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América Latina

Venezuela: a união da esquerda golpista – parte 1

Setores da esquerda pequeno burguesa em meio ao golpe de Estado num país oprimido latino-americano não denunciam o golpe; pelo contrário, se juntam a ele

A esquerda pequeno burguesa é muito pressionada pela campanha da imprensa imperialista. Isso fica claro no caso da Venezuela que está sendo vítima de uma tentativa de golpe de Estado do imperialismo. Nessas condições o natural seria a esquerda se posicionar totalmente contra o golpe, mas, capitulando diante do imperialismo, muitos nem denunciam o golpe, outros o apoiam abertamente. O portal A Terra é Redonda publicou uma texto nessa linha: “Venezuela — a divisão da esquerda”.

Ele começa: “um setor cada vez menor, mas ainda numeroso e repleto de intelectuais, ecoa o argumento do Fórum de São Paulo, segundo o qual, para salvar a Venezuela e a região do imperialismo norte-americano, é necessário apoiar o governo de Nicolás Maduro a qualquer custo. Contabiliza-se nesse custo, é evidente, a possibilidade de que, à diferença das vezes anteriores, Nicolás Maduro pode não ter ganho as eleições, porque afinal, até o momento recusa-se a provar sua vitória”.

A caracterização de que Maduro se recusa a comprovar a vitória é por si só absurda. O chavismo sempre venceu as eleições e demonstrou ao mundo que era o vencedor. O que acontece é que desde o dia da eleição há uma campanha golpista no país, isso obviamente afeta a situação política. Casa não houvesse a investida golpista poderia ser estranho o governo demorar mais a fazer todos os trâmites. Mas na atual conjuntura é totalmente justificável que os órgãos eleitorais demorem mais a agir. Falar que Maduro se recusa a provar sua vitória já é repercutir a campanha golpista.

O texto segue: “de acordo com essa lógica, mais baseada na geopolítica clássica do que no marxismo, não apenas tudo é válido, como necessário para ‘não entregar’ o poder (e o petróleo) venezuelano ‘à direita’. Segundo o raciocínio geopolítico, o fato de Nicolás Maduro ter ganhado ou perdido o pleito é secundário em relação ao imperativo ‘nacionalista progressivo’ de impedir que o imperialismo estadunidense, corporificado pelo candidato oposicionista Edmundo González, se instale no Palácio de Miraflores, e com isso ponha em perigo a propriedade estatal da PDVSA (Petróleos de Venezuela SA), dona de uma das maiores reservas de óleo e gás do planeta”.

Aqui o autor para atacar Maduro já começa a fraudar o próprio marxismo. O próprio Marx viveu no século XIX quando até na Europa não existiam regimes parlamentares. Ele apoiava todas as lutas contra os setores reacionários. Um caso famoso é o apoio a guerra de libertação da Hungria que foi liderada por nobres contra o Império Austriaco. Outra luta era dos irlandeses contra os britânicos. Ou seja, não importava nem qual era a linha política, se eram nobres ou católicos, Marx sempre apoiou a luta contra a reação.

Os marxistas então sempre apoiaram as nações oprimidas contra o imperialismo. Mais recentemente houve casos que demonstram isso muito bem. Sadam Hussein do Iraque sofreu um golpe do imperialismo, em sua forma mais agressiva a invasão militar. Seria errado ficar ao lado do governo iraquiano contra os EUA na guerra? O mesmo aconteceu com Assad na Síria e com Gadafi na Líbia. É relevante qual é o tipo de regime político? Para os marxistas o que é importante é a luta de classes, e se o imperialismo está sendo derrotado a classe operária está sendo vitoriosa.

Mas o governo Maduro sendo um governo de esquerda ainda deveria ser defendido na tese dos autores do artigo. Por isso logo depois eles tentam comprovar que Maduro é na verdade de direita: “cabe perguntar à guisa de recordação: qual é a linha que marca a diferença entre a direita e a esquerda — discurso ou ação?” E então responde: “para lá das aparências, o fato é que sua política, desde 2013, é a de incentivar o enriquecimento de um novo setor empresarial no país e, como um Bonaparte, negociar entre as diferentes frações da burguesia venezuelana, novas e velhas (com exceção da mais umbilicalmente vinculada à extrema direita ianque, que é a de Maria Corina Machado e Edmundo González) para permanecer no governo”.

O artigo não fala com todas as letras, mas infere que Maduro é de direita. Ele na verdade seria um governo burguês que só trabalha sem o favorecimento do imperialismo. Aquis os autores demonstram que realmente não entendem nada de marxismo. Primeiro porque eles ignoram o que é a base real da esquerda que é ter relação direta com os movimentos sociais, algo que Maduro tem por meio do PSUV que é um partido que atua nos sindicatos, nos bairros e em diversos movimentos. É inegável que Maduro é uma liderança da esquerda.

Mas o texto tenta argumentar que na realidade por sua política supostamente direitista ele seria de direita. É desse tipo de argumentação que se chega a conclusão de que o governo Lula também é de direita. Trazendo a realidade para o Brasil fica clara a farsa. O governo Lula é um governo de esquerda acuado pela pressão do imperialismo, a direita. Isso é algo óbvio. Basta comparar Lula com Temer ou Bolsonaro, ele não atua atacando a população. Ele cede terreno diante da pressão da direita mas sua política não é de ataque aos trabalhadores.

O que ele fala sobre a burguesia imperialista também é muito importante. A Venezuela vive um regime de nacionalismo burguês com tendências muito esquerdistas. É algo natural. Getúlio Vargas na década de 1950 passou por isso, o mesmo aconteceu com Jango. Os nacionalistas árabes nas décadas de 1960 e 1970 começaram a falar em socialismo. A burguesia do país oprimido, ao se chocar com o imperialismo, as vezes acena para a classe operária para conseguir ter força. No caso da Venezuela a mobilização gigantesca da classe operária em 2002 empurrou o regime político para essa situação.

O argumento segue: “Nicolás Maduro sempre favoreceu setores empresariais, em particular ao dos serviços à indústria petrolífera, cujos dividendos alimentam a nova burguesia e tem parte distribuída às cúpulas de suas forças armadas e policiais (daí a aliança). Mais de 800 carros de alto luxo foram apreendidos apenas entre os cem envolvidos na megacorrupção com criptomoedas da PDVSA, descoberta em 2023, o que é apenas um reflexo da situação de deterioração moral da liderança do governo”.

Aqui é preciso citar dois pontos. A campanha contra a corrupção é tradicional da direita e dos movimentos golpistas. Isso foi visto também contra o PT no Brasil. Mas ainda mais importante, não é verdade que Maduro opera a política a favor dos empresários. Essa descrição parece até de um governo da direita. O que acontece é que Maduro investe apenas uma parte do orçamento na população, mas em comparação a outros países capitalistas é uma parcela enorme. Dai o caráter social do governo, que os autores tentam ignorar ao máximo.

Essa lógica absurda continua: “o ‘anti-imperialismo’ de Nicolás Maduro e seu entorno não o impede de entregar agora o petróleo de que os EUA precisam por meio da Chevron e de outras grandes companhias estrangeiras (como a Repsol), num contexto em que o Ministério da Fazenda dos EUA as autoriza a extrair o ouro negro venezuelano, proibindo suas empresas de pagar impostos e royalties à Venezuela. A aceitação dessas condições neocoloniais mostra os limites do anti-imperialismo madurista”.

Aqui ele mesmo se contradiz, primeiro colocando o termo entre aspas e depois afirmando que é limitado. A verdade é que sua luta contra o imperialismo é limitada porque a Venezuela não expropriou a burguesia. Mas afirmar que ele entrega o petróleo para os EUA é surreal. O golpe de Estado contra a Venezuela é justamente para tomar o petróleo. Se ele entregasse o petróleo não haveria confronto nenhum com o imperialismo.

Os autores parecem querer comprovar a qualquer custo que Maduro é ruim “as sanções contra a Venezuela se tornaram mais flexíveis sob Joe Biden (premido pela guerra na Ucrânia), mas Nicolás Maduro mantém inalterável o discurso de que tudo é culpa das sanções, como pretexto para avançar em um ajuste estrutural que afeta fundamentalmente os que vivem do trabalho”. Outra tese ridícula. Se os EUA começarem a despejar mil toneladas de bombas por mês na Síria invés de 2 mil, o governo Assad deve parar de culpar os EUA pela destruição do país? As sanções existem e o principal papel da esquerda é denuncia-las e lutar contra elas e não fazer a campanha da direita de que Maduro é o mal e não as sanções.

Esse exemplo final é perfeito para terminar essa primeira parte da crítica ao artigo. Os autores fazem um esforço gigantesco para provar que Maduro é o problema ao mesmo tempo que o imperialismo faz um esforço enorme para derrubar Maduro. A única descrição possível para isso é golpismo de esquerda.

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