No artigo A esquerda depende de Lula. A direita quer se livrar de Bolsonaro, o colunista de Brasil 247 Moisés Mendes questiona “quem é o candidato a prefeito de Bolsonaro, com alguma relevância na extrema direita, vencedor dessa eleição no primeiro turno ou habilitado a vencer a disputa no segundo”, apostando na tese indicada pelo título de que Bolsonaro estaria acabado. Mendes não se dá ao trabalho de submeter ao teste real sua consideração, por uma razão óbvia: sua personalista avaliação ignora, por exemplo, que o principal candidato na principal cidade do País é chamado pela esquerda de “Bolsonunes”.
Não se trata meramente da fusão dos nomes de Bolsonaro e do atual prefeito de São Paulo em busca da reeleição, Ricardo Nunes (MDB). Nunes sempre foi e continua sendo o candidato apoiado pelo líder da extrema direita brasileira, um movimento que apesar de causar contragosto na base bolsonarista, trouxe consigo também um deslocamento do MDB, que na maior cidade do Brasil, saiu do chamado Centro (isto é, os partidos da direita tradicional, controlados pelo imperialismo) para o bolsonarismo. Diz Mendes:
“Nem vamos citar, em respeito a quem nos lê, os nomes dos derrotados na primeira rodada e dos que não são tutelados por ele [Bolsonaro] e ainda disputam o segundo turno pela direita. Todos sabem quem são eles, a maioria da velha e da nova direita que não dependem mais do sujeito.
Bolsonaro é um dos derrotados nas eleições municipais. Porque é falsa, é quase ingênua a tese segundo a qual o crescimento do PL deve ser atribuído a ele. Em 2022, com a expansão da bancada no Congresso, sim. Hoje, não mais.
O PL vencedor quer depender mais das bruxarias de Valdemar Costa Neto e até do espírito da velha Arena e menos de Bolsonaro. Assim como desejam todos os que caminharam da chamada direita ‘pragmática’ para a direita oportunista, que exacerba posições ditas morais e de costumes, a partir da ascensão de Bolsonaro e do absolutismo religioso da prosperidade e do dinheirismo.”
Ora, mas citar “os nomes dos derrotados na primeira rodada e dos que não são tutelados por ele” seria fundamental para demonstrar o argumento. Mendes não o faz e isso não se deve a um “respeito a quem nos lê”, mas ao fato óbvio de que o articulista simplesmente escamoteou qualquer análise minimamente séria para limitar-se a torcer e nada mais.
Na capital do terceiro estado mais importante do País, Minas Gerais, Bruno Engler (PL). No Sul do País, a cidade de Porto Alegre teve um emedebista bolsonarista em primeiro lugar no primeiro turno. Mesmo deixando a cidade embaixo d’água por dias, Sebastião Melo teve apoio de Bolsonaro e junto com a vice Betina Worm (PL), tem grandes chances de derrotarem a esquerda.
Contrariando a tese de que são as “bruxarias de Valdemar Costa Neto” o vencedor das eleições na capital gaúcha, Worm foi enfática: “o apoio do [Jair] Bolsonaro me traz uma responsabilidade a mais nos desafios que virão. Espero estar à altura da expectativa que isso representa. O convite me deixou inicialmente surpresa, e logo em seguida entusiasmada”.
Em Curitiba, a liderança na disputa pela prefeitura está com Eduardo Pimentel, que embora em um partido tido como centrista, o PSD, disse com todas as letras: “quero apoio do Jair Bolsonaro”. O empecilho para isso é sua concorrente, a jornalista Cristina Reis Graeml (PMB), que também é bolsonarista e tem a preferência do “derrotado” líder da extrema direita brasileira.
No Centro-Oeste, a cidade de Goiânia teve em primeiro lugar no primeiro turno das eleições Frederico Gustavo Rodrigues da Cunha (PL), uma indicação do próprio Bolsonaro, que anunciou pessoalmente a retirada da candidatura do deputado federal Gustavo Gayer (PL-GO). Em Campo Grande, Adriane Lopes (PP) é abertamente apoiada por Bolsonaro, que ameaçou expulsar do PL quem apoiasse a rival (e também bolsonarista) Rose Modesto (União BR). Por fim, na cidade de Cuiabá, o ruralista Abilio Brunini (PL) tem como lema central de sua política “varrer o PT de Cuiabá”, para não deixar dúvidas a Mendes sobre seu alinhamento com o ex-presidente.
A análise de Mendes, que aposta na derrocada de Bolsonaro e em uma direita que já teria se desvencilhado dele, não resiste ao exame da realidade. As vitórias de candidatos alinhados ao bolsonarismo contradizem a tese do jornalista, de que o ex-presidente estaria politicamente acabado, porém isso é feito com uma facilidade tão espantosa, que torna incrível que o colunista tenha se dedicado a propagar suas fantasias.
Fosse um caso de esquizofrenia apenas, não haveriam maiores consequências, porém é um erro enorme achar que a luta contra Bolsonaro e a extrema direita pode ser resolvida no grito, ou seja, pela simples recusa em reconhecer sua força e influência ainda latentes na política brasileira. Esse tipo de abordagem, baseada mais em desejos do que em uma leitura crítica da conjuntura, só pode levar ao fracasso.
Desconsiderar os fatos e insistir em ilusões desmoraliza a esquerda e fortalece, na prática, o próprio bolsonarismo. Longe de combater o sentimento de derrota, tal tática condena a esquerda a uma impotência paralisante quando a realidade finalmente se impõe.
A luta política deve ser feita a partir de uma leitura séria da realidade. Para vencer, é preciso entender a verdadeira natureza da batalha, e as fantasias de Mendes apenas dificultam essa percepção.