Um artigo publicado na Folha de S. Paulo, no dia 17 de junho, assinado por Gabriel Wedy e Inês Soares, com o título de Desastre climático no Sul e os verdadeiros responsáveis repete a ladainha de que o problema dos desastres ambientais é do desenvolvimento industrial nacional.
“No caso do RS, embora União, estado e municípios possam, em tese, ser responsabilizados por questão de justiça climática, seria importante se houvesse um amadurecimento na análise sobre a conveniência de ajuizamento de demandas climáticas em defesa do povo gaúcho. Essas demandas colocariam nos bancos dos réus indústrias do petróleo, do carvão e grandes emissores de gases de efeito estufa, além de envolver os países que abrigam essas indústrias em seus territórios.“
Em primeiro lugar, antes de entrarmos no problema do desenvolvimento nacional, chama a atenção o esforço para livrar o governo estadual e as prefeituras da responsabilidade do que aconteceu. Segundo os autores, os governos podem ser responsabilizados “em tese”. Mais ainda, o governo federal, que é o menos culpado de tudo o que está acontecendo, é o que aparece primeiro entre os “em tese” responsáveis.
O governador Eduardo Leite, que confessou mais de uma vez ter deixado em segundo plano gastos em infraestrutura mesmo avisado que um desastre poderia ocorrer, não tem nem o nome citado. Está provado que o governo estadual e as prefeituras poderiam ter evitado a tragédia, mas, como Leite mesmo afirmou, era preciso cumprir as metas fiscais.
Bom, se os governos são apenas “em tese” responsáveis, então de quem é a culpa ou, segundo o título do artigo, quem são os “verdadeiros responsáveis”? E eles respondem: “Essas demandas colocariam nos bancos dos réus indústrias do petróleo, do carvão e grandes emissores de gases de efeito estufa, além de envolver os países que abrigam essas indústrias em seus territórios“.
Vejam só que maravilha. Descobrimos que basta parar de desenvolver o país que não haverá mais desastres climáticos. Explorar petróleo? Crime! Industrializar? Crime!
O desenvolvimento nacional é o culpado de tudo. Nesse sentido, está certo Eduardo Leite, os tucanos e a burguesia pró-imperialista. Vamos desindustrializar o País. Afinal, não é o que os governos neoliberais vêm fazendo há décadas?
Um artigo publicado em 2021 no Jornal da USP mostrava que o Brasil perdeu mais de 36 mil indústrias em seis anos, de 2015 a 2020. Isso apenas para ficar no período mais recente. Seria essa, então, a solução para evitar os desastres climáticos?
Certamente não é a solução, mas é o objetivo daqueles que defendem ideias como as contidas no artigo publicado na Folha.
Há duas conclusões no artigo. A primeira é a de que a culpa não é dos governos, mesmo estes sendo quase réus confessos. A segunda é que o Brasil deveria ser responsabilizado caso abrigue atividades econômicas consideradas maléficas para o meio ambiente. Valendo até ações judiciais contra o país:
“Há aporte teórico e experiências em cortes estrangeiras para embasar ações judiciais dessa natureza. Não é mais aceitável a irresponsabilidade climática de alguns países, que assumem posições contraditórias e contrárias ao Acordo de Paris e que violam os direitos humanos de pessoas que vivem em nações que não causam desequilíbrio climático relevante, mas sofrem com desastres devastadores.”
Para a imprensa burguesa, quem viola os direitos humanos não é Eduardo Leite, que se recusou a gastar com obras de infraestrutura mesmo tendo sido avisado do desastre. O irresponsável, o violador de direitos humanos, não é o governo do Rio Grande do Sul, mas algum ente misterioso que não cumpre acordos climáticos; é a “irresponsabilidade climática”.
Assim, se um governo decidir industrializar o país, explorar o petróleo e o carvão, em suma, desenvolver a economia nacional, ele será acusado de “violar os direitos humanos”. Mas se um governo confessa ter deixado de investir em infraestrutura para evitar um desastre anunciado, se ele entrega toda a economia nacional para os especuladores, como faz Eduardo Leite, esse pode até ser um grande modelo de gestão.
Aprendemos que não desenvolver o país e deixar o povo na miséria, isso não é contra os direitos humanos. Deixar deliberadamente o povo morrer graças à falta de investimento, isso também não é contra os direitos humanos. O problema mesmo é o desenvolvimento, isso, sim, é uma violação dos direitos humanos e deve até sofrer com ações judiciais internacionais.