Em artigo recente publicado na Folha de S.Paulo, o jornal tenta pintar um quadro em que nem o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), nem o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) teriam saído vencedores nas eleições municipais de 2024. Contudo, essa análise, além de limitada, mostra-se profundamente tendenciosa, ignorando elementos fundamentais da realidade política brasileira. Ao insistir em tratar a escolha de Dilma Rousseff como um “erro” estratégico de Lula e em minimizar o resultado expressivo da extrema direita nas urnas, o artigo cumpre um papel claro: o de desviar a atenção dos leitores para evitar que enxerguem o verdadeiro cenário eleitoral.
A primeira tese do artigo, que sugere que Lula teria imposto Dilma Rousseff como sucessora em 2010 para garantir um retorno fácil em 2014, não passa de uma intriga barata. A insinuação de que a candidatura de Dilma foi uma escolha de conveniência de Lula visa, na verdade, minar a confiança entre Lula, Dilma e a base do Partido dos Trabalhadores (PT). É um discurso reciclado que já havia sido usado pela imprensa burguesa para desmoralizar Dilma durante seu governo e que se alinha à alegação de que ela teria sofrido o golpe de 2016 por “incompetência”.
Ao insistir em atribuir os problemas do governo Dilma a um suposto “erro de escolha” de Lula, a Folha desvia o foco das forças reacionárias que realmente trabalharam para desestabilizar o governo e para concretizar o golpe que depôs a presidenta. A história contada pelo jornal ainda opera em benefício das mesmas forças golpistas, sugerindo que o golpe foi fruto da incapacidade de Dilma e não de uma conspiração reacionária que serviu a interesses imperialistas e de setores da burguesia. É a ideia de que Dilma “mereceu” o impeachment, ignorando completamente as manobras golpistas e a campanha incessante de sabotagem política que sofreu.
Outro ponto no qual o artigo se apoia é a crítica à polarização. Segundo a Folha, um dos “erros” de Lula teria sido “chamar a polarização” como estratégia eleitoral. No entanto, o que observamos na prática foi exatamente o contrário: a ausência de uma postura verdadeiramente polarizadora por parte do PT. Em várias capitais e grandes cidades, o PT optou por abrir mão de candidaturas próprias e apoiar candidatos de partidos de centro, como João Campos (PSB), em Recife, e Eduardo Paes (PSD), no Rio de Janeiro. Essa escolha revela um afastamento das bases populares e um movimento em direção a alianças com figuras que, historicamente, não representam os interesses da classe trabalhadora.
A experiência recente do PT deveria ter mostrado a importância da polarização como estratégia de fortalecimento. Foi justamente uma política de polarização que levou Lula à vitória nas eleições presidenciais de 2022, conquistando o apoio massivo de setores que desejavam uma ruptura com as forças reacionárias que sustentaram Bolsonaro. Se Lula tivesse, de fato, apostado mais na polarização e menos em alianças frágeis com figuras da direita, o resultado dessas eleições municipais poderia ter sido bem diferente. Em vez disso, o PT se distanciou de sua base em nome de uma moderação que, no fim das contas, mostrou-se ineficaz e enfraqueceu ainda mais a posição do partido.
Ao afirmar que Lula cometeu um erro ao “confiar na transferência de votos”, o artigo ignora o verdadeiro problema: a escolha de candidatos que, no fundo, são adversários políticos da própria esquerda. Em vez de investir em nomes que representam a luta de classes e os interesses da população trabalhadora, o PT e setores da esquerda optaram por apoiar figuras como Guilherme Boulos, do PSOL.
A realidade é que confiar em inimigos políticos é uma tática fadada ao fracasso, pois ela desmoraliza a própria esquerda. Ao chamar votos para Boulos, o PT aliena seus próprios eleitores, que veem na aliança um sinal de confusão ideológica e capitulação. Não é a falta de transferência de votos o problema, mas sim o abandono de princípios essenciais da esquerda em troca de uma união frágil com setores que, no fim, não têm nada a ver com a população. A esquerda, quando se afasta de suas bases e dos interesses populares, perde força, e isso é o que as urnas comprovaram mais uma vez.
O artigo tenta ainda retratar Bolsonaro como alguém derrotado pelas próprias limitações pessoais, sugerindo que ele “perdeu para o próprio ego”. Essa análise é, no mínimo, superficial. Ignora, por exemplo, o fato de que Bolsonaro e seu partido, o PL, conquistaram uma vitória significativa na cidade mais importante da América Latina, São Paulo, com a reeleição de Ricardo Nunes (MDB), e que o próprio PL foi o partido mais votado em todo o País, com mais de 15 milhões de votos. Ao minimizar esse resultado, a Folha tenta esconder o impacto que Bolsonaro ainda exerce sobre uma parte expressiva do eleitorado brasileiro, ignorando que ele continua a ser uma figura influente no cenário político nacional.
A conclusão do artigo, de que tanto Lula quanto Bolsonaro teriam saído “derrotados” nas eleições, serve a um único propósito: convencer a esquerda de que sua derrota não foi tão grande, preparando o terreno para uma capitulação ainda maior. Ao sugerir que a esquerda e a direita extremista estão em pé de igualdade, o artigo tenta justificar a estratégia de conciliação do PT com setores da direita tradicional, abandonando a luta de classes em favor de uma posição capituladora.
Essa política busca fazer a esquerda acreditar que, ao invés de lutar contra o avanço reacionário, deveria continuar “aguardando” e apoiando a direita “moderada” como uma alternativa. É uma estratégia de cooptação que visa desmoralizar a esquerda, afastando-a da luta real e colocando-a a reboque dos interesses da burguesia.