O jornalista Demétrio Magnoli, da Folha de S.Paulo, escreveu um artigo atacando os estudantes dos Estados Unidos, que se mobilizam contra o genocídio realizado por “Israel” na Faixa de Gaza. Para isso, atacou o marxismo e o que ele chamou de “decolonialismo”. Lembrando que o marxismo era a doutrina mais popular entre aqueles que se manifestaram contra a Guerra do Vietnã na década de 1960 — o que não é bem verdade —, destacou que essa doutrina “foi substituída por outra doutrina dogmática: a tese ‘decolonial’”.
“Assim como o marxismo, a nova doutrina espalhou-se entre professores universitários, gotejou para as salas de aula e, finalmente, emergiu no palco das manifestações contra a guerra em Gaza nos campi dos EUA. Sua síntese aparece num cartaz exposto no acampamento de protesto da Universidade George Washington: ‘Palestina livre. Os estudantes voltarão para casa quando os israelenses voltarem para a Europa, os EUA etc (seus lares verdadeiros)’”, comentou.
Já aqui Demétrio demonstra a intenção de seu artigo: atacar as mobilizações em defesa do povo palestino, que sofre com o genocídio que matou quase 50 mil cidadãos em menos de um ano. Ainda, o jornalista quer defender o regime mais reacionário do mundo, a ditadura imperialista dos EUA, que está reprimindo brutalmente os estudantes, em uma crise que tem proporções gigantescas. Ele critica que “nos campi dos EUA, brados estudantis misturam a reivindicação de interrupção da guerra com lemas clássicos do Hamas”.
Mas Demétrio também assina seu atestado de burrice, ao criticar o decolonialismo sem sequer saber do que se trata. Segundo ele, “o movimento ‘decolonial’ segue rumo paralelo (ao marxismo), eximindo governos autoritários e organizações antidemocráticas que se apresentam como rivais do Ocidente”.
Nada disso, o decolonialismo foi criado pelo sociólogo peruano Aníbal Quijano e tem servido não para “eximir governos autoritários e organizações antidemocráticas que se apresentam como rivais do Ocidente”, mas para defender a política do imperialismo, que se utiliza dessa doutrina para impulsionar o identitarismo nos países oprimidos.
Ele reconhece que “a tese ‘decolonial’” é “um estilhaço da política identitária”, política essa que é defendida por toda a imprensa golpista, principalmente a Folha, onde Demétrio escreve sua coluna. Ele aponta que a tese “enxerga o mal absoluto na expansão global europeia (isto é, ‘branca’), fonte da opressão sobre os ‘povos originários’ e a ‘diáspora africana’. Para eles, a redenção não está no futuro, mas num passado mítico que precisaria ser restaurado”.
A crítica é justa e válida, não fosse usada justamente para atacar a Palestina, mostrando o cinismo da imprensa que defende o identitarismo quando é para atacar o povo brasileiro e outros povos do mundo, usando a colonização de 500 anos atrás como pretexto, mas o critica para atacar o movimento real contra o colonialismo racista de “Israel” — isto é, dos tempos de hoje.
A questão palestina não faz parte de “um passado mítico que precisaria ser restaurado”, mas de um presente muito concreto, no qual a maioria árabe que vive naquela região vive sob uma intensa opressão — muito pior do que o violentíssimo apartheid na África do Sul. Na verdade, aqueles que se baseiam “num passado mítico que precisaria ser restaurado” é justamente “Israel”, que se apoio na mitologia bíblica, e do fato que judeus teriam vivido lá 4.000 anos atrás, para instaurar o pior regime colonial, racista e genocida dos tempos modernos.
Com base nessa mitologia, o sionismo explorou a questão judaica para estabelecer seu regime colonial. Nesse sentido, assim como os identitários falam que o Brasil pertence aos índios, os sionistas falam que a Palestina pertence aos judeus. Com uma diferença bastante importante: os poucos índios brasileiros que sobraram no Brasil — aqueles que descendem dos índios de 500 anos atrás — continuam sendo cidadãos brasileiros, que moram no Brasil.
Os israelenses, ao contrário, não tem nada a ver com os hebreus que moravam na região da Palestina 4 mil atrás. Na verdade, os hebreus se difundiram pelo resto do mundo e se misturaram com outros povos semitas, inclusive árabes. Os judeus que foram colocados artificialmente na Palestina há 70 anos eram judeus europeus, que não tinham nenhuma relação com os antigos hebreus. Assim, a política imperialista do identitarismo e decolonialismo serve justamente aos propósitos de “Israel” e do imperialismo.
Demétrio diz que “o grupo dirigente dos protestos na Universidade Columbia declara os EUA e o Canadá nações ilegítimas, formadas por colonos europeus que oprimem os negros e ocupam terras indígenas”. Nisso ele até pode estar certo, justamente pela influência da ideologia identitária nas universidades norte-americanas. Mas ele continua:
“O cartaz do acampamento na George Washington exige que os ‘invasores’ judeus saiam do Oriente Médio”. Com isso, ele tenta fazer uma relação — sem nenhum sentido — entre os colonizadores antigos, fundadores de civilizações e promotores do progresso humano, com os colonizadores modernos, que estão exterminam toda uma população que já tinha desenvolvido uma civilização naquela região há milhares de anos.
Ele critica os estudantes pelos “cânticos de ‘Palestina livre do rio até o mar’ (e, ainda, ‘por qualquer meio necessário’, uma senha costumeira destinada a legitimar o terror do 7 de outubro)”. Sobre o terror israelenses, que matou 40 mil pessoas e reduziu a Faixa de Gaza a pó, nenhuma palavra. Fala somente sobre a resistência armada palestina que atingiu alvos militares, chamando de “terror”.
Ainda, ele diz que “a nódoa do antissemitismo afastou a maioria dos estudantes, mesmo diante da criminosa punição infligida por Israel aos civis de Gaza”. Primeiro que Demétrio usa o argumenta canalha que quem luta contra “Israel” é antissemita. Segundo que ele fala em “punição”. Punição pelo quê? Por resistir? O sociólogo demonstra, assim, toda sua canalhice, tentando conquistar a base de extrema direita, criticando o “decolonialismo” sem saber do que se trata.
Na verdade, o que está ocorrendo na Palestina é uma luta contra a brutalidade imperialista, e, portanto, não tem nada de movimento decolonial e identitário. Os identitários, por outro lado, são aqueles que bradam “antissemitismo” e levantam uma mitologia para falar sobre o “direito histórico” dos judeus sobre a região da Palestina.
Com esse artigo, Demétrio Magnoli assinou um atestado de cinismo.