Liberdade de expressão

Uma lei que atropela a Constituição Federal

Ao apoiar o atropelo da Constituição pela interpretação de uma lei vaga, esquerdistas prestam um enorme favor ao fascismo real

O Advogado-geral da União (AGU), Jorge Messias, publicou o artigo Pela liberdade de expressão das muitas vozes do povo brasileiro, no jornal golpista Folha de S. Paulo na edição do último dia 11, defendendo as medidas ditatoriais de Alexandre de Moraes. “A liberdade”, ensina Messias, “é sempre acompanhada de responsabilidade e respeito às leis e às instituições democráticas”, demonstrando observar mais os manuais identitários do que a Constituição Federal, que, em seu artigo 5º, parágrafo IV, diz taxativamente que “é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato”, excluindo, como se vê as condicionantes imaginadas pelo AGU e reconhecendo apenas uma: o anonimato. Diz Messias:

“Falemos, porém, da liberdade de expressão e do livre discurso no Brasil. A Constituição de 1988 não inaugurou apenas uma nova ordem jurídica. Ela trouxe para a legislação brasileira, e para a arena política, vozes que por séculos foram oprimidas, infelizmente, em nosso país.

Proteger a liberdade de expressão não é defender o discurso de ódio, que, por tantos anos, oprimiu essas vozes: as vozes dos povos originários, as vozes do povo negro, as vozes das mulheres, as vozes das comunidades LGBTQIA+.”

Pode escapar a Messias, mas simples “discursos”, isto é, a mera manifestação de uma opinião, por mais desagradável que possa ser e até mesmo entendida como “discurso de ódio” (seja lá o que for isso), é sim uma manifestação do pensamento, que, à luz da Constituição, deve ser livre, tendo como único condicionante constitucionalmente válido o anonimato. Isso significa que, pela norma constitucional, “discurso de ódio” contra sem terra, comunistas, índios, negros, mulheres e LGBTs estão liberados. A resposta não poderia ser mais óbvia: sim.

Chegar a essa conclusão não requer habilidades com a língua portuguesa maiores do que a mera alfabetização. O que o AGU faz é um malabarismo retórico para defender a repressão contra ideias, o que sempre foi e sempre será uma arma contra a mobilização popular, independentemente do pretexto usado. Por isso, está errado Messias ao dizer:

“Defender a liberdade de expressão é defender a voz de todos —as mesmas vozes que subiram a rampa do Palácio do Planalto ao lado do presidente—, é lutar contra o discurso de ódio, é defender uma economia inclusiva.”

Defender a liberdade de expressão envolve também lutar para que os indivíduos atrasados possam expressar suas ideias, independentemente de serem consideradas por alguém como “discurso de ódio” ou algo que o valha e por meio do debate livre, onde argumentos e posições contrárias possam circular, evoluírem. Não por medo da repressão estatal, mas pela educação política.

“O discurso de ódio”, continua Messias, “que se propaga nas redes sociais, precede a violência brutal, instrumento que garante a liberdade de expressão tão somente daqueles que estavam e ainda estão nas posições de poder”. 

Restringir um direito sob o pretexto de evitar eventuais consequências negativas de seu uso é uma ideia completamente absurda. Seria como dizer, por exemplo, que, devido às ocorrências de estupro, todos os homens deveriam passar por um processo de castração, a título de proteger um setor oprimido, no caso, as mulheres. Claro que é um extremo, mas demonstra a loucura defendida por Messias, que finalmente, parte do mesmo princípio.

Cercear o “discurso de ódio” pode ter consequências desastrosas, pois pode criar um ambiente onde apenas determinadas vozes são permitidas, enquanto outras são silenciadas. Isso não fortalece a democracia, mas sim a enfraquece, ao promover uma forma de controle sobre o que pode ou não ser dito. A verdadeira proteção de um regime democrático reside na capacidade de todos os cidadãos de expressar suas opiniões, quaisquer que sejam, e eventualmente mudá-las, não através da imposição de restrições governamentais que visam limitar a livre troca de ideias, mas pela força dos argumentos.

As colocações de Messias, portanto, não apenas constituem uma afronta ao que diz expressamente a Constituição, mas também desvia a atenção do verdadeiro objetivo da liberdade de expressão: garantir que todas as vozes possam ser ouvidas e que a discussão aberta e honesta possa ocorrer. Em vez de limitar a liberdade de expressão, deveríamos trabalhar para fortalecer o debate democrático, onde todas as ideias, inclusive as que discordam ou provocam desconforto, possam ser apresentadas e discutidas livremente.

O AGU segue defendendo Alexandre de Moraes, usando como amuleto a “previsão contida no art. 61 da Lei Geral de Proteção de Dados”. Destaca-se o fato de o jurista usar chavões identitários para atacar a liberdade de expressão e o que se pressupõe um regime democrático desde a Revolução Francesa (isto é, um regime onde a liberdade de expressão prevalece), mas aqui, recorrer a uma lei para defender o bloqueio do X no Brasil. Diz Messias:

“A liberdade é sempre acompanhada de responsabilidade e respeito às leis e às instituições democráticas. O ministro Alexandre de Moraes, do STF, em estrita observância à previsão contida no art. 61 da Lei Geral de Proteção de Dados, ofereceu à empresa adquirente da marca Twitter (atual X) a oportunidade de regularizar sua situação no Brasil, com a indicação de um representante legal. Redes sociais, como qualquer espaço público ou privado, não podem ser plataformas de crimes como golpes financeiros e redes de pedofilia. Daí a indispensabilidade de um representante local para atendimento das determinações judiciais.”

Diz o supracitado artigo 61 da Lei Geral de Proteção de Dados:

“Art. 61. A empresa estrangeira será notificada e intimada de todos os atos processuais previstos nesta Lei, independentemente de procuração ou de disposição contratual ou estatutária, na pessoa do agente ou representante ou pessoa responsável por sua filial, agência, sucursal, estabelecimento ou escritório instalado no Brasil.”

O artigo supracitado deve ser analisado à luz, de novo, do artigo 5º da Constituição, que diz, no inciso IX: “É livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença.” (Grifos nossos).

O artigo constitucional trata da liberdade de imprensa e, como se constata facilmente, prevê a plena liberdade de funcionamento de órgãos de comunicação como o X. No entanto, a aplicação do artigo 61 da Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) como justificativa para o bloqueio do X (anteriormente Twitter) e a imposição de exigências como a contratação de um representante legal no Brasil revela uma interpretação e aplicação oportunista da legislação.

A LGPD, sendo uma lei ordinária, não tem o poder de se sobrepor às garantias constitucionais, como a liberdade de expressão. A verdadeira questão não é a LGPD, mas a tentativa de Alexandre de Moraes de utilizar esta norma como pretexto para censurar uma plataforma de mídia social e punir a empresa por não atender a demandas que podem ser vistas como ilegais e inconstitucionais.

Se a lógica de Messias e Moraes prevalecer, muitos serviços digitais e órgãos de imprensa operando pela internet poderiam ser igualmente alvo de bloqueios e restrições, uma vez que a imposição de um escritório local se tornaria uma barreira para a operação desses serviços no Brasil. Isso não só prejudicaria a livre circulação de informações e opiniões, como também colocaria em risco a pluralidade de vozes e o direito à informação. Em vez de promover um ambiente onde as normas constitucionais são respeitadas, o que vemos é uma tentativa de subordinar a liberdade de expressão aos ditames de uma legislação ordinária, sem levar em conta os princípios superiores garantidos pela Constituição.

“A empresa optou, porém, pela ilegalidade em vez da conformidade. Não à toa, o impedimento de sua atuação foi confirmado pela unanimidade dos ministros do Supremo. A rede social não foi impedida de funcionar em razão da promoção da liberdade de expressão, mas pela recusa em atender a legislação.”

Muita coisa já teve o entendimento dos ministros do Supremo por “unanimidade”, nenhuma delas vantajosa para os trabalhadores, o que torna o argumento de Messias, mais do que qualquer outra coisa, uma confissão de culpa. Atenta a esse fenômeno, não foi “a empresa que optou pela ilegalidade”, mas o STF e particularmente Alexandre de Moraes (embora seus “colegas” sejam todos cúmplices pela omissão) que obrigou o X a fechar seu escritório no Brasil, para fugir da perseguição.

Mais errado, no entanto, está Moraes, de proibir dezenas de milhões de brasileiros de usar uma rede social para se comunicarem. Ao apoiar o atropelo da Constituição pela interpretação de uma lei vaga, Messias se une a Moraes e à ofensiva crescente contra as liberdades democráticas no País, um favor ao fascismo real, que depende da supressão desses direitos para prosperar.

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