Continuando o debate com o artigo A aventura da democracia, de Luiz Marques, publicado no sítio A Terra Redonda nesta terça-feira (9), vamos para seu tópico 2, que trata das revoluções norte-americana e francesa.
O primeiro parágrafo diz:
“Na Revolução Americana (1776), o termo democracia não aparece. A terminologia não é do agrado dos fundadores dos Estados Unidos: George Washington, Thomas Jefferson, Benjamin Franklin, John Adams, James Madison, Alexander Hamilton e John Jay. A designação evocativa é adotada em retrospecto, com o conveniente esquecimento da supressão das liberdades individuais e coletivas durante 350 invernos. Coube ao historiador francês Alexis de Tocqueville escavar ‘a democracia na América’ sob a barbárie impiedosa e violenta do trabalho forçado, em plantations”.
Começando pelo final, não se pode restringir os Estados Unidos ao sistema de plantation (caracterizado pelo trabalho escravo nas monoculturas). Era um país dividido, de desenvolvimento combinado. Tocqueville foi um crítico da escravidão sulista, à qual contrapunha o Norte, livre.
Para o historiador, a escravidão era um fator de desagregação nacional, e que poderia, inclusive, levar a uma guerra civil, o que acabou ocorrendo. Tocqueville considerava os sulistas como hipócritas, pois enquanto pleiteavam para si a liberdade, negavam-na para os negros. É dele a frase “A escravidão não só despoja o escravo de sua liberdade, mas também o senhor de seu juízo”.
O fato de o termo democracia não aparecer na Revolução Americana se deve ao fato de ter sido um acontecimento complexo que foi evoluindo com o tempo. A ausência do termo democracia talvez não seja tão relevante. Se quisermos utilizar um exemplo mais recente, Fidel Castro não pretendia fazer uma revolução socialista, mas democrática. Foi o desenvolvimento dos fatos e a intervenção das forças sociais que forçaram a revolução por determinado caminho.
Para Marx e Engels, a Revolução Americana iniciou como uma luta de caráter anticolonial e burguês. O que possibilitava espaço para o desenvolvimento do capitalismo e, simultaneamente, a expansão de direitos. Nesse sentido, o Estado era já um representante dos interesses, de um lado, da burguesia industrial e, do outro, dos latifundiários senhores de escravos.
Tanto Marx quanto Engels criticavam o bipartidarismo americano, uma verdadeira máquina de corrupção de um “capitalismo gangsteril”. Criticaram também a exclusão racial. Sobre a Constituição dos EUA, Marx escreveu que “Ela consagra a escravidão, a mais hedionda das propriedades”.
Quanto à Guerra Civil, os dois revolucionários apoiaram o Norte contra o Sul; viam a abolição da escravidão como uma necessidade para o desenvolvimento capitalista e das lutas do proletariado. Marx escreveu que “A luta pela emancipação da classe trabalhadora não é uma luta por privilégios de classe, mas por direitos humanos iguais e obrigações para todos” (A Guerra Civil nos Estados Unidos).
Revolução Francesa
Um pouco mais adiante, tem-se que “o conceito de democracia hiberna 2000 anos; desperta para a Revolução Francesa. A experiência inflama a imaginação dos jacobinos. De novo, praças reúnem a multidão para decisões de cunho público”. Na França, diferentemente da Grécia Antiga, as “praças” não eram tomadas por uma única classe, era multifacetada, desde o povo, os sans-cullotes, até setores altos e médios da burguesia.
Na Grécia, enquanto a classe dominante se consolidava; na França, uma classe perdia sua posição para outra no comando do Estado. Engels, na introdução à ‘Luta de Classes na França’, escreveu que “A Revolução Francesa foi a primeira a travar a luta de classes até a solução final, até a vitória de uma classe sobre outra”.
Em seguida, Luiz Marques diz que “Jacobinos intuem a energia explosiva do frêmito democrático para detonar o poder da aristocracia e erguer o igualitarismo. Enquanto aríete da política, a democracia promove a Queda da Bastilha, em 14 de julho de 1789. Sob tal concepção, a bandeira da participação popular é hasteada como fundamento da legitimidade política. Os cantões comunais da Suíça são o que há de mais próximo da configuração institucional de tipo ateniense. Aos trancos, a história avança. Os títulos nobiliárquicos ou de servos cedem ao tratamento de ‘cidadão’, credor de direitos frente o Estado”.
O igualitarismo, bem como a igualdade e a fraternidade, são lemas que escondem atrás de si a necessidade material: o da burguesia, que precisaria abolir os privilégios feudais se quisesse desenvolver o capitalismo. A igualdade, vale lembrar, se restringia a uma igualdade jurídica, não de classe.
Quando “para Maximilien de Robespierre: ‘A virtude pública produziu milagres na Grécia e outros ainda mais incríveis na França republicana’. E que ‘A essência da República ou da democracia é a igualdade… permite a uma pessoa priorizar o interesse público ao invés dos interesses particulares’”, vemos as necessidades materiais se expressando por meio da ideologia.
Segundo Luiz Marques, “deve-se a Robespierre a atração da democracia como fonte de poder. Se a virtude é tão necessária é porque não faltam vilões no ancien régime. No nouveau régime, idem”. A democracia, como qualquer outro regime, é um sistema de dominação; exige, portanto, para sua aquisição e manutenção, de poder.
Os “vilões” do antigo regime eram os nobres e tudo que correspondesse a seus interesses, era a classe a ser batida. Quanto aos vilões do novo regime, se entendemos isso como o período do Terror, são de natureza diferente. Ou chegaremos à conclusão de que o virtuoso Robespierre, dotado de poder, saiu cortando cabeças a torto e a direito.
O Terror, como disse Marx, foi a forma plebeia pela qual a burguesia jacobina (nas figuras de Robespierre e Saint-Just) consolidou seu poder diante de ameaças existenciais. A saber: o cerco da Áustria, Prússia e Grã-Bretanha; movimentos contrarrevolucionários que contavam com sabotagens econômicas e conspirações aristocráticas; combater a crise econômica produzida pela inflação, escassez de alimentos e pela especulação.
Dito de outra maneira, para Marx o período do Terror não foi apenas “desvio” irracional, ou mero capricho brutal. Foi, sim, uma resposta necessária, determinada por leis, a um conjunto de pressões, externos e internos. Esse período só pode ser bem compreendido se analisado por meio da luta de classes e da lógica que rege uma revolução.
(continua)





