Neste domingo, 4 de agosto, o portal Brasil 247 publicou um artigo intitulado “Maduro parece mais com Bolsonaro do que com Lula”, assinado por Alex Solnik. O artigo, como o nome sugere, equipara Maduro a Bolsonaro e realiza uma comparação entre o presidente venezuelano e Lula.
O artigo
Como mencionado, o texto tenta aproximar Maduro de Bolsonaro e distanciá-los de Lula, alterando o contexto sob a ótica imperialista. Para isso, o autor cita algumas passagens, algumas comprovadamente falsas, mas nunca utiliza a questão de classes ou uma política concreta como critério. Ao contrário, o fundo de todas as suas referências é moral.
Em resumo, o artigo substitui a política de classes por uma política moral absurda, e acaba apoiando o golpe do imperialismo contra a Venezuela. Esse não é um fenômeno isolado na esquerda pequeno-burguesa, caracterizando mais uma orientação política geral aos setores da esquerda influenciados e atrelados ao imperialismo.
Fraude na eleição
Solnik inicia o texto com: “Bolsonaro dizia que só perderia a reeleição se houvesse fraude. Maduro disse que, se perdesse a reeleição, haveria banho de sangue. Lula sempre disse que quem perde a eleição tem que ir para casa e esperar a próxima.”
A citação não desmerece Bolsonaro ou Maduro, mas sim Lula, ao expor uma passividade do mesmo perante a manipulação da burguesia no processo eleitoral. O pior erro neste início é pressupor a lisura dos pleitos organizados ou influenciados pela burguesia.
Essa fala revela o caráter de classe do autor e suas ilusões com nosso regime político, que proporcionou diversas fraudes contra o próprio Lula e cometeu o golpe de 2016. Os trabalhadores tendem naturalmente a desconfiar da justiça e do Estado burguês; infelizmente, a pequena-burguesia cultiva a ilusão de que o regime da burguesia também a representa.
Além disso, Solnik faz uma falsa equivalência da denúncia de fraude de Bolsonaro, que procurava criar uma fato político escandaloso para legitimar sua quase impossível vitória, e a de Maduro, que vem sendo perseguido e fraudado pelo imperialismo em todas as eleições que participou.
Voto impresso
O próximo parágrafo vai um pouco além: “Bolsonaro disse que as urnas eletrônicas brasileiras não são confiáveis; só seriam com voto impresso. Maduro também disse que as urnas eletrônicas brasileiras não são confiáveis e sim as venezuelanas, com voto impresso. Lula nunca questionou as urnas eletrônicas.”
Em primeiro lugar, é inconcebível a fé demonstrada nas instituições aqui mencionadas; nem os setores da burguesia depositam tanto crédito nas suas instituições. O autor ignora totalmente a incapacidade de auditoria nos votos sem registro físico dos mesmos.
Exatamente por isso, e por questões democráticas, o voto impresso sempre foi um ponto pacífico para a esquerda. O autor afirma que “Lula nunca questionou as urnas eletrônicas”, o que não condiz com a realidade.
“Nada é infalível, só Deus. Vamos pegar o que aconteceu aqui, quantas denúncias já foram feitas de defunto que vota, de cidades que têm mais eleitores do que habitantes”, declarou Lula em pré-campanha em junho de 2002. Além disso, Lula também já questionou a lisura e eficiência das próprias urnas eletrônicas, fazendo também campanha pelo voto no papel.
Intervenção no pleito
Em dado momento, Solnik afirma: “Bolsonaro mandou a PRF dificultar e até impedir a votação no Nordeste, onde havia mais eleitores de Lula. Maduro inviabilizou a votação dos venezuelanos no exterior, que na maioria votariam na oposição. Lula nunca interferiu em eleições.”
Aqui podemos afirmar, sem medo de erro, que Lula não interveio no pleito por uma questão moral, mas pela sua fragilidade nas instituições. O PT sofreu um golpe em 2016; Lula foi impedido de concorrer em 2018. Se tivesse poder no Estado, teria intervindo contra a manipulação imperialista; não o fez por fraqueza política e por não se dar conta de que seria vítima de golpe até ser tarde demais.
Política é violência organizada, a violência de uma classe sobre outra. Se Maduro utiliza a violência contra a intervenção imperialista, devemos apenas parabenizá-lo. Primeiro, por ter a força de mobilização para tal; segundo, por ter a iniciativa política. Se podemos criticar algo, é sua paciência com agentes externos que, em outra situação, estariam presos ou executados por traição à pátria.
Quanto à intervenção de Bolsonaro, ele defendeu sua posição, contra os trabalhadores, com as armas que dispunha. É estranho criticarem tanto a pífia intervenção dele, tentando manter-se no poder, e ignorarem a intervenção do setor principal do imperialismo que o conduziu primeiramente ao poder através da derrubada de Dilma Rousseff e da prisão de Lula.
Culpa de Deus
Em certa altura de seu artigo, Solnik faz o seguinte comentário: “Bolsonaro costuma citar o versículo ‘conhecereis a verdade e a verdade vos libertará’. Maduro citou o versículo ‘bem-aventurados os que não viram e acreditaram’. Lula jamais citou versículos.”
Continuando: “Bolsonaro disse que chegou à presidência porque foi ‘capacitado por Deus’. Maduro disse que ganhou a reeleição graças à ‘mão de Deus’. Lula nunca atribuiu suas vitórias eleitorais senão aos eleitores.”
O autor invoca matizes ideológicos, diferenças sobre características religiosas, para reforçar sua tese. Segundo o autor, Maduro e Bolsonaro atribuem a Deus suas vitórias eleitorais, enquanto Lula as atribui aos eleitores.
Solnik desconsidera a atuação dos agentes, os interesses envolvidos nos cenários e baseia sua análise em palavras sem lastro. Se considerarmos religião como um modelo da realidade, estruturado com respostas subjetivas, é difícil ser mais religioso que Solnik nesta avaliação.
Aqui, não apenas abandona qualquer teoria política com viés científico, como retrocitado, impõe um critério moral que favorece o imperialismo. Infelizmente, essa política entrega a liderança política dos trabalhadores à demagogia da extrema-direita.
Tratamento aos opositores
Próximo ao término do texto, o autor coloca: “Bolsonaro ameaçou metralhar petistas. Maduro mandou ‘caçar’ opositores. Lula nunca ameaçou opositores.”
Para quem conhece a história do PT e a luta por um partido revolucionário travada pela então corrente Causa Operária, que originou o Partido da Causa Operária, sabe que essa afirmação não condiz com a realidade. A então corrente Causa Operária foi expulsa sumariamente do PT no seu primeiro congresso em 1991.
Neste momento, as direções da corrente foram cassadas, acossadas pela direita e esquerda, e tiveram seus militantes perseguidos por correntes como Articulação do 113, Convergência Socialista, entre outras, além do próprio patronato. Quando dispôs do poder, não houve democracia ou diálogo, apenas violência, com agressões e golpes. Diversos militantes de oposição não foram apenas ameaçados, mas efetivamente caçados.
Novamente, a discussão moral, antes da política concreta, foge à realidade e desorienta os ativistas. Essa política baseada numa moral, sem interesses de classe, apenas desorganiza e serve ao inimigo de classe. Além disso, é preciso destacar que a docilidade de Lula e da corrente majoritária do PT se restringe, infelizmente, apenas ao imperialismo e à burguesia.
No tom do imperialismo
Solnik conclui da seguinte forma: “Embora Lula seja amigo de Maduro e ambos, inimigos de Bolsonaro, não é difícil perceber que Maduro parece mais com Bolsonaro do que com Lula.”
Esse posicionamento, no momento em que o imperialismo põe em marcha um golpe contra a Venezuela, demonstra que, consciente ou não, Solnik e todo um setor da esquerda estão cantando no tom determinado pelo imperialismo norte-americano. Esse fato é agravado pelo fato de que se trata de um golpe não apenas na Venezuela, mas na classe trabalhadora de toda a América Latina, inclusive a brasileira. A subserviência deste elemento ao imperialismo norte-americano é algo escandaloso. A tarefa da esquerda é denunciar, sem tergiversações, o golpe do imperialismo contra a Venezuela, e não cair na campanha criminosa contra Maduro.