O golpe de Estado em Bangladexe pegou muitos no Brasil de surpresa. Ao se observar o quadro geral da política mundial, não é algo tão imprevisível, afinal o Paquistão, um país irmão de Bangladexe, passou por um golpe há pouco tempo. No entanto, mais impressionante que o golpe imperialista em si é que há um setor da esquerda que considera que acontece uma revolução no país! A International Marxista Tendency, que no Brasil atua por meio da Organização Comunista Internacionalista, publicou em seu portal em inglês o texto “Where next for Bangladesh?” (Qual o próximo passo para Bangladexe).
A ideia geral é que houve uma mobilização de ruas no país e o governo caiu, então o que acontece é uma revolução. O IMT parece que não viu os acontecimentos da Ucrânia em 2014, do Egito em 2013, ou até mesmo do Brasil em 2016. Mobilização de ruas, no entanto, não significa que o movimento é de esquerda.
Os países oprimidos passaram por tantas ocasiões desse tipo que até inventaram um nome moderno, “Revolução Colorida”. Esse é o nome dado para um tipo de golpe de Estado que aconteceu com alguma mobilização nas ruas estimulada pelos golpistas. É o caso dos três países citados acima.
O IMT ignora completamente essa possibilidade, que foi o que de fato aconteceu, e afirma: “ficou claro na última segunda-feira que Hasina foi forçada a renunciar por outros no topo de seu regime. Até o último minuto, ela se recusou a sair. Foi a pressão dos generais do exército que a forçou a sair. A classe dominante percebeu que claramente não conseguia manter seu governo apenas pela força. Eles tiveram que ceder e sacrificar sua figura de proa”.
Ou seja, segundo o IMT um governo da burguesia foi derrubada pela mobilização popular. Se isso de fato aconteceu, então um novo governo mais a esquerda deveria assumir ou então um aliado de Hasina deveria assumir na tentativa de se manter o regime político. Nesse caso a crise política continuaria pois na prática a situação não mudou. Mas o que aconteceu após a queda da primeira-ministra? O IMT continua:
“Os coordenadores estudantis foram convidados pelo alto comando militar a Bangabhaban (o palácio presidencial) na terça-feira para negociar a composição de um governo de transição. E pouco depois da meia-noite, eles saíram com um acordo. Os principais coordenadores estudantis concordaram em apoiar um novo ‘governo interino’ liderado pelo Dr. Muhammad Yunus”.
Yunus é um banqueiro ligado diretamente ao governo dos EUA, tendo inclusive sido agraciado com Prêmio Nobel, uma famosa premiação dada aos melhores lacaios do imperialismo. Por que uma mobilização popular revolucionária faria uma reunião com generais e aceitaria um banqueiro como presidente? É algo totalmente absurdo. Não há explicação nenhuma para tal fenômeno, a não ser que a direção do movimento não é revolucionária, mas sim totalmente alinhada com os interesses do imperialismo. É a definição exata da Revolução Colorida.
Sem ter a resposta para isso, o IMT escreve algo que beira o ridículo: “os estudantes mostraram imensa coragem, mas há uma falta de clareza entre a liderança sobre como consolidar a revolução. Os estudantes alcançaram seu ‘programa de um ponto’: ou seja, Hasina deve sair. Mas o que vem depois?” Os estudantes, para o autor, seriam incapazes de compreender que não basta derrubar um governo, mas que é preciso trocar por um governo melhor para os trabalhadores. É evidente que os dirigentes do movimento sabem muito bem o que estão fazendo.
Ou seja, o IMT apoia abertamente o golpe de Estado ao considerar o que acontece como um movimento progressista. Invés de denunciar que há uma intervenção imperialista em Bangladexe, os esquerdistas aderem à tese de que há uma revolução, o que apenas serve para gerar confusão e assim, garantir que o golpe se consolide. E aqui é preciso destacar algo muito importante.
O IMT é sediado na Inglaterra, o país imperialista que tradicionalmente domina Bangladexe, um apoio ao golpe desse partido é uma capitulação gigantesca diante do imperialismo inglês. A principal obrigação do IMT seria atuar contra o imperialismo de seu país em apoio as nações oprimidas dominadas pelo governo britânico.
O texto segue descrevendo o quão direitista é Yunus: “para mais provas de que este governo é extraído do establishment capitalista, não precisamos procurar mais do que seu gabinete. Ele contém dois banqueiros (três incluindo o próprio Dr. Yunus), um ex-Procurador Geral e um ex-Procurador Geral Adjunto, um ex-Secretário de Relações Exteriores, bem como diretores, CEOs, advogados da Suprema Corte, ex-embaixadores, altos comissários, etc. Todos eles são provenientes da classe capitalista e já serviram em vários governos capitalistas – se não os da Liga Awami, então os do BNP.
Junto a esses ministros capitalistas, temos apenas dois coordenadores estudantis oriundos do movimento, Nahid Islam e Asif Mahmud. Eles receberam cargos ministeriais extremamente menores. Seu papel, como reféns neste governo capitalista, é claramente o de dar-lhe uma aparência de legitimidade que ele não merece”.
A descrição do governo mostra quão absurdamente pró-imperialista ele é. Três banqueiros assumem o governo após uma revolução, é algo impossível. Um caso de rebelião popular que derrubou um governo de direita de forma desorganizada foi na Argentina, quando quatro governos caíram consecutivamente, pois eram todos do mesmo bloco político. Pouco tempo depois, um nacionalista, Nestor Kirchner, foi eleito. No país asiático, outro bloco político assumiu, um bloco ainda pior do que o anterior. O que fazem os estudantes, então? Entram no governo! É evidente que essa organização estava agindo em conluio com o imperialismo desde o princípio.
Para fechar o texto com chave de ouro, o IMT defende que após um golpe de Estado as massas revolucionárias estão nas ruas em uma situação de duplo poder revolucionário: “este é o caminho a seguir! Os comitês são a única garantia da revolução. Dois poderes estão lado a lado hoje em Bangladesh. De um lado, o antigo estado capitalista com o Dr. Yunus agora à sua frente. Do outro, os comitês, que representam o embrião de um poder revolucionário alternativo. Tal situação não pode existir indefinidamente”.
Poderia ser cômico, afinal é um golpe de Estado do imperialismo sendo considerado uma revolução. No entanto, quando a esquerda assume uma posição totalmente desnorteada como essa, ela mina a luta dos trabalhadores contra este e outros golpes de Estado. Mesmo que haja comitês de base estudantis atuando, estes estão influenciados pela direção golpista do movimento. Será necessário lançar a palavra de ordem contra o golpe imperialista e não “todo o poder aos comitês de estudantes e trabalhadores!”, o que o texto defende em sua conclusão.
Não adianta brincar de Lênin durante um golpe de Estado, é preciso aplicar a política correta para o momento correto. Quando o golpe de Kornilov se aproximou na Rússia, Lênin organizou a luta contra o golpe, foi justamente isso que deu uma popularidade gigantesca para os bolcheviques. É assim que deve agir o partido revolucionário.