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América Latina

Uma teoria cínica para se opor ao nacionalismo burguês

PCV não tem coragem de afirmar abertamente sua política impopular, então a encobre com palavrório acadêmico e subjetivismo

Na última quinta-feira, dia 6 de junho, foi reproduzido no sítio esquerdista Em defesa do comunismo o texto A Nova Direita, o Progressismo e as Lições de Gramsci, assinado por um membro do Partido Comunista da Venezuela (PCV). A peça é um arremedo de citações genéricas e “argumentação” enrolada e pedante, sem qualquer base concreta, típica da academia, com o objetivo de atacar o nacionalismo burguês latino-americano e apontá-lo como raiz da extrema direita que cresce no cenário político da região. Diz ele:

“Parece haver um retrocesso das aspirações democráticas e uma mudança do imaginário político para a direita no mapa político mundial. Particularmente em nosso continente, testemunhamos a ascensão de figuras políticas tão hostis quanto Nayib Bukele, Jair Bolsonaro ou Javier Milei”, e na sequência: “em 2022, um pouco menos de 47% da população das nações estudadas considerava a democracia um elemento importante em suas vidas; uma diminuição em relação aos 52,4% medidos em 2017.”

O que seriam tais “aspirações democráticas” ou a “democracia” apontada, o autor não se incomoda em discutir. No entanto, aponta que um dos motivos para a mudança seria uma “falta de confiança na figura do ‘contrato social’ inerente à democracia”.

Até aqui, temos o que seria a introdução do texto. Destacamos estes trechos para que o leitor se atenha à centralidade da “democracia” burguesa colocada como fator positivo na base da argumentação do PCV.

Uma negação do marxismo

Assim como a democracia não é definida pelo PCV, tampouco o é a extrema direita:

“A ‘nova direita’, em tempos de algoritmos e big data […] é uma identidade política decorrente da falta de legitimidade do Estado burguês e da democracia liberal, o que a torna um pouco diferente da direita tradicional.”

Que tem a ver a questão dos algoritmos e da chamada big data? São pontos utilizados puramente para retirar o fator histórico, e apresentar a extrema direita atual como fenômeno totalmente novo. Desta forma, descaracterizando e alienando os fatores sociais, o PCV consegue realizar uma discussão puramente abstrata. E assim justifica sua tese de que a base da sociedade não é a economia, as formas produtivas, a luta de classes, mas o pensamento subjetivo do indivíduo, pura e simplesmente, como exemplificado a seguir:

“Essa direita conseguiu ancorar-se em tentativas e inspirações populares, tornando-se o que a socióloga Eva Illouz chama de ‘direita populista emotiva‘; […] que aposta em erodir todo o tecido social, promovendo o indivíduo como único referente político e confrontando o imaginário coletivo-social.

“Sua origem está no que a cientista política Wendy Brown chamou de ‘raciocínio político neoliberal’, no qual o ‘sujeito político soberano’ cedeu lugar a um sujeito simplesmente convertido em ‘capital humano’, cujo valor não é construído com todos, mas contra todos; a partir da competição, e onde o Estado e o governo – figuras que outrora representavam as aspirações sociais por mudança – foram transformados em figuras de ‘governança neoliberal’; sem poder, vontade ou soberania” (grifos nossos).

Como o leitor pode ver, se fala em inspirações, imaginários, emoções, indivíduos, raciocínios, sujeitos, figuras, aspirações, mas nada do movimento concreto da sociedade. Como o Estado burguês, a democracia neoliberal, perde legitimidade? Os sujeitos acordam certo dia com imaginários e aspirações, todos juntos, e lá se vai a legitimidade do Estado, das instituições burguesas? É patente que não. A questão de base é econômica.

O sistema capitalista se torna em sua fase final, imperialista, num sistema insustentável. A contradição do aumento produtivo, que leva a tendência dos preços a zero, junto ao rebaixamento salarial necessário para a tentativa inócua de manter as taxas de lucro, inviabiliza a sociedade. Com a concorrência encerrada, o regime dos monopólios não consegue mais se expandir, e passa a provocar guerras e destruição para que possa voltar a crescer, no que consegue apenas respiros momentâneos e a cada vez menos significativos, enquanto as crises se sucedem uma após a outra.

O Estado burguês, que tem por função não “representar aspirações por mudança”, mas pelo contrário, impedir qualquer mudança na conformação social e manter a ordem da burguesia com mão de ferro, passa a não ter mais condições de garantir o mínimo necessário para a sobrevivência dos trabalhadores. Naturalmente, frente à destruição de suas condições de vida, os trabalhadores deixam de ver qualquer legitimidade no Estado burguês, que encerra progressiva e necessariamente todas as medidas assistenciais utilizadas para conter a classe operária. E as encerra necessariamente pois a burguesia já é incapaz de sobreviver sem sugar até mesmo essa quantidade de recursos, que nada mais é que uma pequena garantia de sua existência contra a guilhotina da fúria dos explorados. Os explorados, por sua vez, o são também por uma necessidade existencial, material, da burguesia, e não por aspirações ou sentimentos da classe burguesa.

Rumo ao concreto?

O que o PCV não tem talvez coragem de afirmar abertamente, e por isso o texto é tão confuso, é seu ataque contra todas as lideranças populares da América Latina, um segundo ponto a se retirar da colocação anterior:

“O Estado e o governo – figuras que outrora representavam as aspirações sociais por mudança – foram transformados em figuras de ‘governança neoliberal’; sem poder, vontade ou soberania”.

Ora, e que dizer das figuras de Lula, Hugo Chávez, Nicolás Maduro, Rafael Correa, Evo Morales, Cristina Kirchner? Todos, sem exceção, fatores de crise nos regimes políticos de seus países, pois representam, com alguma variação, as aspirações populares dos trabalhadores. Todos perseguidos e atacados, também com variações, sistematicamente pelo imperialismo, para que não voltem ao governo, ou para que não consigam governar.

“Essa ‘nova direita’ é também o fruto da crise do imaginário político da esquerda […] No caso argentino, Milei se posicionou como uma resposta ao esgotamento do kirchnerismo” (grifo nosso).

Novamente, o “imaginário”, pois só no mundo da imaginação faria qualquer sentido tal afirmação. O nacionalismo burguês, no caso a política de conciliação com um setor da burguesia, pode estar morto, pois as condições econômicas impedem qualquer conciliação, mas as suas figuras não estão, e tem ainda um papel importante a desempenhar. A crise em torno de tais personagens é prova cabal disso.

E mais, Hugo Chávez, por exemplo, era um democrata, um moderado. Impulsionado pelos ataques do imperialismo, aos quais foi forçado a responder, e por uma base social sólida de trabalhadores, progressivamente se dirigiu à esquerda em sua política, até realizar expropriações da burguesia, operar uma verdadeira estatização do petróleo venezuelano e muito mais.

Fidel Castro era um nacionalista, e as condições materiais da luta em Cuba o impeliram a encabeçar uma revolução. Mas uma nova falsificação permite ao PCV continuar em seu mundo de fantasia:

“Cada uma dessas experiências políticas [o nacionalismo burguês na América Latina] havia sido enunciada a partir do chamado ‘progressismo’ como parte de uma identidade política diversa e ampla” (grifo nosso).

Isso é falso. Todas as figuras se tornaram centrais na situação política de seus respectivos países após grandes movimentações de massa. Emergiram de amplos movimentos reivindicativos dos trabalhadores, de um momento de ascenso dos trabalhadores, não de uma “identidade política”.

Pelo tamanho desta matéria, vamos agora direto ao fundamental apontado pelo PCV:

“O problema fundamental do progressismo é que ele nunca foi suficientemente revolucionário; apenas preparou o mapa político para o surgimento desta ‘nova direita’, mais perigosa e complexa que a anterior. Isso também se aplica a uma certa ‘esquerda neoliberal’ que também se posicionou em alguns cenários de maneira mórbida. Ambos os extremos são simplesmente variantes da não existência de uma política autenticamente revolucionária; ambos são um beco sem saída.

“Então, o que fazer? O desencanto que vivemos hoje em torno da política é na realidade um esgotamento da democracia liberal burguesa; mortalmente ferida pelo processo predatório do próprio capital. A resposta em tal caso não é desistir de falar sobre política ou das ambições de mudança social e econômica (como fizeram os ‘progressistas’), mas reforçar as ideias coletivas da luta de classes e suas utopias concretas.”

O PCV dá a entender que a função do nacionalismo burguês é dar lugar à extrema direita, quando é esse mesmo nacionalismo burguês que é contido pelo imperialismo para conseguir emplacar a direita nos governos. Exemplo claro disso, as eleições de 2018 no Brasil, quando Lula foi retirado do pleito para que Bolsonaro pudesse “vencer”. Outro exemplo, a pressão sobre Kirchner para não se candidatar como cabeça de chapa. A proibição de Rafael Correa, a pressão sobre Evo Morales. Os casos são vários.

De fato, nenhuma dessas figuras levará adiante uma política revolucionária caso condições muito específicas não lhes imponham tal política, mas eles jamais se propuseram a fazer uma revolução. Se há uma “falência da revolução”, o PCV deveria olhar para sua própria política, desconectada da realidade e incapaz de atrair a classe operária.

O PCV se coloca contra os interesses dos trabalhadores venezuelanos, somando-se à oposição ao chavismo, e produz peças num estilo de amante rejeitada, como o artigo com o qual polemizamos, para justificar seu próprio fracasso. Fato é, se há qualquer amor do PCV à classe operária, ele é puramente platônico, pois ele nada tem a lhe oferecer.

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