No delirante artigo A maior crise da história nas relações entre Brasil e Estados Unidos, um tal de Israel Dutra, que se diz “sociólogo” e membro da Direção Nacional do Partido Socialismo e Liberdade (PSOL), apresenta a tese, já contida no título, de que o “tarifaço” de Donald Trump e a aplicação da Lei Magnitsky seriam um evento inédito na política brasileira.
“O Itamaraty não deixou lugar a dúvidas ao definir como a maior crise de nossa história no que tange as relações entre o Brasil e os Estados Unidos.”
É uma piada. Dutra poderia ignorar o histórico de relações entre o Brasil e o Quênia — embora fosse de bom tom pesquisar sobre o assunto, caso o artigo fosse sobre isso. Já seria muito ignorante se não conhecesse as relações entre o Brasil e a Alemanha. Mas ignorar o papel criminoso dos Estados Unidos na história recente do Brasil já é pura canalhice.
Por acaso Dutra não sabe que os Estados Unidos apoiaram e coordenaram o golpe militar de 1964, conforme documentos da própria CIA? Isso sim foi uma “crise histórica”: instalou uma ditadura militar que assassinou, torturou e cassou direitos políticos por 21 anos. Após o famoso discurso de presidente João Goulart no Comício da Central do Brasil em 13 de março de 1964, no qual defendeu as reformas de base, incluindo reforma agrária, encampação de refinarias privadas e controle de capitais estrangeiros, o presidente foi chamado de “ameaça comunista” por jornais e políticos ligados aos interesses norte-americanos.
Em que mundo Israel Dutra estava quando Edward Snowden denunciou, com provas, que os Estados Unidos espionou a presidenta Dilma, a Petrobras, o Ministério de Minas e Energia e diplomatas brasileiros em 2013, usando a NSA — espionagem industrial e política pura.
O dirigente nacional do PSOL também não sabe que os Estados Unidos comandaram diretamente a Operação Lava Jato, como a Vaza Jato revelou?
Mas para Dutra, o que realmente marca a “maior crise” da relação é um tarifaço — parcialmente amenizado! — sobre o suco de laranja e o café.
Dutra escreve que “o governo cresce quando afirma a soberania nacional” e que “a coesão social foi recomposta”. Aonde apareceu essa coesão social? O governo por acaso chamou atos de rua? O povo foi mobilizado para defender os interesses nacionais?
A verdade é que o governo brasileiro está negociando para minimizar os impactos — a começar pela própria “desidratação” do tarifaço. Aliás, o próprio autor admite isso ao dizer: “Trump postergou em alguns dias a entrada em vigor do tarifaço e abriu quase 700 casos de exceção.” Como é possível chamar de “a maior crise da história” uma crise que nem foi aplicada integralmente? E como é possível levar a sério o que diz o Itamaraty quando ele está negociando com os responsáveis pela ingerência estrangeira?
O que este artigo de Dutra escancara é o problema de fundo da esquerda pequeno-burguesa brasileira: ela está tão integrada à ordem imperialista que já não reconhece mais o imperialismo quando ele se manifesta no presente e “esquece” de todas as suas ações nefastas na história. Essa esquerda ignora todos os momentos realmente graves de ataque imperialista do Brasil: o golpe de 1964, a destruição das estatais, a espionagem da Petrobras, o desmonte da indústria nacional etc.





