Em um longo artigo intitulado Os primeiros sinais de um movimento golpista estão surgindo e publicado no sítio Fórum (8/4/2024), o jornalista Mauro Lopes tenta analisar as ameaças que pairam sobre a política nacional e o governo do PT, mas mete os pés pelas mãos ao elencar quase todas e ignorar uma das principais: o Supremo Tribunal Federal. Pior do que isso, a coluna reproduz a ladainha de órgãos que o jornalista reconhece serem golpistas, como Estadão, Folha de S. Paulo e O Globo, os principais difusores da tese reacionária de que uma “operação industrial de fake news” estaria ameaçando o regime político nacional. Ao entrar nesse mérito, termina fazendo uma defesa de Alexandre de Moraes no caso Twitter Files Brazil (“Arquivos do Twitter Brasil”, em português).
A história de todos os golpes de Estado elencados demonstra que entre a burocracia estatal, o Supremo Tribunal Federal figura entre os setores mais destacados do complô golpista. No golpe de 1964, por exemplo, o então presidente do STF, Álvaro Moutinho Ribeiro da Costa, “participou da cerimônia em que o então presidente do Senado, Auro de Moura Andrade, declarou vago o cargo de presidente da República e empossou Ranieri Mazzilli, o presidente da Câmara, até a eleição indireta do general Castello Branco.” (“STF deu aval a golpe de 1964 e depois entrou em atrito com militares”, José Marques, Folha de S. Paulo, 28/3/2024).
Em 2016, ficou imortalizada a frase do senador e ministro do Planejamento do governo golpista de Michel Temer (MBD), Romero Jucá (MDB-RR), que, à época, declarou ser preciso “botar o Michel [Temer] num grande acordo nacional (…) com o Supremo [grifo nosso], com tudo”. Na época em que os áudios de Jucá foram revelados, o então ministro tinha outro colega na equipe do governo Temer: o mesmo Alexandre de Moraes, que, um ano depois, seria alçado ao cargo máximo do Judiciário brasileiro, por indicação do presidente golpista.
Lopes simplesmente atropela os eventos capitais do País no golpe de 2016 para fazer uma defesa do regime que de tão dominado, derrubou a ex-presidenta Dilma Rousseff sem nenhum solavanco, ao contrário de 1964, quando milhares de prisões foram efetuadas e mesmo as Forças Armadas passaram por uma grande depuração de seus quadros. Em dado momento, critica o jornalista Michael Schellenberger, responsável por publicar o Twitter Files Brazil, apontando que “o jornalista assumiu o discurso bolsonarista e de Musk segundo o qual as ações contra a operação industrial de fake news no Brasil seria um ‘atentado à democracia e à liberdade de expressão’”. Ora, mas são.
O jornalista de Fórum não se dá ao trabalho de desmentir o colega de profissão norte-americano, levando-nos a crer que isso se deve a impossibilidade de negar o fato mais importante: de que a campanha contra as chamadas fake news são sim “um atentado à liberdade de expressão” e, por extensão, a qualquer regime minimamente democrático.
Não é à toa que regimes de exceção procurar impedir a circulação de ideias. Sendo, em geral, fracos do ponto de vista do apoio popular, críticas proferidas livremente tem um potencial devastador para a estabilidade política, especialmente quando o regime em questão está ligado a interesses contrários aos das massas trabalhadoras.
Foi o caso da Ditadura Militar, que promoveu um duro programa de ataques à classe operária, sepultando as conquistas das revoluções da década de 1930. Em 2016, com o programa “Ponte para o Futuro”, dedicado a instaurar um neoliberalismo radical mesmo com o programa derrotado nas urnas em 2014, não foi diferente.
O fato de essa parte do plano não ter saído como pretendido não significa que o imperialismo e seus lacaios em solo nacional desistiram. O próprio Lopes reconhece as inúmeras ameaças que pairam sobre o Brasil e o governo Lula em especial. Demonstrando, porém, não ter assimilado corretamente as lições deixadas por 2016, Mauro Lopes une-se aos setores majoritários da esquerda, que saem em defesa de uma institucionalidade oriunda da queda da presidenta Dilma e dedicada a concluir as tarefas deixadas em aberto após o governo Temer: atacar com a máxima dureza a economia brasileira e impedir qualquer reação a um eventual governo ditatorial aos moldes do argentino Javier Milei no País. Ao entrar errado na bola dividida entre Musk e Moraes, e assumir a defesa do último por pura confusão política, o jornalista de Fórum torna-se um instrumento daquilo que está denunciando, de um golpe que se aproxima e que como todos os outros até hoje, terá no STF um de seus mais importantes pontos de apoio. Afinal, é para apoiar as falcatruas dos setores mais poderosos da burguesia que o órgão existe.