A eleição de Donald Trump deveria ligar o sinal de alerta para a esquerda no mundo inteiro. Os EUA são o país mais importante do planeta e influenciam toda a política mundial. Mas há setores da esquerda e também da imprensa burguesa que querem vender a ideia de que a eleição de Trump não é importante, que não influencia o Brasil, algo totalmente absurdo. O Brasil é a principal colônia dos EUA, o maior país da América Latina, o terreno de maior exploração dos norte-americanos. Um dos expoentes da tese do “nada mudou” é Dora Kramer que publicou na Folha de São Paulo o artigo Os EUA não são espelho.
Ela começa: “bolsonaristas têm todo o direito de achar que a vitória de Donald Trump significa que está aberto o caminho para a volta de Jair Bolsonaro (PL) à Presidência em 2026. Assim como é compreensível que lulistas abracem a ideia, vislumbrando a possibilidade de disputar o poder nos moldes de 2022”. Leia-se toda a população do Brasil, afinal a esmagadora maioria ou defende Lula ou defende Bolsonaro. É óbvio. O bolsonarismo é muito semelhante ao trumpismo, que é semelhatnte ao partido de Le Pen na França e a outros partidos e movimentos de extrema direita atuais.
Então afirma: “de início cumpre lembrar que Bolsonaro não ganhou em 2018 devido à ascensão de Trump ao poder em 2016. Venceu por uma conjugação de fatores, todos internos. Lembro alguns: Luiz Inácio da Silva (PT), preso, interditou a construção de candidaturas, o centro entrou tarde em cena depois de vários ensaios infrutíferos, a direita esperou para ver onde seria melhor amarrar sua canoa. Bolsonaro transitou no ‘contra tudo o que está aí’, num espaço vazio de proposições, pronto para ser preenchido com quaisquer respostas”.
Aqui é preciso desfazer uma confusão. É fato que Bolsonaro só foi eleito porque Lula estava preso. Os demais fatores são irrelevantes. Lula foi preso ilegalmente pela operação golpista Lava Jato, apoiada pela Folha. Mas isso não significa que o bolsonarismo não era relevante. Bolsonaro provavelmente perderia a eleição em 2018, mas já teria se tornado uma liderança de massas. Ele derrotou o PSDB antes mesmo de vencer a eleição. Ao tomar o governo, se fortaleceu. Mas o atual governo Lula mostra que a força do bolsonarismo não está apenas no governo. Ele se fortalece mesmo não estando no governo federal.
É preciso destacar que esse fenômeno é internacional. A extrema direita cresce no mundo inteiro. O Brasil, sendo o país mais desenvolvido dentre os países atrasados, com exceção da China, que tem outro regime político, é o que mais se assemelha aos governos europeus. Na década de 1930, o Brasil teve o maior partido fascista fora da Europa. O bolsonarismo portanto cresce de forma semelhante à extrema direita na Europa e nos EUA. A grande diferença do Brasil é o PT e Lula, mas essa força política está paralisada pela frente ampla.
A força política que se desintegra é justamente o setor dito “democrático”, representando perfeitamente pelo Partido Democrata dos EUA. Esse setor desaparece no mundo inteiro. Conseguiram ser derrotados por Donald Trump mesmo tendo o maior aparto do planeta. É o setor apoiado pelos bancos, pelas petroleiras, pela indústria bélica, ou seja, o bloco político mais poderoso do mundo não consegue mais vencer as eleições dos EUA. Esse centro também faliu no Brasil, isso é melhor observado pela desintegração do PSDB.
A única forma de barrar o crescimento do bolsonarismo seria com o avanço da esquerda, uma esquerda que consiga captar esse setor da sociedade que se revolta com o regime político e se desloca para o bolsonarismo. O problema é que o PT, ao invés de assumir uma política combativa, se alia ao cadáver do PSDB e assim afunda junto com ele.
O texto segue: “o que nos aproxima dos EUA é o mau humor do eleitorado que a direita sabe bem capturar e a esquerda ainda não faz ideia de como reconquistar. Tudo o mais nos distancia: sistema eleitoral, organização pluripartidária, trauma do passado de golpes e governos autoritários, existência de Justiça Eleitoral, barreiras legais a candidaturas fichas-sujas, Suprema Corte em alerta e aqui chegamos à inelegibilidade do ex-presidente”.
O “mau humor” é justamente o que foi citado acima, a revolta gigantesca da população com o regime político neoliberal de destruição da economia, de ditadura do identitarismo, de ditadura dos banqueiros. Mas o resto do argumento é uma farsa. O pluripartidarismo do Brasil não significa nada, há três blocos políticos, PT, direita e extrema direita. O “trauma dos golpes e ditaduras” não impediu a burguesia de apoiar o candidato defensor da ditadura militar na eleição de 2018.
A justiça eleitoral e o STF poderiam ser o único argumento. Afinal, eles são uma ditadura contra os partidos políticos que não são da direita tradicional, primeiro a esquerda e depois o bolsonarismo. No entanto, a prática já mostrou que o Judiciário não derrotará o bolsonarismo. Nos EUA, Trump foi perseguido por anos e venceu as eleições. No Brasil, o bolsonarismo é perseguido, Bolsonaro está inelegível e ainda assim é uma força política que cresce, que venceu as eleições municipais.
No fim, o texto quer fingir que nada está acontecendo, que não existe uma onda internacional da extrema direita que no Brasil é representada pelo bolsonarismo. A realidade é que o perigo é gigantesco, que, se nada mudar no governo Lula, existe uma probabilidade gigantesca do retorno de Bolsonaro ou algum bolsonarista ao governo. A direita tradicional já namora com o bolsonarismo, e quanto mais força ele ganha, maior é essa atração.
A política do “está tudo bem” é o caminho mais certo para a derrota da esquerda e dos trabalhadores. E, quando essa hora chegar, a Folha estará ao lado do candidato que defende a ditadura militar mais uma vez.