidade de candidaturas alternativas na direita, como Tarcísio ou Zema, mas ignora que tirando Bolsonaro e desgastando Lula, a burguesia pode impor qualquer outro político desconhecido para cumprir esse papel. Além disso, associa Tarcísio e Zema necessariamente ao “neofascismo” que seria o bolsonarismo, ignorando dessa vez que ambos são muito mais palatáveis para a burguesia do que Bolsonaro. Ao contrário do ex-presidente, ambos são figuras artificiais, sem qualquer base popular. Ou seja, figuras sem poder para além do que a burguesia as conceder. Lula e Bolsonaro não se enquadram o suficiente nesse esquema.

A solução política para defender esse combo de “democracia externa e interna” está resumido no parágrafo a seguir:

“Trump só será contido, no plano externo, com uma ampla aliança de países democráticos e independentes e, no plano interno, com uma aliança entre Democratas, Independentes e Republicanos moderados (sim, ainda restam alguns)”.

Vamos tentar decifrar as coordenadas políticas implicadas nessa receita “democrática”. Em primeiro lugar, fica claro que por “países democráticos” o autor quer dizer “países imperialistas”. Seriam eles, França, Alemanha, Inglaterra, Japão, Itália e por aí vai. Países que avalizaram todas as loucuras antidemocráticas dos Estados Unidos ao longo dos séculos XX e XXI, como a destruição do Iraque e toda sequência de golpes de Estado organizados pelos serviços de inteligência do imperialismo. Diga-se de passagem que os próprios Estados Unidos podem fazer parte desses “países democráticos”. No cenário atual, bastaria que no governo federal estivesse o Partido Democrata. O mesmo que governava durante o golpe que derrubou Dilma em 2016 e que financiou apaixonadamente a mais recente etapa do genocídio palestino.

Agora, por países “independentes” fica difícil entender quem seriam. Finalmente, apenas os países imperialistas conseguem graus maiores de independência política e mesmo assim limitados dentro das suas disputas interimperialistas. Por exemplo, a guerra na Ucrânia foi praticamente imposta pelos Estados Unidos ao imperialismo europeu. As palavras vazadas da diplomata Victoria Nuland enquanto discutia a intervenção norte-americana que derrubou o governo ucraniano em 2014, mostra essa limitação. Ao ser questionada sobre o que a União Europeia (UE) acharia da operação, ela disparou “foda-se a UE”.

No cenário interno, fica até mais confuso. Afinal quem seriam os “democratas, independentes e republicanos moderados”? Levando em consideração o mesmo critério da política externa, ou seja, quem se opõe em qualquer assunto à política de Trump é democrata, aqui no Brasil qualquer adversário de Bolsonaro, mesmo que ocasional, seria um “democrata”. Aí entram, por exemplo, o ditador de toga Alexandre de Moraes e partidos falidos da direita como o PSDB, MDB e até o PSD, que oficialmente faz parte do governo Lula. O grupo de partidos chamado comumente de “centrão”, aqueles envolvidos em absolutamente todos os governos pós-ditadura, e que abrigaram os políticos da ditadura que seguiram na política eleitoral.

Repetir a fórmula que mantém o atual governo Lula de mãos amarradas não pode ser levado a sério. Um governo que não governa e ficou marcado junto à população como um profundo defensor das taxas e impostos justamente por conta dos compromissos assumidos junto aos tais “democratas”. Além de afastar cada vez mais o eleitorado popular, qual o sentido de querer mais um governo nesses mesmos moldes?

Gostou do artigo? Faça uma doação!

Rolar para cima

Apoie um jornal vermelho, revolucionário e independente

Em tempos em que a burguesia tenta apagar as linhas que separam a direita da esquerda, os golpistas dos lutadores contra o golpe; em tempos em que a burguesia tenta substituir o vermelho pelo verde e amarelo nas ruas e infiltrar verdadeiros inimigos do povo dentro do movimento popular, o Diário Causa Operária se coloca na linha de frente do enfrentamento contra tudo isso. 

Diferentemente de outros portais , mesmo os progressistas, você não verá anúncios de empresas aqui. Não temos financiamento ou qualquer patrocínio dos grandes capitalistas. Isso porque entre nós e eles existe uma incompatibilidade absoluta — são os nossos inimigos. 

Estamos comprometidos incondicionalmente com a defesa dos interesses dos trabalhadores, do povo pobre e oprimido. Somos um jornal classista, aberto e gratuito, e queremos continuar assim. Se já houve um momento para contribuir com o DCO, este momento é agora. ; Qualquer contribuição, grande ou pequena, faz tremenda diferença. Apoie o DCO com doações a partir de R$ 20,00 . Obrigado.

Apoie um jornal vermelho, revolucionário e independente

Em tempos em que a burguesia tenta apagar as linhas que separam a direita da esquerda, os golpistas dos lutadores contra o golpe; em tempos em que a burguesia tenta substituir o vermelho pelo verde e amarelo nas ruas e infiltrar verdadeiros inimigos do povo dentro do movimento popular, o Diário Causa Operária se coloca na linha de frente do enfrentamento contra tudo isso. 

Diferentemente de outros portais , mesmo os progressistas, você não verá anúncios de empresas aqui. Não temos financiamento ou qualquer patrocínio dos grandes capitalistas. Isso porque entre nós e eles existe uma incompatibilidade absoluta — são os nossos inimigos. 

Estamos comprometidos incondicionalmente com a defesa dos interesses dos trabalhadores, do povo pobre e oprimido. Somos um jornal classista, aberto e gratuito, e queremos continuar assim. Se já houve um momento para contribuir com o DCO, este momento é agora. ; Qualquer contribuição, grande ou pequena, faz tremenda diferença. Apoie o DCO com doações a partir de R$ 20,00 . Obrigado.

Quero saber mais antes de contribuir

 

Apoie um jornal vermelho, revolucionário e independente

Em tempos em que a burguesia tenta apagar as linhas que separam a direita da esquerda, os golpistas dos lutadores contra o golpe; em tempos em que a burguesia tenta substituir o vermelho pelo verde e amarelo nas ruas e infiltrar verdadeiros inimigos do povo dentro do movimento popular, o Diário Causa Operária se coloca na linha de frente do enfrentamento contra tudo isso. 

Se já houve um momento para contribuir com o DCO, este momento é agora. ; Qualquer contribuição, grande ou pequena, faz tremenda diferença. Apoie o DCO com doações a partir de R$ 20,00 . Obrigado.