O artigo Os proletários do mundo já não mais se unem: problematizando as divisões na esquerda, assinado por Ádamo Antonioni e publicado no Brasil247 nesta sexta-feira (8), afirma que: “em 1848, Marx e Engels redigiram o adágio que, durante séculos, animou e conduziu os movimentos de esquerda mundo afora: ‘Proletários do todos os países uni-vos’. Mas daquele século XIX para cá, muitas coisas mudaram. Experiências marxistas fracassaram, como o fim da União Soviética e a queda do muro de Berlim, a ascensão da agenda neoliberal nos países capitalistas que precarizaram a classe trabalhadora, e, ao mesmo tempo, produziu um forte discurso do empreendedor de si mesmo. Em suma, a máxima dos filósofos alemães parece não fazer mais sentido para os dias atuais”.
Dissemos que é uma velha ladainha, pois a crítica ao marxismo, de que se trataria de um pensamento inadequado, já tem mais de um século. Entre 1901 e 1902, há 123 anos, Lênin escrevia Que Fazer e já analisava “em que consiste a ‘nova’ tendência que assume uma atitude ‘crítica’ frente ao marxismo ‘velho, dogmático’…”. O resultado desse debate é que os revisionistas, os Bernsteins, foram desmascarados e sua face burguesa não cabia mais atrás do disfarce de esquerda.
Quando o autor do artigo diz que muitas coisas mudaram no mundo trabalho desde o século XIX e citou a frase final do Manifesto Comunista, se esqueceu que o início do livro que diz exatamente isso, que as coisas mudam. Não é por menos que Marx e Engels são os fundadores do materialismo dialético.
A natureza do trabalho nunca permaneceu estanque. É fácil verificar isso no seguinte trecho: “Homem livre e escravo, patrício e plebeu, barão e servo, burgueses de corporação e oficial, em suma, opressores e oprimidos, estiveram em constante oposição uns aos outros, travaram uma luta ininterrupta, ora oculta ora aberta, uma luta que de cada vez acabou por uma reconfiguração revolucionária de toda a sociedade ou pelo declínio comum das classes em luta.”.
O pensamento, equivocado, dos revisionistas parte da seguinte suposição: a luta de classes consiste na oposição entre operários e patrões. Deixando de existir os operários, essa luta automaticamente se extingue. No entanto, se as relações de trabalho se alteram, o modo de lutar também muda. O operário do início da Revolução Industrial não é o mesmo do século XX e nem por isso deixou de existir a contradição essencial burguesia e proletariado.
Antonini diz que “experiências marxistas fracassaram”. No entanto, como ele pegou o carro andando, não percebeu que os revisionistas é que falharam. Pois, a despeito de suas críticas, tivemos revoluções na Rússia, China, as lutas anticoloniais por toda a África. Há ainda uma consideração a fazer: a história não é uma linha reta, experimenta avanços e refluxos.
O fim da União Soviética, a queda do Muro de Berlim, são etapas de um longo processo revolucionário, não se pode falar simplesmente de fracassos, pois essas revoluções provaram que a classe trabalhadora pode derrotar a burguesia.
Por falar no Muro, há 35 anos, quando caia o de Berlim, empolgado pelos acontecimentos, Francis Fukuyama, um economista americano, decretou o “fim da história”. A história não acabou, como vimos, e Fukuyama ficou com o mico na mão. Atualmente não é a queda de muros, mas ascenso da extrema direita vencendo eleições por todo o mundo que anima determinados setores da esquerda a decretarem (mais uma vez) que o marxismo é velho etc.
Identitarismo
Para defender sua posição, Ádamo Antonioni recorre à Marilena Chauí. A professora sustenta que “a política na esquerda estava fundada na noção de classe social e de produção econômica. A perda desse referencial exige que a esquerda pense tudo de novo. Coisa que no momento ela não está fazendo”. Ocorre que o referencial não foi perdido, o problema da esquerda é que vem cada vez mais defendendo a democracia burguesa e ideologias de direita, como o identitarismo. A classe trabalhadora, diferentemente da esquerda pequeno-burguesa, rejeita o identitarismo, e essa rejeição, porém, não é capitalizada pela esquerda e tem se expressado em votos para a extrema direita.
Chauí diz que a esquerda perdeu seu “universal”, como a luta por direitos, que a unifique em torno de um objetivo comum. O que é um erro, pois a perda de direitos é cada vez mais acentuada, polarizando cada vez mais a sociedade. No entanto, acerta ao criticar a fragmentação dos movimentos sociais que considera cada vez mais identitários.
Esquerda nem-nem
Antonioni diz que tenta defender uma ideia do filósofo francês Michel Foucault, que teria dito que “De fato, acho que tenho sido localizado consecutivamente e simultaneamente em todas as casas do tabuleiro político. Já fui chamado de anarquista, esquerdista, marxista ostentoso ou dissimulado, niilista, neoliberal etc. Nenhuma dessas caracterizações é importante em si mesma…”. Essa pretensa neutralidade já foi desmascarada também por Lênin, que demonstrou que se trata de uma posição de classe. O ‘neutro’, invariavelmente, defende o mais forte. É que estamos vendo no massacre que os sionistas promovem na Faixa de Gaza.
Durante décadas os sionistas massacram o povo palestino. Agora, que este se levantou em armas e está provocando pesadas baixas no lado israelense, surgem aquelas esquerdistas que se dizem “contra a matança”, são contra a violência “dos dois lados”. E por que só agora, que o lado mais fraco reage, tiveram a ideia de se manifestar? Porque querem que os palestinos abaixem as armas.
O que Foucault faz, e que causa admiração na esquerda pequeno-burguesa, é uma espécie de psicanálise social, é um diletantismo próprio de quem não está preocupado com o pão de cada dia. Lênin foi muito feliz ao dizer que, na questão do pão, o faminto é sempre o político, a parte interessada.
Segundo Antonioni, “o professor do Collège de France [Foucault] não estava interessado com as grandes batalhas ideológicas entre capitalistas x comunistas, ele direcionou seus olhos para o dia-a-dia das pessoas comuns, buscando compreender seus afetos, suas angústias, seus medos e desejos”. Ou seja, queria ficar ‘pensando’ o mundo. No entanto, como disse Marx nas Teses de Feuerbach “Os filósofos têm apenas interpretado o mundo de maneiras diferentes; a questão, porém, é transformá-lo”.
Identitarismo 2
Ádamo Antonioni utiliza Foucault, que se preocupa com “um sistema político que pretende prescrever a verdade” também para defender o identitarismo, diz que “é tempo de se abrir à pluralidade, à diversidade, ao diálogo interseccional entre gênero + raça + classe”.
O materialismo dialético não pretende prescrever nada, pois admite, desde sempre, que a sociedade está em constante movimento. Curiosamente, são os identitários que têm defendido a censura, defendem penas de prisão até para ofensas, e promovem verdadeiros linchamentos morais e ‘cancelamentos’ nas redes sociais.
Por fim, é preciso dizer que o identitarismo não é uma ideologia de esquerda, mas de direita, que se infiltrou nos movimentos sociais e que é preciso criticar para extirpar esse tumor que fragmenta e desagrega a luta dos trabalhadores.
O marxismo não está ultrapassado, antes disso, é uma ferramenta poderosa que nos permite entender e atuar sobre a realidade. Enquanto os identitários neoliberais acham normal que motoristas de Uber, entregadores de aplicativo e mães solo que ganham a vida vendendo trufas se sintam “empreendedores”, os marxistas denunciam e lutam contra a destruição das condições de trabalho.