A guerra na Faixa de Gaza, e de todo o Eixo da Resistência contra o Estado de “Israel”, escancarou que um enorme setor da esquerda mundial se tornou um apêndice do imperialismo. Não conseguem aderir à posição histórica da esquerda de apoio aos movimentos de libertação nacional, não defendem o Hamas, o Hesbolá, o Ansar Alá do Iêmen e os demais grupos armados. Criticam “Israel”, mas também atacam o Irã. É uma posição totalmente reacionária. É o caso do portal português Esquerda.net, que publicou o texto O dilema do Hezbollah.
A tese do texto é que o Hesbolá é um partido libanês que tem “dupla lealdade”. Seria, ao mesmo tempo, um partido que luta pela libertação nacional do Líbano, mas que é uma força de procuração do Irã. Ou seja, saem da posição da esquerda de considerar o Hesbolá como um movimento de libertação nacional legítimo para considerá-lo, ao mesmo tempo, um “proxy iraniano” como afirma a imprensa imperialista.
O texto afirma: “o Hezbollah nasceu ao mesmo tempo como uma encarnação da resistência libanesa contra o ocupante sionista e como um braço de Teerão, parte da rede ideológico-militar que o Irão procurava construir no Oriente árabe e que mais tarde se expandiria significativamente, aproveitando o derrube do regime baathista iraquiano pelos Estados Unidos e o reforço por Washington dos apoiantes de Teerão em Bagdade, seguido do recurso do regime baathista sírio ao Irão para o salvar da revolução popular que se levantou contra ele”.
Essa tese é absurda porque a política internacional do Hesbolá não poderia ser outra que não se aliar ao Irã. Sendo um partido que luta pela libertação nacional, obviamente ele deve se aliar a outras forças que lutam contra o imperialismo. A República Islâmica do Irã é a mais óbvia das alianças. Mas o partido também é aliado dos sunitas, do Hamas, do governo Assad, da resistência iraquiana, do governo do Ansar Alá do Iêmen. Mas porque o Irã é um aliado muito mais forte, o imperialismo cria o mito de que o Hesbolá é controlado pelo Irã, uma farsa.
Aqui também é preciso comentar que o texto coloca o movimento contra o governo de Assad como algo revolucionário, como se o presidente sírio houvesse enfrentado uma revolução popular. Ou seja, divulga a propaganda imperialista. O que aconteceu foi que os EUA financiaram milícias armadas para derrubar o governo Assad. O Irã, o Hesbolá e, depois, os russos auxiliaram Assad a derrotar essa intervenção imperialista. Essa defesa da “revolução da Síria” mostra como o Esquerda.net tem uma política pró-imperialista.
Sobre a Síria, ele continua: “o Hezbollah não hesitou em responder ao convite de Teerão para lançar as suas forças na batalha para salvar o regime sírio de Assad, contradizendo o seu principal argumento até então, que era o de manter as suas armas independentemente do Estado libanês com o único objetivo de defender o Líbano”.
Isso mostra a total incompreensão do autor sobre a atuação do imperialismo no Oriente Médio. O que seria do Líbano se a Síria, um país muito maior, tivesse sido completamente dominada pelo imperialismo? É óbvio que o Líbano era o próximo na lista dos ataques imperialistas. Nesse sentido, a defesa de Assad foi uma defesa do Líbano, assim com do ponto de vista dos iranianos, a defesa de Assad foi uma defesa do Irã. O Eixo da Resistência compreende bem que a derrota de um deles é, na verdade, uma derrota de todos.
Ele então inventa a tese de que o Hesbolá não quer a guerra com “Israel”, mas sim o Irã: “o Hezbollah enfrenta agora o dilema da sua dupla lealdade, de uma forma que afecta os seus interesses vitais. Há indícios de que uma parte dos seus dirigentes, especialmente entre a liderança política envolvida nas instituições estatais libanesas, está inclinada a aceitar um cessar-fogo, juntamente com uma retirada para norte do rio Litani, em conformidade com a resolução de 2006 do Conselho de Segurança da ONU a este respeito, e a facilitar a eleição de um presidente consensual da República Libanesa, que não seja o homem leal a Damasco em que o partido tem insistido até à data. Teerão, no entanto, opôs-se firmemente a esta tendência, obrigando o partido a aderir ao princípio de fazer depender um cessar-fogo no Líbano de um cessar-fogo em Gaza, apesar de isso se ter tornado absurdo desde que o principal impulso da agressão sionista se deslocou de Gaza para o Líbano”.
Aqui se cristaliza a tese reacionária: o Irã obriga o Hesbolá a lutar contra “Israel”. É exatamente o que diz Benjamin Netaniahu. Todos sabem que o Hesbolá declarou guerra contra “Israel” no dia 8 de outubro, um dia após a operação heroica do Hamas, como forma de apoio à Faixa de Gaza. O partido deixa claro que está nessa guerra até que acabe o genocídio em Gaza. “Israel” atacou justamente para separar essas duas frentes, ou seja, o cessar-fogo apenas no norte é a política de “Israel”. O autor, portanto, defende a política sionista e afirma que a política do Hesbolá é uma imposição do Irã!
Além disso, o cessar-fogo de “Israel” é uma farsa total. Eles não ofereceram o fim da guerra real. Querem ocupar novamente o sul do Líbano, seria totalmente absurdo para o Hesbolá aceitar a proposta feita. “Israel” de forma alguma fez uma proposta aceitável, nem mesmo a resolução da ONU de 2006, que já é ruim do ponto de vista do Líbano, foi proposta por “Israel”. O único cessar-fogo real é o cessar-fogo de Gaza, assim acaba a guerra com o Hesbolá e o princípio de guerra com o Irã. Qualquer proposta que não seja o cessar-fogo real em Gaza, como definido pelo Hamas, é reacionária, sionista.
Mas o texto insiste que o Irã é reacionário: “o facto é que a insistência de Teerão em manter ativa a frente libanesa nada tem a ver com a preocupação com o povo de Gaza e mesmo com o próprio povo do Líbano, incluindo os xiitas que sofreram e sofrem a maior parte dos danos resultantes da agressão sionista em curso. Pelo contrário, o seu objetivo é manter ativo o papel dissuasor do Hezbollah enquanto o Irão enfrentar a possibilidade de o governo de Netanyahu desencadear uma guerra em grande escala contra o Irão. Esta é a razão pela qual o Hezbollah não utilizou até agora as armas mais fortes do seu arsenal militar, uma vez que estas se destinam principalmente à defesa do Irão e não à defesa do Líbano ou mesmo do próprio partido”.
Mais uma vez, o texto se aprofunda no reacionarismo sionista. Para o autor, o Hesbolá não está defendendo a Faixa de Gaza, ele está defendendo o Irã! O Irã está na mira de “Israel” e do imperialismo justamente por defender Gaza. A Arábia Saudita não corre esse risco, o Egito não corre esse risco, a Jordânia não corre esse risco. Por quê? Pois são capachos, cúmplices do genocídio em Gaza. O Irã não, é uma força de apoio real aos palestinos, uma força que luta pelo fim de “Israel”. Mas para o Esquerda.net, o Irã é o grande vilão.
A verdade é: a República Islâmica do Irã, neste momento, é o Estado mais importante na luta armada contra o imperialismo no planeta. Ela financia e arma grupos revolucionários em todo o Oriente Próximo e, assim, deve se incondicionalmente apoiada por toda a esquerda internacional.
Quem coloca o Irã como vilão é um sionista que defende o genocídio em Gaza.