Boa parte da esquerda brasileira adotou um pensamento religioso, acredita que instituições do Estado burguês está aí para combater crimes e golpes. É o que mostra o artigo Prisão de Bolsonaro dá voz aos mortos da Covid e da ditadura, de Reimont Otoni, pubicado no Brasil247 nesta segunda-feira (24).
O Supremo Tribunal Federal (STF) mandou prender Jair Bolsonaro. No entanto, essa corte que se intromete em todos os poderes da República fez o que durante a pandemia? Exigiu a quebra das patentes das vacinas? Obrigou os estados a fazerem testagem em massa? Ameaçou as empresas de transporte por reduzirem as frotas e andarem com veículos lotados? Não!
A única coisa que essa corte fez foi instaurar um inquérito para lá de irregular, tanto que tinha até nome em outro idioma: fake news. As pessoas estavam proibidas de duvidar das vacinas, era crime, e o tempo provou que o melhor a ser feito teria sido mesmo duvidar. A censura erra sempre.
Quanto aos golpes, a coisa é ainda pior. O STF em 1964 deu ar de legalidade ao golpe. Em 2016, no golpe contra Dilma Rousseff, foi peça fundamental. Assim como foi peça-chave para a eleição de Bolsonaro, visto que Lula foi preso ilegalmente e proibido, também ilegalmente, de concorrer ou participar da campanha de Fernando Haddad.
Com toda essa capivara, tem gente que se diz de esquerda que escreve odes jornalísticas ao rei absolutista do Supremo, Alexandre de Moraes, bem como houve quem tenha dito que essa corte golpista era o último bastião de defesa da democracia.
Sobre o título, é preciso dizer ainda que Bolsonaro não estava sendo julgado por apoiar a ditadura, ou em sua conduta durante a Covid. Aliás, ninguém se interessa em falar nesse assunto, pois tem muita gente culpada além do ex-presidente. Então, preferem deixar para lá.
Otoni escreve que “Jair Bolsonaro está preso preventivamente pelos crimes de atentado contra a democracia, tentativa de golpe e correlatos. Violou as normas da prisão domiciliar, tentou romper a tornozeleira eletrônica, mentiu ao alegar surto paranóico. Praticou e pratica golpe em cima de golpe, dos maiores e mais torpes aos pequenos golpes cotidianos para burlar a Justiça. Por isso, o STF confirmou a prisão preventiva de onde só sairá para começar a cumprir os 27 anos e três meses da pena por atuar contra o Estado Democrático de Direito, provavelmente em um presídio”.
Como se viu, o articulista em nenhum momento questiona a ilegalidade do julgamento e da prisão domiciliar de Jair Bolsonaro.
Conforme escrevemos no editoral desta terça-feira (25) (leia na íntegra), um dos princípios do Direito Penal é o chamado Princípio da Legalidade. Ele significa que ninguém pode ser preso ou punido por fazer algo que a lei não proíbe expressamente. Se a lei não diz que é proibido, o juiz não pode proibir. No entanto, as medidas cautelares impostas a Bolsonaro – as restrições que vieram antes de sua prisão na sede da Polícia Federal – vão além das que o Código de Processo Penal (CPP) autoriza.
Escrevemos ainda que Moraes também alega que a tentativa de Bolsonaro de violar a tornozeleira aumentaria o “risco de fuga”. No entanto, a lei não estabelece que a violação da tornozeleira é uma prova irrefutável de risco de fuga. Para ser legal, a conversão para a prisão precisa demonstrar que o descumprimento revela uma urgente e atual necessidade de garantir a aplicação da lei penal.
A maioria da esquerda, no entanto, não liga, pois acha que isso só está sendo feito contra Bolsonaro. Se esquecem de tudo aquilo que Lula e outros dirigentes do PT sofreram.
Vingança
Reimont Otoni alega que “a prisão de Bolsonaro está relacionada à tentativa de golpe de estado”. E que ele vê nas ruas “é também a catarse de sobreviventes e de familiares de vítimas da ditadura de 1964, é a catarse de sobreviventes e de familiares dos 700 mil mortos da covid-19. Não é vingança, mas o alívio por uma Justiça começando a se manifestar”.
Claro que é vingança. A esquerda, que até outro dia criticava a truculência do Estado, seu sistema judicial e penal, trata agora de enaltecer essa máquina de repressão.
Qualquer perseguição está justificada previamente porque, supostamente, “ninguém encarnou e encarna tão à perfeição os porões da ditadura e a exaltação à tortura como Bolsonaro. Nenhum aplicou, nos atos do governo, a psicopatia dos algozes como ele. Em cada momento que debochou, ironizou e desprezou as vítimas da covid, na recusa em adquirir vacinas, Bolsonaro expressou a mente doentia de criminosos como Brilhante Ustra, Freddie Perdigão Pereira, Sergio Fleury e tantos outros da lista de 232 torturadores identificados pela Comissão da Verdade”.
Bolsonaro foi julgado por expressar esta ou aquela mente doentia? Seu crime é encarnar, exaltar, debochar? Então, que se abra processos sobre esses “crimes”. Se não for assim, o que a esquerda pequeno-burguesa quer é vingança. Pode negar à vontade.
Otoni fica entrando no mérito que “a tornozeleira foi queimada, com precisão e firmeza, em todos os lados, meticulosamente”. Que Bolsonaro mentiu sobre o surto. Mas a própria exigência do uso de tornozeleira é que deveria ser questionada.
Dotado de uma fé inabalável, Otoni afirma que “A maioria dos crimes dessa horda fascista ainda espera processo, como é o caso da omissão e dos atos genocidas na epidemia da covid-19. Mas o primeiro passo está dado”. Em que vai dar o segundo passo? Aqueles que antes não fizeram nada? E estes terão coragem de processar os governadores dos Estados por omissão?
Ilusão
Fechando seu artigo, Otoni escreve que “a extrema direita e o centrão já avisam que irão novamente pautar a anistia para os conspiradores, com o único e firme propósito de livrar Jair Bolsonaro da Justiça. Precisamos de todas as forças para impedir”. E arremata: “Vamos pras ruas e redes!”.
Essa esquerda, que só saiu às ruas quando a Rede Globo convocou, vai ter ânimo ou força para ir às ruas para garantir que Bolsonaro continue preso? Nem para as redes essa gente tem ido, anda preferindo um sofá.
Infelizmente, o que se vê é a esquerda se parecendo mais e mais com a direita, e o resultado disso é o trabalhador se bandeando para o lado de lá, onde, ainda que demagogicamente, se sabe criticar as arbitrariedades do STF.





