No dia 5 de agosto, o portal de notícias do Tribunal Regional do Trabalho (TRT) da 2ª Região publicou uma matéria intitulada Definição de idas ao banheiro pelo empregador não gera dano moral a empregada. O texto anunciava que a 3ª Turma de desembargadores do TRT da 2ª Região tinha negado pedido de indenização por “situação vexatória e de ofensa à intimidade”
Para esses magistrados, “a organização da rotina de trabalho dos empregados, inclusive o revezamento e as pausas para uso do sanitário, faz parte do poder de direção do empregador.” Em outras palavras, para o TRT-2, os patrões podem controlar até as vísceras dos trabalhadores.
A situação vexatória denunciada ocorreu na Atento, conhecida como a maior empresa de teleatendimento da América Latina. O incidente foi denunciado por uma funcionária, que relatou ser “impedida de utilizar o banheiro”.
Na denúncia, a empregada ainda complementou que “só podia se dirigir ao local no intervalo definido, com autorização dos supervisores.” Em uma tentativa de controlar a biologia de seus trabalhadores, os pedidos de utilização do sanitário “por diversas vezes teriam sido negados”.
Após sofrer esse assédio, a trabalhadora solicitou uma indenização no valor de ‘R$ 15 mil pela alegada situação vexatória e de ofensa à intimidade.’ Uma tentativa de autodefesa perante a opressão patronal, que, mesmo se bem-sucedida em um caso isolado, ainda não resolveria o problema da categoria.
Defesa da Atento
A defesa da Atento, arrogando-se na literatura médica, afirmou “que a média de uso do sanitário é de duas a três vezes em jornada de seis horas diárias, salvo uso em frequência maior em caso de necessidade específica, o que não foi informado”. Definindo regras para a biologia dos funcionários, logo os patrões estarão justificando o uso de fraldas e o confinamento de seus trabalhadores.
No “cálculo” apresentado para essa regra, “considera-se o tempo médio do ciclo digestivo das pessoas”, que supostamente ocasionaria o “surgimento de necessidade fisiológica de duas a três horas após a alimentação”. Uma conclusão arbitrária, na qual as condições objetivas das fisiologias individuais são ignoradas.
A Atento justificou sua tirania, afirmando: “que organização não se confunde com impedimento do acesso ao toalete e, segundo prova oral, a regra valia para qualquer profissional da companhia”. Ou seja, para a Atento, a opressão seria legítima se aplicada à totalidade dos trabalhadores.
Justiça patronal
Após o golpe de 2016, uma das mudanças ocorridas no Brasil foi o virtual fim da gratuidade da justiça trabalhista, mais especificamente com a Lei n.º 13.467/2017, conhecida como Lei da Reforma Trabalhista.
Assim ficou o §3º do artigo 790 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), alterado pela Lei 13.467/2017: “é facultado aos juízes, órgãos julgadores e presidentes dos tribunais do trabalho de qualquer instância conceder, a requerimento ou de ofício, o benefício da justiça gratuita, inclusive quanto a traslados e instrumentos, àqueles que perceberem salário igual ou inferior a 40% (quarenta por cento) do limite máximo dos benefícios do Regime Geral de Previdência Social”.
Anteriormente, a gratuidade era garantida ao litigante que recebesse até o “dobro do mínimo legal, ou declarasse, sob as penas da lei, que não estava em condições de pagar as custas do processo sem prejuízo do sustento próprio ou de sua família”. Não era raro o indeferimento dos pedidos, principalmente nos Tribunais Regionais do Trabalho.
Isso ocasiona um cenário em que o trabalhador que ingressa com litígio contra seu empregador, além de arcar com honorários advocatícios decorrentes da sucumbência e multas processuais, também teria que assumir as custas processuais.
O caso em tela
O processo movido pela trabalhadora da Atento teve sentença desfavorável na primeira instância, o que a levou a recorrer à segunda instância. Algo natural, considerando haver um considerável número de casos similares ao dela com parecer favorável.
Entretanto, o acórdão manteve o entendimento do juiz da primeira instância, sendo desfavorável à reclamante. Chama atenção o voto da relatora Dulce Maria Soler Gomes Rijo: “o fato de haver controle pelo empregador de eventuais afastamentos dos empregados do local de serviço, como nas idas ao banheiro, não constitui constrangimento capaz de justificar o pagamento de indenização por dano moral”.