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Eleições municipais

Uma esquerda sem esquerda

A visão "democrática" leva a esquerda a buscar novidades para as eleições, quando o segredo para a vitória está na mesma antiga e esquecida defesa da classe operária

No dia 14 de outubro, o portal Brasil 247 publicou o artigo A esquerda precisa se redefinir, assinado pelo advogado e professor de direito Maurício Rands. A peça é um comentário sobre a participação e a derrota da esquerda nas últimas eleições municipais.

Rands busca analisar o cenário e apresentar uma solução para modificá-lo. Contudo, as premissas do autor são falsas, e levam a inevitáveis conclusões erradas. De início, o advogado delimita dois polos em que a sociedade brasileira estaria dividida:

“Um polo abrange todos os que defendem o Estado Democrático de Direito. Nesse campo, há forças que se identificam com a esquerda, com o centro e com a direita. Mas que convergem no compromisso democrático. Um outro polo, identificado com o populismo autoritário de direita, agrupa aqueles que não se importam muito com os limites do constitucionalismo democrático.”

Aqui temos o primeiro problema de avaliação: se desconsidera a luta de classes para a análise, com o uso de uma abstração — o tal compromisso democrático — para delimitar os interesses em disputa. Até o momento, o governo Dilma (PT) foi derrubado em 2016 pelo conjunto da direita e do chamado “centro”, através das instituições ditas democráticas, o que levou a um regime golpista até o ano de 2022, com a eleição de Lula, uma derrota parcial do golpe.

Até 2018, o governo golpista era encabeçado por Michel Temer (MDB), que estaria, na classificação de Maurício Rands, no campo do dito compromisso democrático. Para efetivar o golpe institucional, ademais, a direita dita democrática lançou uma campanha de fomento à extrema direita e de ruptura das garantias constitucionais e das liberdades democráticas, o que perdura até hoje, com uma concentração de poder no Judiciário contra os poderes eleitos da República. Naquele ano, essa tendência se expressou claramente com a prisão de Lula, retirando-o ilegalmente das eleições. Vejamos, então, a que conclusão tal erro de análise leva:

“O polo progressista foi derrotado nas eleições municipais. Para ser viável nas presidenciais daqui a dois anos, a esquerda vai precisar se reafirmar. Não se trata de simplesmente saber fazer alianças com o centro e a direita democrática. Como alguns propõem […]. Nem se trata de disputar eleições escondendo o seu ideário, como fizeram campanhas vitoriosas como as de João Campos e Eduardo Paes, nas recentes eleições do Recife e do Rio. Campanhas anódinas, inspiradas apenas por marqueteiros e pelo senso de oportunidade. Esconderam o DNA de suas tradições políticas, não apenas a figura simbólica do presidente Lula. Para ganhar assim, fica difícil justificar a sintonia com um projeto de cidade, de país e uma visão de mundo. Ganhar disfarçado, a que serve além dos projetos pessoais de poder? Ganhar escondendo valores e princípios pode ter um custo mais na frente. Porque isso pode ser visto como uma renúncia aos projetos políticos coletivos e transformadores.”

A uso da “democracia” como elemento central leva o autor a se perder completamente. A política de alianças com o centro e a direita constitui parte central na derrota acachapante da esquerda nas eleições municipais. Essa política exige que a esquerda participe da eleição como coadjuvante, ou seja, justamente escondendo seu ideário, seus princípios, seu programa. Em outras palavras, abandonando tudo isso em nome de constituir uma chapa eleitoral “vitoriosa”, para “vitórias” “anódinas, inspiradas apenas por marqueteiros e pelo senso de oportunidade“, como bem disse Maurício Rands.

Considerando-se que esse foi uma política geral da esquerda em todo o País, é seguro dizer que um “projeto de cidade, de país e uma visão de mundo” não estão presentes na esquerda, são vistos como secundários e abandonados na primeira oportunidade. O centro da questão, a luta de classes, evidencia este ponto. Se a esquerda se propõe a levar adiante a luta dos trabalhadores, mas, na prática, fica a reboque da burguesia, tenha ela a feição democrática ou não, a esquerda será incapaz de ter qualquer ganho político real para além de vitórias oportunistas, insossas e breves. A esquerda comete um suicídio político ao abandonar seu programa em nome de alianças para “vitórias” pragmáticas. Não é que tal política possa ser vista “como uma renúncia aos projetos políticos coletivos e transformadores“, ela é, de fato, essa renúncia.

A “democracia” a que se refere Rands nada mais é que o conjunto das instituições que, como dito anteriormente, golpearam o Brasil. E em nome da democracia, é a essas instituições que a esquerda se aferra. Um regime político direcionado contra os trabalhadores, que tendem cada vez mais a se insurgir contra ele. Assim sendo, a esquerda se coloca em defesa da “democracia”, a defesa do regime inimigo dos trabalhadores, ao passo em que a extrema direita, impulsionada e parida por esse regime, se coloca demagogicamente como antirregime, crescendo de maneira exponencial, ao passo em que a esquerda se esfacela.

“Para contornar essa tentação oportunista, a esquerda vai ter que expressar seus valores. Não se deixar definir pela caricatura que é feita pelos seus adversários. Ou pelos que ignoram as categorias da ciência política e são presas ingênuas ou interesseiras dos conservadores e reacionários ideologizados. Que simplificam, distorcem e esvaziam os conteúdos. […] A maior igualdade possível, a solidariedade social, a ética republicana, a democracia participativa, o compromisso com os pobres, excluídos e deserdados, a revolução educacionista, a inclusão digital, a paz mundial, a emancipação humana e a justiça social para as gerações futuras através do respeito ao meio-ambiente. Mas a esquerda vai precisar ir além da reafirmação de seus valores. Vai precisar retomar ou reforçar a conexão com os trabalhadores e os demais grupos sociais vulneráveis. Inclusive com um novo cardápio de propostas que respondam aos novos anseios através de uma nova concepção de desenvolvimento.”

Aqui, Maurício Rands apresenta muitas coisas que, em termos materiais, não são nada. São generalidades vazias. O ponto na situação política é que a esquerda concretamente não se coloca mais ao lado dos trabalhadores. Não se trata de “novos anseios“, de “paz mundial” ou fantasias do tipo.

Enquanto o mundo entra em conflito, e ele se acirra a cada dia, a esquerda se mostra sem personalidade, sem coragem de tomar o lado que a história lhe define como seu. Uma esquerda sem esquerda.

Não se trata de ir além dos seus valores, mas justamente de resgatá-los. A liberdade do indivíduo contra o jugo do Estado burguês; a estatização contra a privatização; o aumento salarial e o controle de preços contra a carestia. Trata-se da esquerda se identificar, desavergonhadamente, como de esquerda, com toda a tradição que isso acarreta. O trabalhador deve ter a liberdade de dizer o que quiser, de se organizar, de se armar. Hoje, nenhum desses pontos é defendido pela esquerda em grande parte. A continuar assim, o buraco em que se encontra a esquerda apenas se aprofundará, com consequências as mais graves para os trabalhadores.

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