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Francisco Weiss

Militante do PCO em São Paulo. Juntou-se ao partido em 2018, em meio à campanha da luta contra o golpe e pelo “Fora Bolsonaro”. É membro da coordenação do Grupo por uma Arte Revolucionária Independente (GARI), além de dirigente do PCO em São Paulo. Apresenta de segunda a sexta o programa Reunião de Pauta na COTV e outros programas do Canal e também da Rádio Causa Operária.

Coluna

Uma ode à decadência dos centros urbanos

O disco de Arrigo Barnabé, que inaugura a Vanguarda Paulista, é um grande marco da música brasileira dos anos 1980

O álbum Clara Crocodilo, do compositor, cantor e pianista, Arrigo Barnabé, foi uma das obras musicais mais inovadoras e inusitadas da música popular brasileira. Lançado em 1980 e produzido de forma independente, o álbum era difícil de encontrar até recentemente na própria Internet. Mesmo assim, é bastante conhecido e apreciado por pessoas das mais diversas partes do país e considerado uma manifestação vanguardista na música popular que acabou “emplacando” em determinados meios. A primeira coisa que chama atenção no disco é sua capa, desenhada pelo quadrinista Luiz Gê. Trata-se de um olho de réptil que encara o observador nas profundezas de sua alma. O impacto desse olho visto em uma grande capa de disco de vinil só não supera o impacto das próprias músicas do álbum. Clara Crocodilo é o que se chama de “disco conceitual”, classificação dada a álbuns cujas músicas contam uma história ou então possuem algum tema frequente, ou uma linha narrativa conectando o começo ao seu fim. No caso do disco de Arrigo, o conceito é o próprio personagem principal do disco, o monstro Clara Crocodilo. Outros personagens também habitam o universo de Clara Crocodilo, são prostitutas, motoboys, casais de amantes que frequentam um drive-in e outras figuras do que se convencionou chamar de “marginália” das grandes cidades. Arrigo, apesar de nascido em Londrina, vivia em São Paulo há mais de dez anos e o disco é repleto de referências à noite paulistana em suas letras. As letras retratam o mundo de uma classe média boêmia decadente, que passa boa parte de seu tempo em busca de diversões fáceis como o álcool e o sexo pago. O próprio monstro Clara Crocodilo é um office-boy que se transforma no monstro ao se envolver com experimentos químicos misteriosos. As referências a ficção científica e temas estilo histórias em quadrinhos também estão em toda parte ao longo das letras do disco. No entanto, o verdadeiro diferencial da obra de Arrigo está na sua composição musical. Arrigo foi o primeiro e talvez um dos únicos a empregar o dodecafonismo e a música serial em um disco de música popular no Brasil. Essa ousadia não passou despercebida e o disco foi muito elogiado à época do seu lançamento. Foi considerado, inclusive, o marco inaugural de um movimento dos anos 80 chamado Vanguarda Paulista. Associados a ele também estavam os artistas Itamar Assumpção, Tetê Espíndola, Vânia Bastos, Língua de Trapo, Premeditando o Breque e Grupo Rumo. Todos conjuntos ou artistas de São Paulo, que procuravam fazer algo inovador e não necessariamente comercial. Devido à dificuldade de emplacar comercialmente, o movimento se dissipou rapidamente, e álbuns como Clara Crocodilo acabaram ficando relegados a um público de nicho. Nos anos 80 ficaram marcados pelo princípio de uma decadência no campo da música popular do Brasil, após os anos 70, que consagraram artistas como Chico Buarque, Milton Nascimento e outros grandes. As décadas seguintes viram se consolidar um verdadeiro monopólio da música de má qualidade, impulsionada pela política econômica neoliberal, que secou todas as fontes de cultura do país, relegando-as ao amadorismo e a ambientes como universidades e polos intelectuais. *Artigo publicado, originalmente, em 27 de novembro de 2022.

*As opiniões desta coluna não refletem, necessariamente, as do Diário Causa Operária

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