Uma das loucuras identitárias, que agora não está mais tão em alta, é a “apropriação cultural”. No Brasil ela aparecia como a ideia de que os brancos não podem usar cabelos e roupas de negros. Como a maior parte das teses identitárias, ela deve ter uma relação direta com o sionismo, e como padrão, o que o sionismo acusa os outros é o que ele mesmo faz. No caso, se apropria da cultura da Palestina afirmando que é a “cultura de ‘Israel’”. A série lançada esse ano na Amazon Prime, “A Casa de Davi” é a demonstração perfeita disso.
Não assisti toda a primeira temporada, mas já fica claro desde o principio que é mais uma traidicional peça de propaganda sionista. A série retrata a ascensão do profeta Davi, acompanhando sua jornada desde pastor passando por sua batalha contra Golias até se tornar o rei. É uma das principais histórias da Bíblia, contada nos livros de Samuel e no livro dos Reis. Em resumo, o decadente rei Saul abandona o caminho de deus e o jovem Davi ascende como o grande homem e unifica o reino de Israel e Judá, seu filho é o famoso profeta Salomão.
Escrevi um artigo sobre outra peça de propaganda sionista muito mais fraca em que retrata a vida de Maria, mãe do profeta Jesus. Ela é fraca pois o ponto de vista dos judeus sobre Jesus é algo ofensivo para cristãos. Já Davi é um grande heroi para judeus, cristão e muçulmanos, ou seja, já é um personagem bem melhor para fazer a propaganda sionista. E qual é a grande propaganda de “Israel” e do gigantesco monopólio imperialista Amazon com esse seriado? A ideia de que “Israel” existe há 3 mil anos, a base para justificar a ideia absurda da existência de criar um Estado judeu no século XX.
O primeiro ponto é a escolha de atores judeus e israelenses nos principais papeis. Para fugir da polêmica, o protagonista Davi é um norte-americano de origem egípcia. Mas é clara a tendência de ligar os judeus atuais ao povo que vivia na Palestina cerca de mil anos de cristo. Essa é a principal tese sionista, o povo de Israel da Bíblia seria equivalente ao “povo judeu”, a população de judeus atual que não é um povo, mas sim um grupo religioso que vivia em grande parte na Europa.
Há muitas ligações do Reino de Israel e Judá do passado com o Estado de “Israel” durante o seriado. Uma delas é o uso do alfabeto hebraico com muita frequência, algo que não é necessário, é feito com o intuito único de ligar Davi bíblico à “Israel” atual, o único local que os judeus falam hebraico (de forma artificial).
Esses dois elementos são mais sutis. O mais descarado ponto de propaganda sionista é que o grande objetivo da série é exaltar o reino de Israel. No entanto, os relatos bíblicos não seguem essa linha, a palavra Israel é usada em conjunto com a palavra Judá, afinal eram dois reinos que se unificaram. O reino de Judá, inclusive, é onde se encontrava Jerusalém. A ausência de comentários sobre Judá revela a propaganda sionista. Aqui valem algumas citações para demonstrar isso:
1 Samuel 10:1 – Samuel unge Saul como o primeiro rei de Israel; 1 Samuel 15:28 – Samuel diz a Saul que o reino de Israel será dado a outro; 1 Samuel 18:16 – “Mas todo o Israel e Judá amavam a Davi, porquanto saía e entrava diante deles”; 1 Samuel 22:5 – “Porém o profeta Gade disse a Davi: Não fiques nesta fortaleza; vai, e entra na terra de Judá”; 2 Samuel 2:4 – Davi é ungido rei de Judá, mas não ainda de todo Israel; “Para transportar o reino da casa de Saul, e para confirmar o trono de Davi sobre Israel e sobre Judá”; 2 Samuel 5:5 – “Em Hebrom reinou sobre Judá sete anos e seis meses; e em Jerusalém reinou trinta e três anos sobre todo o Israel e Judá”.
Vale também citar algumas suras do Corão:
Sura Al-Baqara 2:251 – “E eles [o exército de Talut] derrotaram-nos com a permissão de Alá, e Davi matou Golias, e Alá lhe concedeu realeza e sabedoria e lhe ensinou o que quis”. Surata Sad (38:17-26) – “E fortalecemos o seu reino, e concedemos-lhe sabedoria e eloquência na fala”.
Esses são apenas alguns pontos que demonstram que a série é mais uma peça de propaganda sionista. Agora é preciso explicar como o sionismo é uma política de roubo de tudo que é Palestino, inclusive a sua história.
A apropriação cultural sionista
Que a série da Amazon é uma peça de propaganda sionista não deveria impressionar muitos. O fato dela estar em destaque é interessante para explicar uma das principais estratégias do sionismo, se apropriar da história da Palestina. O país que existe onde viveu o profeta Davi há 3 mil anos é a atual Palestina. Tudo que aconteceu naquela terra no passado é a história da Palestina, e não de “Israel”. Apenas os sionistas podem “criar a história” dessa forma e isso é facilmente demonstrável comparando outros casos.
Peguemos o caso de Portugal, relativamente conhecido no Brasil. Naquela terra habitaram os lusitanos, os romanos, os suevos, os visigodos e os árabes. A soma de todos eles é o que compõe o povo de Portugal hoje. Na Palestina funciona da mesma forma. Lá viveram cananeus, egípcios antigos, hebreus, filisteus, assírios, babilônios, persas, gregos, romanos, árabes, europeus das cruzadas e turcos. A soma de todos eles criou o povo palestino moderno. A história dos hebreus, portanto, é parte da história da Palestina.
Para os sionistas a história da Palestina ou começaria no século XVII, algo absurdo, ou teria um período de alguns séculos que não seria a história da Palestina, algo igualmente absurdo. Voltando ao exemplo de Portugal, seguindo a tese sionista, os atuais portugueses poderiam reivindicar criar um Estado Suevo ou Visigono dentro da atual Alemanha. Ou seja, a política sionista sobre a história das nações é uma abominação, ela só é aceita pois foi financiada pelo imperialismo desde que a Inglaterra invadiu a Palestina em 1917.
Ou seja, o sionismo é a negação da Palestina, é uma política genocida pois tem como base a eliminação do povo palestino. Para que “Israel” exista como um país é preciso apagar completamente a história do povo palestino desde que os romanos expulsaram grande parte da população de judeus da Palestina no século I.
Já para os palestinos, tanto como palestinos, quanto como muçulmanos, a história de Davi é algo a ser admirado. É mais um dos episódios da história da terra santa, para judeus, muçulmanos e cristãos, as três religiões que coexistiram na Palestina desde o século XVII até a chegada dos sionistas.
Em suma, a política para combater a propaganda sionista é simples: a história bíblica é a história do povo da Palestina, não do “povo judeu”. A história de Abraão, de Ismael, de Josué, de Davi, de Salomão, de Alexandre o Grande, de Herodes, de Jesus, das cruzadas, da invasão de Napoleão, da invasão inglesa, da colonização sionista, de Izz al-Din al-Qassam, de Iahia Sinuar, são todas parte da história da Palestina. A história de Israel e Judá, como existiu na época de Davi e Salomão, é apenas uma pequena parte da história desse incrível país que luta para se libertar dos sionistas.